segunda-feira, 20 de abril de 2015

Ponto de fuga

A falta que a figura faz
A figuração narrativa reunia artistas que faziam quadros com personagens, coisas reconhecíveis, e reivindica-vam para a arte uma visão política insubmissa; eram escolhas arriscadas
JORGE COLI COLUNISTA DA FOLHA
Muita energia, sentimento de urgência, de crítica, de dúvida, de contradição. Prazer em misturar níveis de cultura, para extrair deles uma visão aguda, irônica até o paroxismo. Tudo isso vazado na boa tradição da pintura, feita com maestria. De uma certa forma, eles reinventaram, atualizada, o que outrora se denominava "pintura de história".
Foi aí por volta de 1965. A aventura continuou por uns 15 anos. Hegemônica no pós-guerra, a abstração entrara em crise. Era o momento em que os americanos urdiam uma arte cheia de signos, a pop art. Ela triunfava na Bienal de Veneza.
Surgia então em Paris a "figuração narrativa". Reunia artistas que faziam quadros com personagens, coisas reconhecíveis, e reivindicavam para a arte uma visão política insubmissa. Eram escolhas arriscadas.
Primeiro, reafirmar a pintura quando a pop art trazia de volta a era dos ready-made. Depois, impor imagens bem trabalhadas, quando as abstrações diversas pareciam ter dado um xeque-mate nelas.
Enfim, ecoavam ainda as tristes polêmicas impostas pela figuração ideologicamente submissa do realismo socialista aos artistas próximos do Partido Comunista. Sem contar as lembranças do uso assustador que os outros regimes totalitários haviam feito das artes. Era consenso, então, que uma pintura política deveria, por força, cheirar mal.

Rigor A figuração narrativa caminhava por terrenos minados.
Além de tudo, como buscavam na publicidade, nos quadrinhos, no cinema muito de sua inspiração, foram tachados de uma cópia européia da pop art.
Não eram. A pop art tem caráter de constatação e deriva de Duchamp [1887-1968]. A figuração narrativa quer intervir no mundo. Recusou Duchamp e o denunciou como um cúmplice do mercado norte-americano. Assassinou-o numa vasta obra coletiva, "Viver e Deixar Morrer ou o Fim Trágico de Marcel Duchamp".

Global Aillaud pinta animais aprisionados, que parecem concentrar, opressos, o peso de uma tirania humana.
Fromanger toma a rua como lugar da história e fez filmes com Jean-Luc Godard. Rancillac acusa as ditaduras. Monory cria pesadelos monocromáticos.
A esses franceses associaram-se estrangeiros. Adami, italiano, decompõe e imobiliza os seres de maneira trágica; Erró, islandês, torna-se uma das estrelas do grupo. Havia ainda Fahlström [1928-76], sueco nascido em São Paulo, Klasen, alemão de Lübeck, Peter Saul, californiano, Stämpfli, suíço, muito brilhantes, todos.
Alguns ideavam uma pintura coletiva e inventaram a Cooperativa dos Mal-Sentados ("des malassis"), animada sobretudo por Henri Cueco, e a Equipo Crónica, composta pelos espanhóis Valdés e Solbes.

Fetichismo A posteridade lhes foi desdenhosa. O mundinho das bienais, do mercado, do jornalismo pôs no limbo esses artistas incômodos.
Em Paris, no Grand Palais [até 13 de julho], montou-se agora uma retrospectiva da figuração narrativa, que vai até o ano de 1972, como se depois seus artistas não existissem mais. Ao menos, tornou visível telas poderosas, amplas, cheias de impacto, ferozes com a história de seu tempo.
"Diálogos com meu Jardineiro", filme recente de Jean Becker, inspirou-se num romance de Cueco. Traz uma nostalgia fiel à prática figurativa e à pintura social.
A exposição de Paris está meio às moscas. Ao lado, no mesmo edifício, há outra mostra: "Maria Antonieta". Anda apinhada. Nela se vê a cadeira em que a soberana pôs, pela última vez, seu real bumbum.


jorgecoli@uol.com.br

São Paulo, domingo, 15 de junho de 2008

“Melhor rock nacional atual é gospel”, diz Guilherme Arantes

Rádio UOL

divulgacaoUm dos maiores hitmakers de sua geração, Guilherme Arantes comemora 40 anos de carreira em 2015.  Como poucos artistas nacionais, o cantor e compositor construiu, já na década de 70, uma ponte entre o popular e o sofisticado, o rock e a mpb, os pobres e os ricos.
“A jovem guarda foi um dos meus modelos e ensinou que é importante ser popular e atravessar transversalmente a sociedade, estourar no povão'', conta, em entrevista exclusiva à Rádio UOL.
OUÇA GUILHERME ARANTES NA RÁDIO UOL
Prestes a fazer três shows em São Paulo entre dias 17 a 19 de abril, no SESC Pompéia, Guilherme relança a faixa “Sonho Latino'', cuja versão original saiu em 1992, no álbum “Crescente''. Com um novo arranjo em que se destaca o cravo, instrumento renascentista antepassado do piano, a regravação será o bônus na versão em vinil de seu mais novo álbum “Condição Humana'', lançado em 2013.
O cantor está animado com a edição no formato analógico. “CD é uma b****. Na época o som digital parecia perfeito, mas hoje com o ouvido mais apurado eu consigo perceber a má qualidade. O vinil nacional era muito mal fabricado, misturavam asfalto no material. Hoje é ótimo''
OUÇA O ÁLBUM “CONDIÇÃO HUMANA''
Outro destaque da nova versão de “Sonho Latino'' é a participação de Cláudio Lucci nos violões. Parceiros antigos, Guilherme e Cláudio fizeram parte da banda de rock progressivo Moto Perpétuo, que lançou um único álbum em 1974.
Tocar numa banda de rock foi o que levou Guilherme Arantes a optar por seguir carreira solo no pop. “Ter banda é um pesadelo, uma dinâmica muito estranha, muita briga, para mim foi um saco pilotar um grupo'' diz. “O rock é tipicamente engessador e o próprio público, aquele bando de machão de camisa preta e barbichinha é um bando de idiotas. (…)Hoje em dia o melhor rock feito no Brasil é gospel. O 'rockão' ficou muito reacionário, você vê que muitos roqueiros hoje são de direita. O rock atual perdeu totalmente a força de transgressão''.
Guilherme encontrou a solução no grande público, em programas de auditório. “O auditório é a verdade do país. Eu era bonitinho, então fui para o Raul Gil, para o Chacrinha e ali eu estava livre daquela carga da banda de rock''.
DSC_5914-Guilherme-Arantes-Show-GUILHERME-ARANTES-Junho-2013-Foto-CRISTINA-GRANATO-
Foto: Cristina Granato/Site Oficial
Da geração clássica do rock nacional dos anos 80, Guilherme considera que “o que ficou de melhor foram os gays. Renato Russo, Cazuza, pessoas que atravessaram o histrionismo machista e reacionário''.
Sobre o cenário atual, Guilherme também não poupa outros estilos: para ele o sertanejo é fruto do agronegócio e o axé, do Carlismo na Bahia. Já o o pagode e o funk são, segundo ele, movimentos autênticos que se garantiram por conta própria.
Mantendo a polêmica, o autor de “Planeta Água'' garante que a canção é apenas uma ode ao elemento e não tem relação direta nenhuma com a crise hídrica que tem aterrorizado os paulistanos. Ainda assim, o público sedento da cidade terá a oportunidade de vê-lo contar a história deste e outros sucessos durante os shows do SESC Pompéia.
Parte do projeto Sala de Estar – em que os artistas escolhem um repertório exclusivo apresentado em clima intimista – as apresentações serão permeadas por pequenas narrativas em que Guilherme contará histórias sobre suas músicas e influências.
SERVIÇO
Quando? 17, 18 e 19 de abril de 2015, sexta e sábado, às 21h. Domingo, às 19h.
Onde? Sesc Pompéia – Rua Clélia, 33, São Paulo
Quanto?
R$ 15,00 (credencial plena*/trabalhador no comércio e serviços matriculado no Sesc e dependentes), R$ 25,00 (credenciado*/usuário inscrito no Sesc e dependentes, +60 anos, estudantes e professores da rede pública de ensino) e R$ 50,00 (inteira).
Venda online a partir de 8 de abril, terça-feira, às 20h.

"R" caipira é invenção dos brasileiros, conclui estudo linguístico

Carlos Fioravanti
Revista Pesquisa Fapesp



  • Reprodução Isabella Matheus
     Quadro "Cena de família", 1891, de Adolfo Augusto Pinto (Acervo Pinacoteca do Estado de SP). No final do século XIX o pronome você já era mais formal que o tu Quadro "Cena de família", 1891, de Adolfo Augusto Pinto (Acervo Pinacoteca do Estado de SP). No final do século XIX o pronome você já era mais formal que o tu
A possibilidade de ser simples, dispensar elementos gramaticais teoricamente essenciais e responder "sim, comprei", quando alguém pergunta "você comprou o carro?", é uma das características que conferem flexibilidade e identidade ao português brasileiro. A análise de documentos antigos e de entrevistas de campo ao longo dos últimos 30 anos está mostrando que o português brasileiro já pode ser considerado único, diferente do português europeu, do mesmo modo que o inglês americano é distinto do inglês britânico. O português brasileiro ainda não é, porém, uma língua autônoma: talvez seja – na previsão de especialistas, em cerca de 200 anos – quando acumular peculiaridades que nos impeçam de entender inteiramente o que um nativo de Portugal diz.
A expansão do português no Brasil, as variações regionais com suas possíveis explicações, que fazem o urubu de São Paulo ser chamado de corvo no Sul do país, e as raízes das inovações da linguagem estão emergindo por meio do trabalho de cerca de 200 linguistas. De acordo com estudos da Universidade de São Paulo (USP), uma inovação do português brasileiro, por enquanto sem equivalente em Portugal, é o R caipira, às vezes tão intenso que parece valer por dois ou três, como em porrrta ou carrrne.
Associar o R caipira apenas ao interior paulista, porém, é uma imprecisão geográfica e histórica, embora o R desavergonhado tenha sido uma das marcas do estilo matuto do ator Amácio Mazzaropi em seus 32 filmes, produzidos de 1952 a 1980. Seguindo as rotas dos bandeirantes paulistas em busca de ouro, os linguistas encontraram o R supostamente típico de São Paulo em cidades de Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná e oeste de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, formando um modo de falar similar ao português do século XVIII. Quem tiver paciência e ouvido apurado poderá encontrar também na região central do Brasil – e em cidades do litoral – o S chiado, uma característica hoje típica do falar carioca que veio com os portugueses em 1808 e era um sinal de prestígio por representar o falar da Corte. Mesmo os portugueses não eram originais: os especialistas argumentam que o S chiado, que faz da esquina uma shquina, veio dos nobres franceses, que os portugueses admiravam.
A história da língua portuguesa no Brasil está trazendo à tona as características preservadas do português, como a troca do L pelo R, resultando em pranta em vez de planta. Camões registrou essa troca em Os lusíadas – lá está um frautas no lugar de flautas – e o cantor e compositor paulista Adoniran Barbosa a deixou registrada em diversas composições, em frases como "frechada do teu olhar", do samba Tiro ao Álvaro. Em levantamentos de campo, pesquisadores da USP observaram que moradores do interior tanto do Brasil quanto de Portugal, principalmente os menos escolarizados, ainda falam desse modo. Outro sinal de preservação da língua identificado por especialistas do Rio de Janeiro e de São Paulo, dessa vez em documentos antigos, foi a gente ou as gentes como sinônimo de "nós" e hoje uma das marcas próprias do português brasileiro.
Célia Lopes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), encontrou registros de a gente em documentos do século XVI e, com mais frequência, a partir do século XIX. Era uma forma de indicar a primeira pessoa do plural, no sentido de todo mundo com a inclusão necessária do eu. Segundo ela, o emprego de a gente pode passar descompromisso e indefinição: quem diz a gente em geral não deixa claro se pretende se comprometer com o que está falando ou se se vê como parte do grupo, como em "a gente precisa fazer". Já o pronome nós, como em "nós precisamos fazer", expressa responsabilidade e compromisso. Nos últimos 30 anos, ela notou, a gente instalou-se nos espaços antes ocupados pelo nós e se tornou um recurso bastante usado por todas as idades e classes sociais no país inteiro, embora nos livros de gramática permaneça na marginalidade.
Linguistas de vários estados do país estão desenterrando as raízes do português brasileiro ao examinar cartas pessoais e administrativas, testamentos, relatos de viagens, processos judiciais, cartas de leitores e anúncios de jornais desde o século XVI, coletados em instituições como a Biblioteca Nacional e o Arquivo Público do Estado de São Paulo. A equipe de Célia Lopes tem encontrado também na feira de antiguidades do sábado da Praça XV de Novembro, no centro do Rio, cartas antigas e outros tesouros linguísticos, nem sempre valorizados. "Um estudante me trouxe cartas maravilhosas encontradas no lixo", ela contou.
De vossa mercê para cê
Os documentos antigos evidenciam que o português falado no Brasil começou a se diferenciar do europeu há pelo menos quatro séculos. Uma indicação dessa separação é o Memórias para a história da capitania de São Vicente, de 1793, escrito por frei Gaspar da Madre de Deus, nascido em São Vicente, e depois reescrito pelo português Marcelino Pereira Cleto, que foi juiz em Santos. Comparando as duas versões, José Simões, da USP, encontrou 30 diferenças entre o português brasileiro e o europeu. Uma delas é encontrada ainda hoje: como usuários do português brasileiro, preferimos explicitar os sujeitos das frases, como em "o rapaz me vendeu o carro, depois ele saiu correndo e ao atravessar a rua ele foi atropelado". Em português europeu, seria mais natural omitir o sujeito, já definido pelo tempo verbal – "o rapaz vendeu-me o carro, depois saiu a correr…" –, resultando em uma construção gramaticalmente impecável, embora nos soe um pouco estranha.
Um morador de Portugal, se lhe perguntarem se comprou um carro, responderá com naturalidade "sim, comprei-o", explicitando o complemento do verbo, "mesmo entre falantes pouco escolarizados", observa Simões. Ele nota que os portugueses usam mesóclise – "dar-lhe-ei um carro, com certeza!" –, que soaria pernóstica no Brasil. Outra diferença é a distância entre a língua falada e a escrita no Brasil. Ninguém fala muito, mas muinto. O pronome você, que já é uma redução de vossa mercê e de vosmecê, encolheu ainda mais, para cê, e grudou no verbo: cevai?
"A língua que falamos não é a que escrevemos", diz Simões, com base em exemplos como esses. "O português escrito e o falado em Portugal são mais próximos, embora também existam diferenças regionais." Simões complementa as análises textuais com suas andanças por Portugal. "Há 10 anos meus parentes de Portugal diziam que não entendiam o que eu dizia", ele observa. "Hoje, provavelmente por causa da influência das novelas brasileiras na televisão, dizem que já estou falando um português mais correto."
"Conservamos o ritmo da fala, enquanto os europeus começaram a falar mais rápido a partir do século XVIII", observa Ataliba Castilho, professor emérito da USP, que, nos últimos 40 anos, planejou e coordenou vários projetos de pesquisa sobre o português falado e a história do português do Brasil. "Até o século XVI", diz ele, "o português brasileiro e o europeu eram como o espanhol, com um corte silábico duro. A palavra falada era muito próxima da escrita". Célia Lopes acrescenta outra diferença: o português brasileiro conserva a maioria das vogais, enquanto os europeus em geral as omitem, ressaltando as consoantes, e diriam tulfón para se referir ao telefone.
Há também muitas palavras com sentidos diferentes de um lado e de outro do Atlântico. Os estudantes das universidades privadas não pagam mensalidade, mas propina. Bolsista é bolseiro. Como os europeus não adotaram algumas palavras usadas no Brasil, a exemplo de bunda, de origem africana, podem surgir situações embaraçosas. Vanderci Aguilera, professora sênior da Universidade Estadual de Londrina (Uel) e uma das linguistas empenhadas no resgate da história do português brasileiro, levou uma amiga portuguesa a uma loja. Para ver se um vestido que acabava de experimentar caía bem às costas, a amiga lhe perguntou: "O que achas do meu rabo?".
No acervo de documentos sobre a evolução do português paulista, está uma carta de 1807, escrita pelo soldado Manoel Coelho, que teria seduzido a filha de um fazendeiro. Quando soube, o pai da moça, enfurecido, forçou o rapaz a se casar com ela. O soldado, porém, bateu o pé: não se casaria, como ele escreveu, "nem por bem nem por mar". Simões estranhou a citação ao mar, já que o quiproquó se passava na então vila de São Paulo, mas depois percebeu: "Olha o R caipira! Ele quis dizer 'nem por bem nem por mal!'". O soldado escrevia como falava, não se sabe se casou com a filha do fazendeiro, mas deixou uma prova valiosa de como se falava no início do século XIX.
"O R caipira era uma das características da língua falada na vila de São Paulo, que aos poucos, com a crescente urbanização e a chegada de imigrantes europeus, foi expulsa para a periferia ou para outras cidades", diz Simões. "Era a língua dos bandeirantes." Os especialistas acreditam que os primeiros moradores da vila de São Paulo, além de porrta, pulavam consoantes no meio das palavras, falando muié em vez de mulher, por exemplo. Para aprisionar índios e, mais tarde, para encontrar ouro, os bandeirantes conquistaram inicialmente o interior paulista, levando seu vocabulário e seu modo de falar. O R exagerado ainda pode ser ouvido nas cidades do chamado Médio Tietê como Santana de Parnaíba, Pirapora do Bom Jesus, Sorocaba, Itu, Tietê, Porto Feliz e Piracicaba, cujos moradores, principalmente os do campo, o pintor ituano José Ferraz de Almeida Júnior retratou, até ser assassinado pelo marido de sua amante em Piracicaba. Os bandeirantes seguiram depois para outras matas da imensa Capitania de São Paulo, constituída em 1709 com os territórios dos atuais estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia, Tocantins, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina.
Manoel Mourivaldo Almeida, também da USP, encontrou sinais do português paulista antigo em Cuiabá, a capital de Mato Grosso, que permaneceu com relativamente pouca interação linguística e cultural com outras cidades depois do fim do auge da mineração de ouro, há dois séculos. "O português culto dos séculos XVI ao XVII tinha um S chiado", conclui Almeida. "Os paulistas, quando foram para o Centro-Oeste, falavam como os cariocas hoje!" O ator e diretor teatral cuiabano Justino Astrevo de Aguiar reconhece a herança paulista e carioca, mas considera um traço mais evidente do falar local o hábito de acrescentar um J ou um T antes ou no meio das palavras, como em djeito, cadju ou tchuva, uma característica da pronúncia típica do século XVII, que Almeida identificou também entre moradores de Goiás, Minas Gerais, Maranhão e na região da Galícia, na Espanha.
Almeida apurou o ouvido para as variações do português no Brasil por conta de sua própria história. Filho de portugueses, nasceu em Piritiba, interior da Bahia, saiu de lá aos 7 anos, morou em Jaciara, interior de Mato Grosso, e depois 25 anos em Cuiabá, foi professor da universidade federal e se mudou para São Paulo em 2003. Ele reconhece que fala como paulista nos momentos mais formais – embora prefira falar éxtra em vez de êxtra como os paulistas –, mas quando descontrai assume o ritmo de falar baiano e o vocabulário matogrossense. Ele estuda o modo de falar cuiabano desde 1991, por sugestão de um colega professor, Leônidas Querubim Avelino, especialista em Camões, que havia verificado sinais do português arcaico por lá. Avelino lhe contou que um roceiro cego de Livramento, a 30 quilômetros de Cuiabá, comentou que ele estava "andando pusilo", no sentido de fraco. Avelino reconheceu uma forma reduzida de pusilânime, que não era mais usada em Portugal.
"Os moradores de Cuiabá e de algumas outras cidades, como Cáceres e Barão de Melgado, em Mato Grosso, e Corumbá, em Mato Grosso do Sul, preservam o português paulista do século XVIII mais do que os próprios paulistas. Paulistas do interior e também da capital hoje falam dia, com um d seco, enquanto na maior parte do Brasil se diz djia", observou Almeida. "O modo de falar pode mudar dependendo do acesso à cultura, da motivação e da capacidade de perceber e articular sons de modo diferente. Quem procurar nos lugares mais distantes dos grandes centros urbanos vai encontrar sinais de preservação do português antigo."
De 1998 a 2003, uma equipe coordenada por Heitor Megale, da USP, seguiu a rota das bandeiras do século XVI em busca de traços da língua portuguesa antiga que tenham permanecido ao longo de quatro séculos. As entrevistas com moradores com 60 anos a 90 anos de quase 40 cidades ou povoados de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso trouxeram à tona termos esquecidos como mamparra (fingimento) e mensonha (mentira), uma palavra de um dos poemas de Francisco de Sá de Miranda do século XV, treição, usada no interior de Goiás no sentido de surpresa, e termos da linguagem popular ainda usados em Portugal, como despois, percisão e tristura, comuns no sul de Minas. O que parecia anacronismo ganhou valor. Dizer sancristia em vez de sacristia não era um erro, "mas uma influência preservada do passado, quando a pronúncia era assim", relatou o Jornal da Manhã, de Paracatu, Minas, em 20 de dezembro de 2001.
Ao norte, a língua portuguesa expandiu-se para o interior a partir da cidade de Salvador, que foi a capital do Brasil Colônia durante três séculos. Salvador era também um centro de fermentação da língua, por receber multidões de escravos africanos, que aprendiam o português como língua estrangeira, mas também ofereciam seu vocabulário, ao qual já haviam se somado as palavras indígenas.
Para impedir que a língua de Camões se desfigurasse ao cruzar com os dialetos nativos, Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, secretário de Estado do reino, resolveu agir. Em 1757, Pombal expulsou os jesuítas, entre outras razões de ordem política, porque estavam ensinando a doutrina cristã em língua indígena, e, por decreto, fez do português a língua oficial do Brasil. O português se impôs sobre as línguas nativas e ainda hoje é a língua oficial, embora os linguistas alertem que não possa ser chamada de nacional por causa das 180 línguas indígenas faladas no país (eram 1.200, estima-se, quando os portugueses chegaram). A miscigenação linguística, que reflete a mistura de povos formadores do país, explica em boa parte as variações regionais de vocabulário e de ritmos, sintetizadas em um mapa dos falares do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo. É fácil encontrar variações em um mesmo estado: os moradores do norte de Minas falam como os baianos, os da região central mantêm o autêntico mineirês, no sul a influência paulista é intensa e a leste o modo de falar assemelha-se ao sotaque carioca.
A pandorga e o bigato
Há 10 anos um grupo de linguistas estuda um dos resultados da miscigenação linguística: os diferentes nomes com que um mesmo objeto pode ser chamado, registrados por meio de entrevistas com 1.100 pessoas em 250 localidades. Brasil afora, o brinquedo feito de papel e varetas que se empina ao vento por meio de uma linha é chamado de papagaio, pipa, raia ou pandorga – ou ainda coruja em Natal e João Pessoa –, de acordo com o primeiro volume do Atlas linguístico do Brasil, publicado em outubro de 2014 com os resultados das entrevistas nas capitais (Editora UEL). Já o aparelho com luzes vermelha, amarela e verde usado em cruzamentos de ruas para regular o trânsito é chamado apenas de sinal no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte e também de semáforo nas capitais do Norte e Nordeste. Goiânia registrou os quatro nomes para o mesmo objeto: sinal, semáforo, sinaleiro e farol.
Começa agora a busca de explicações para essas diferenças. "Onde nasci, em Sertanópolis, a 42 quilômetros de Londrina", disse Vanderci Aguilera, uma das coordenadoras do Atlas, "chamamos bicho de goiaba de bigato por influência dos colonizadores, que eram imigrantes italianos vindos do interior paulista". Segundo ela, os moradores dos três estados do Sul chamam urubu de corvo por influência dos europeus, enquanto os do Sudeste mantiveram o nome tupi, urubu.
Cada estado – ou região – tem seu próprio patrimônio linguístico, que deve ser respeitado, enfatizam os especialistas. Os professores de português, alerta Vanderci, não deveriam repreender os alunos por chamarem beija-flor de cuitelo, como é comum no interior do Paraná, nem recriminar os que dizem caro, churasco ou baranco, como é comum entre os descendentes de poloneses e alemães no Sul, mas ensinar outras formas de falar e deixar a meninada se expressar como quiser quando estiver com a família ou com os amigos. "Ninguém fala errado", ela enfatiza. "Todo mundo fala de acordo com sua história de vida, com o que foi transmitido pelos pais e depois modificado pela escola. Nossa fala é nossa identidade, não temos por que nos envergonhar."
A diversidade do português brasileiro é tão grande que, apesar do empenho dos locutores de telejornais de alcance nacional em tentar criar uma língua neutra, despida de sotaques locais, "não há um padrão nacional", assegura Castilho. "Há diferenças de vocabulário, gramática, sintaxe e pronúncia mesmo entre pessoas que adotam a norma culta", diz ele. Insatisfeito com as teorias importadas, Castilho criou a abordagem multissistêmica da linguagem, segundo a qual qualquer expressão linguística mobiliza simultaneamente quatro planos (léxico, semântica, discurso e gramática), que deveriam ser vistos de modo integrado e não mais separadamente. Ao lado de Verena Kewitz, da USP, ele tem debatido essa abordagem com estudantes de pós-graduação e com outros especialistas do Brasil e no exterior.
Também está claro que o português brasileiro se refaz continuamente. As palavras podem morrer ou ganhar novos sentidos. Almeida contou que Celciane Vasconcelos, uma das estudantes de seu grupo, verificou que somente os moradores mais antigos do litoral paranaense conheciam a palavra sumaca, um tipo de barco antes comum, que hoje não se constrói mais, tirando a antiga serventia da palavra que hoje nomeia uma praia em Paraty (RJ). Os modos antigos de falar podem ressurgir. O R caipira, asseguram os linguistas, está voltando, até mesmo em São Paulo, e readquirindo status, na esteira dos cantores de música sertaneja. "Hoje ser caipira é chique", assegura Vanderci. Ou ao menos é aceitável e parte do estilo pessoal, como o da apresentadora de TV Sabrina Sato.
Bilhetes de amor
Os linguistas têm notado a expansão do tratamento informal. "Tenho 78 anos e devia ser tratado por senhor, mas meus alunos mais jovens me tratam por você", diz Castilho, aparentemente sem se incomodar com a informalidade, inconcebível em seus tempos de estudante. O você, porém, não reinará sozinho. Célia Lopes, com sua equipe da UFRJ, verificou que o tu predomina em Porto Alegre e convive com o você no Rio de Janeiro e em Recife, enquanto você é o tratamento predominante em São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte e Salvador. O tu já era mais próximo e menos formal que você nas quase 500 cartas do acervo on-line da UFRJ, quase todas de poetas, políticos e outras personalidades do final do século XIX e início do XX.
Como ainda faltava a expressão do falar das pessoas comuns, Célia e sua equipe exultaram ao encontrar 13 bilhetes escritos em 1908 por Robertina de Souza para seu amante e para seu marido. Esse material era parte de um processo-crime movido contra o marido, que expulsou de sua casa um amigo e a própria mulher ao saber que tinham tido um caso extraconjungal e depois matou o ex-amigo. Em um dos 11 bilhetes para o amante, Álvaro Mattos, Robertina, que assinava como Chininha, escreveu: "Eu te adoro te amo até a morte sou tua só tu é meu só o meu coracao e teu e o teu coracao é meu. Chininha e todinha tua ate a morte". Já o marido, Arthur Noronha, que recebeu apenas dois bilhetes, ela tratava de modo mais formal: "Eu rezo pedindo a Deus para você me perdoar, mas creio que voce não tem coragem de ver morrer um filho o filha". E mais adiante: "Não posso me separar de voce e do meu filho a não ser com a morte". Não se sabe se ela voltou para casa, mas o marido foi absolvido, por alegar que matou o outro homem em defesa da honra.
Outro sinal da evolução do português brasileiro são as construções híbridas, com um verbo que não concorda mais com o pronome, do tipo tu não sabe?, e a mistura dos pronomes de tratamento você e tu, como em "se você precisar, vou te ajudar". Os portugueses europeus poderiam alegar que se trata de mais uma prova de nossa capacidade de desfigurar a língua lusitana, mas talvez não tenham tanta razão para se queixar. Célia Lopes encontrou a mistura de pronomes de tratamento, que ela e outros linguistas não consideram mais um erro, em cartas do marquês do Lavradio, que foi vice-rei do Brasil de 1769 a 1796, e, mais de dois séculos depois, em uma entrevista do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/redacao/2015/04/12/em-200-anos-teremos-dificuldades-para-nos-comunicar-com-portugueses.htm

quinta-feira, 9 de abril de 2015

O processo por trás da criação de um Jogo Indie - Parte 2 de 3 (Plano de Negócios)

08 DE ABRIL DE 2015 - POR DANIEL MONASTERO
Continuando a história do nosso jogo Shiny, que nós do Garage 227 Studios estamos produzindo. 
Um Business Plan Após termos decidido que seguiríamos com a produção do Shiny como nosso primeiro projeto, ficou claro que precisaríamos criar um plano de negócios para o Studio. A produção de jogos, ao nosso entender, é um empreendimento empresarial, ou seja, buscamos crescimento e lucratividade a partir dos nosso projetos. E o primeiro passo do nosso plano foi estabelecer objetivos para o Garage 227 Studios e para o jogo Shiny.
 
 
 
Garage 227 Studios (Foto: Garage 227 Studios)
O Garage 227 Studios:
Objetivos:
1. Empreender

Em janeiro de 2014 fomos buscar suporte contábil para a abertura de empresa e, para isso contratamos um escritório de contabilidade que nos auxiliou, principalmente, no planejamento tributário e análise de custos envolvidos com o empreendimento.
Formalizar nosso estúdio tão cedo foi resultado de uma série de fatores que se juntaram exatamente naquele momento entre 2013 e 2014, entre eles: a necessidade de emissão de notas fiscais para diversos clientes; junção de vários conhecimentos dentro de um mesmo lugar para buscar novos e mais complexos projetos e, por fim, gerar responsabilidade e comprometimento com o crescimento sustentável da empresa. Chamo isso de "fome" - temos que alimentar a empresa para que ela cresça, pagamos impostos, serviços de terceiros, licenças de softwares etc. Se sobrar algo, temos lucro.
Essa "fome" é um das nossas maiores motivações diárias, juntamente a paixão por aquilo que fazemos. Essa necessidade de financiar o negócio e obter lucro é um grande incentivo para seguirmos, dia a dia, buscando novos projetos, novas oportunidades, contratos e parceiros.
Conhecer os verdadeiros custos envolvidos no seu empreendimento serve para traçar objetivos de longo prazo para seus projetos, cria base para estudos mais aprofundados de preço e margens de lucro.
2. Conhecer o Mercado
Em paralelo com as questões contábeis e administrativas, passamos a estudar o mercado de Indie Games, no Brasil e no mundo.
A internet é vasta em dados e análises sobre o mercado de games, a dificuldade é avaliar a confiabilidade dessas informações. Algumas fontes que usamos como base para nossos estudos:
- Sites especializados e reconhecidos como referências para o mercado como, por exemplo, o Gamasutra.  Neste site encontramos histórias de outros desenvolvedores contando suas experiências com a venda de seus jogos indie, sucessos, falhas, erros e acertos, e em alguns casos estes artigos acabam contendo, valiosícimas,  informações sobre o resultado das vendas, números gráfico etc.
Confira um bom exemplo sobre o jogo indie The Oil Blue:
The Oil Blue (Foto: Divulgação)


3. Testar nossa capacidade e divulgar nosso trabalho
Das nossas análises e estudos chegamos a este objetivo: testar nossa capacidade de produzir jogos e prestar serviços para outras empresas.
Nós que teríamos que nos apresentar ao "mundo" como estúdio, artistas e empresários. Para isso precisaríamos estar abertos a todo tipo de experiência advinda dessa exposição, aprender com nossos erros, receber críticas, elogios e conselhos e, por fim, buscarmos sempre fazer o melhor trabalho possível.
Decidimos que deveríamos investir uma parcela considerável dos nossos esforços em marketing e relações públicas, mesmo que de forma rudimentar, no começo, deveríamos divulgar nosso trabalho ao público.
Após os objetivos do Studio (resumidos) passamos aos objetivos do para o jogo SHINY.
Shiny (Foto: Garage 227 Studios)
SHINY
Objetivos:
1.
Terminar de produzir o jogo, inteiro, final, de verdade verdadeira!
2. Ser aprovado no Steam Greenlight.
3. Demonstrá-lo na BGS 2014 de alguma forma (na época não sabíamos se seríamos expositores ou se simplesmente apareceríamos lá com um laptop de baixo do braço).
4. Estabelecer relacionamento com empresas fabricantes de consoles: Microsoft, Nintendo e Sony.
5. Negociar com pelo menos um publisher.
6. Gerar portfólio para nossas competências como empresa.
7. Ter lucro suficiente para pagar a produção do jogo.
Semana que vem volto com a produção do jogo propriamente dita: fases, personagem, animação etc.
Até lá eu continuo aqui: Press Continue!
No momento estou:
Lendo: Mastering Autodesk Maya 2014 - 2,5kg de livro!! Sempre é bom rever conceitos para poder ministrá-los no meucurso de Maya na Axis.
Ouvindo: Duke Ellington - The Essential - Essencial ouvir a música Caravan e viajar na idéia e sensações…
Assistindo: Trailer Park Boys - Don't spill my drink!
Jogando: Alien Isolation - Fear the Ripley!

O processo por trás da criação de um Jogo Indie - parte 1 de 3

26 DE MARÇO DE 2015 - POR DANIEL MONASTERO
Esta é a história do nosso primeiro jogo totalmente independente: o Shiny. Nós, do Garage 227 Studios, estamos produzindo este jogo com financiamento próprio, ou seja, usamos o dinheiro que arrecadamos no estúdio advindo de outros projetos e aulas que ministramos na Axis.
Banner do jogo Shiny (Foto: Garage 227 studios)

Gameplay First (jogabilidade em primeiro lugar)
O jogo Shiny foi criado seguindo o grande ensinamento da Blizzard  Entertainment - Jogabilidade em Primeiro Lugar- ou seja, o Shiny da ideia de um jogo Plataformer, baseado em jogabilidade de pulo e travessia de obstáculos, com gráficos 2.5D, câmera e perspectiva fixa em ambiente 3D e, por fim, as mecânicas "diferenciais" que seriam o controle de iluminação à partir do jogador e energia limitada, acabou, morreu.
O projeto começou em 2013 e tinha o nome de Shine, com E mesmo, e não tinha história. Apenas tínhamos Concepts do Kramer e de um cenário de caverna. A ideia existia, mas ainda precisava ser explorada, então criamos um mini demo, super rápido (que você pode ver no nosso canal do YouTube), disponibilizamos dois vídeos inéditos e secretos do nosso primeiro protótipo, passamos uma semana criando e programando essa versão super simples para podermos apresentar para um estúdio Norte Americano com o qual estávamos negociando uma parceria que não foi adiante. 
Voltando aoGameplay First, caindo por terra a mecânica da iluminação o personagem mudou, não tinha mais sentido ter uma "lampadona" no meio do robô então ele passou por uma revolução e começou a se aproximar do que ele é hoje - veja a galeria!
Confira a galeria de Shiny aqui (Foto: divulgação)

O começo de um novo Shiny
Resolvido o gameplay e, por consequência, o personagem, aproveitamos para mudar nossa Game Engine. Hoje usamos a Unreal Engine 4.  Na época, havíamos criado o demo na Unity 4 (hoje na versão 5), a nossa escolha foi feita com base em alguns quesitos técnicos e de custo. Técnicamente, sem a mecânica da luz, a programação do jogo ficava mais simples e poderíamos fazer em qualquer engine que quiséssemos e todos no estúdio já estavam familiarizados com a Unreal 3. 
Quanto ao fator custo, a Unreal 4 lançou custando US$ 19,00 por mês e a Unity 4 era mais cara, algo em torno de (US$ 75,00 mês) e ainda era a versão antiga, ou seja, estaríamos pagando mais caro por algo que ainda estaria por vir.
Hoje, Unreal Engine 4 e Unity 5 são gratuítas e qualquer um pode baixar e usar. A remuneração dos fabricantes delas é baseada em Royalties Share - paga-se 5% do faturamento para a Epic Games à partir dos U$ 3000 brutos arrecadados com o produto produzido usando a engine.
Com Gameplay, personagem e Engine decididos, passamos a focar na história e nos conceitos dos cenários que precisaríamos criar.
Semana que vem tem a continuação deste post e nele falarei da história do jogo e dos novos concepts (muitos ainda inéditos).
Até lá eu continuo aqui: Press Continue!
No momento estou:
Lendo (Relendo): A CASTA DOS METABARÕES - De Alejandro Jodorowsky e Juan Gimenez
Ouvindo: Beastie Boys - Licensed to Ill - No Sleep till... you finish Shiny!
Assistindo: The Americans - Casal de espiões russos vive nos EUA como verdadeiros Estadunidenses, com filhos e tudo mais. Guerra Fria tensa!
Jogando: Captain Toad: Treasure Tracker - WII U - Indiana Toad!! Divertido e rápido!

http://revistagalileu.globo.com/blogs/Press-Continue/index.html

Happy Lesbian Couples

Posted by  on Feb 3, 2015 in Bridal PortraitsLGBTLoveWeddingsNo Comments
Happy Lesbian Couples
Today was just one of those days. When you sit there and soak in the fact that things you have worked so hard for over the years are finally paying off. If February 2010 Steph could look ahead at February 2015 Steph I think she’d fall over. This month marks 5 years since I quit […]

http://www.stephgrantphotography.com/blog/category/bridal-portraits/

Eduardo Viveiros de Castro: “Outros valores, além do frenesi de consumo”

10
Eduardo Viveiros de Castro dispara: iludido por noção ultrapasada de progresso, Brasil pode desperdiçar oportunidade única de propor novo modelo civilizatório
Entrevista a Júlia Magalhães
“É preciso insistir no fato de que é possível ser feliz sem o frenesi de consumo que a mídia nos impõe”, reafirma o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro à jornalista Júlia Magalhães. Para ele, assim como para Fernando Meirelles e Ricardo Abramovay – primeiros entrevistados da sério Outra Política – a felicidade pode ter outros caminhos. O novo diálogo é parte da série que o Instituto Ideafix produziu por encomenda do IDS (Instuto Democracia e Sustentabilidade), e que o site publica na seção especial “Outra Política“.
Pesquisador e professor de antropologia do Museu Nacional (UFRJ) e sócio fundador do Instituto Socioambiental (ISA), Viveiros insiste em que só pela educação avançaremos rumo a uma sociedade mais democrática. “A falta de educação é o nó cego responsável por esse conservadorismo reacionário de boa parte da população”, diz ele. Vai além: arrisca dizer que haveria uma conspiração para impedir os brasileiros de ter acesso a educação ou conexão à internet de qualidade – conquistas que permitiriam ampliar o acesso a produtos e bens culturais.
Ainda como Meirelles e Abramovay, Viveiros insiste em políticas que reduzam a desigualdade e favoreçam novos padrões de consumo. “É um absurdo afirmar que produzir mais carros é sinal de pujança, utilizar esse dado como indicador de melhoria econômica.”
Para o antropólogo, a mobilização pelas causas ambientais é importante, mas ainda está longe de corresponder à gravidade do problema. É preciso ampliar o universo dos que se preocupam, lembrar “que saneamento básico, dengue e lixo são problemas ambientais”. Viveiros está alarmado: “as pessoas fingem não saber o que está acontecendo, mas o fato é que temos que nos preparar para o pior”. O raciocínio é semelhante ao de Fernando Meirelles, diretor de Ensaio sobre a Cegueira: “Apenas cegos, cínicos ou oportunistas recusam-se a enxergar”.
Diferentemente de Abramovay – que vê germinar um trabalho sério nas empresas e acredita que a sociedade terá força e atitude para impor limites à iniciativa privada –, Viveiros de Castro considera que as corporações não são capazes de ir além do “capitalismo verde”, fingindo responsabilidade social e ambiental. Os dois se alinham, contudo, na esperança depositada nas redes sociais como canais de expressão, opinião, colaboração e mobilização.
“Não existe um rumo Brasil”, alerta Viveiros de Castro, ao falar sobre a fratura que marca a sociedade brasileira contrapondo as forças vivas do autoritarismo e do racismo aos setores que buscam a inovação. “O Brasil é um país escravocrata, racista, que não fez reforma agrária, e precisa fazê-la”, diz.
Não por coincidência, dissse o mesmo, há pouco, Mano Brown, em vídeo gravado na Ocupação Mauá, centro de São Paulo. “O Brasil está em transição, não sabe se é um país moderno ou se está ainda em 1964. Tem uma geração de direita ainda viva – Kassab é de direita, Alckmin é de direita – que tem um modus operandi dos caras da antiga, de usar a força, o poder.” A seguir, a entrevista (Inês Castilho).
Qual é sua percepção sobre a participação política do brasileiro?
Preferiria começar por uma desgeneralização: vejo a sociedade brasileira como profundamente dividida no que concerne à sua visão do país e do futuro. A ideia de que existe um Brasil, no sentido não-trivial das ideias de unidade e de brasilidade, parece-me uma ilusão politicamente conveniente (sobretudo para os dominantes) mas antropologicamente equivocada. Existem no mínimo dois, e, a meu ver, bem mais Brasis. O conceito geopolítico de Estado-nação unificado não é descritivo, mas prescritivo. Há fraturas profunda na sociedade brasileira. Há setores da população com uma vocação conservadora imensa; eles não integram necessariamente uma classe específica, embora as chamadas “classes médias”, ascendentes ou descendentes, estejam bem representadas ali. Grande parte da chamada sociedade brasileira — a maioria, infelizmente, temo — se sentiria muito satisfeita sob um regime autoritário, sobretudo se conduzido mediaticamente pela autoridade paternal de uma personalidade forte. Mas isso é uma daquelas coisas que a minoria libertária que existe no país, ou mesmo uma certa medioria “progressista”, prefere manter envolta em um silêncio embaraçado. Repete-se a todo e a qualquer propósito que o povo brasileiro é democrático, “cordial”, amante da liberdade, da igualdade e da fraternidade – o que me parece uma ilusão muito perigosa. É assim que vejo a “participação política do povo brasileiro”: fraturada, dividida, polarizada, uma polarização que não está necessariamente em harmonia com as divisões politicas oficiais (partidos etc.). O Brasil permanece uma sociedade visceralmente escravocrata, renitentemente racista, e moralmente covarde. Enquanto não acertarmos contas com esse inconsciente, não iremos “para a frente”. Em outros momentos, é claro, soluços insurreicionais esporádicos, e uma certa indiferença pragmática em relação aos poderes constituídos, que se testemunha sobretudo entre os mais pobres, ou os mais alheios ao teatro montado pelo andar de cima, inspiram modestas utopias e moderados otimismos por parte daqueles que a historia colocou na confortável posição de “pensar o Brasil”. Nós, em suma.
O que é preciso para mudar isso?
Falar, resistir, insistir, olhar por cima do imediato – e, evidentemente, educar. Mas não “educar o povo”, como se a elite fosse muito educada e devêssemos (e pudéssemos) trazer o povo para um nível superior; mas sim criar as condições para que o povo se eduque e acabe educando a elite, quem sabe até livrando-se dela. A paisagem educacional do Brasil de hoje é a de uma terra devastada, um deserto. E não vejo nenhuma iniciativa consistente para tentar cultivar esse deserto. Pelo contrário: chego a ter pesadelos conspiratórios de que não interessa ao projeto de poder em curso modificar realmente a paisagem educacional do Brasil: domesticar a força de trabalho, se é que é isso mesmo que se está sinceramente tentando (ou planejando), não é de forma alguma a mesma coisa que educar.
Isto é só um pesadelo, decerto: não é assim, não pode ser assim, espero que não seja assim. Mas fato é que não se vê uma iniciativa de modificar a situação. Vê-se é a inauguração bombástica de dezenas de universidades sem a mínima infra-estrutura física (para não falar de boas bibliotecas, luxo quase impensável no Brasil), enquanto o ensino fundamental e médio permanecem grotescamente inadequados, com seus professores recebendo uma miséria, com as greves de docentes universitários reprimidas como se eles fossem bandidos. A “falta” de instrução — que é uma forma muito particular e perversa de instrução imposta de cima para baixo — é talvez o principal fator responsável pelo conservadorismo reacionário de boa parte da sociedade brasileira. Em suma, é urgente uma reforma radical na educação brasileira.
“A floresta e a escola”, sonhava Oswald de Andrade. Infelizmente, parece que deixaremos de ter uma e ainda não teremos a outra. Pois sem escola, aí é que não sobrará floresta mesmo.
Por onde começaria a reforma na educação?
Começaria por baixo, é lógico, no ensino fundamental – que continua entregue às moscas. O ensino público teria de ter uma política unificada, voltada para uma – com perdão da expressão – “revolução cultural”. Não adianta redistribuir renda (ou melhor, aumentar a quantidade de migalhas que caem da mesa cada vez mais farta dos ricos) apenas para comprar televisão e ficar vendo o BBB e porcarias do mesmo quilate, se não redistribuímos cultura, educação, ciência e sabedoria; se não damos ao povo condições de criar cultura em lugar de apenas consumir aquela produzida “para” ele. Está havendo uma melhora do nível de vida dos mais pobres, e talvez também da velha classe média – melhora que vai durar o tempo que a China continuar comprando do Brasil e não tiver acabado de comprar a África. Apesar dessa melhora no chamado nível de vida, não vejo melhora na qualidade efetiva de vida, da vida cultural ou espiritual, se me permitem a palavra arcaica. Ao contrário. Mas será que é preciso mesmo destruir as forças vivas, naturais e culturais, do povo, ou melhor, dos povos brasileiros para construir uma sociedade economicamente mais justa? Duvido.
Nesse cenário, quais os temas capazes de mobilizar a sociedade brasileira, hoje?
Vejo a “sociedade brasileira” imantada, pelo menos no plano de sua auto-representação normativa por via da midia, por um ufanismo oco, um orgulho besta, como se o mundo (desta vez, enfim) se curvasse ao Brasil. Copa, Olimpíadas… Não vejo mobilização sobre temas urgentíssimos, como esses da educação e da redefinição de nossa relação com a terra, isto é, com aquilo que está por baixo do território. Natureza e Cultura, em suma, que hoje não apenas se acham mediadas, mediatizadas pelo Mercado, mas mediocrizadas por ele. O Estado se aliou ao Mercado, contra a Natureza e contra a Cultura.
Esses temas ainda não mobilizam?
Existe alguma preocupação da opinião pública com a questão ambiental, um pouco maior do que com a educacional – o que não deixa de ser para se lamentar, pois as duas vão juntas. Mas tudo me parece “too little, too late”: muito pouco, e muito tarde. Está demorando tempo demais para se espalhar a consciência ambiental, o sentido de urgência absoluta que a situação do planeta impõe a todos nós. Essa inércia se traduz em pouca pressão sobre os governos, as corporações, as empresas – estas investindo cada vez mais na historia da carochinha do “capitalismo verde”. E pouca pressão sobre a grande imprensa, suspeitamente lacônica, distraída e incompetente quando se trata da questão das mudanças climáticas.
Não se vê a sociedade realmente mobilizada, por exemplo, por Belo Monte, uma monstruosidade provada e comprovada, mas que tem o apoio desinformado (é o que se infere) de porções significativas da população do Sul e Sudeste, para onde irá boa parte da energia que não for vendida a preço de banana paras as multinacionais do alumínio fazerem latinha de sakê, no baixo Amazonas, para o mercado asiático. Faz falta um discurso politico mais agressivo em relação à questão ambiental. É preciso sobretudo falar aos povos, chamar a atenção de que saneamento básico é um problema ambiental, dengue é problema ambiental, lixão é problema ambiental. Não é possível separar desmatamento de dengue e de saneamento básico. É preciso convencer a população mais pobre de que melhorar as condições ambientais é garantir as condições de existência das pessoas. Mas a esquerda tradicional, como se está comprovando, mostra-se completamente despreparada para articular um discurso sobre a questão ambiental. Quando suas cabeças mais pensantes falam, tem-se a sensação de que estão apenas “correndo atrás”, tentando desajeitadamente capturar e reduzir ao já-conhecido um tema novo, um problema muito real que não estava em seu DNA ideológico e filosófico. Isso quando ela, a esquerda, não se alinha com o insustentável projeto ecocida do capitalismo, revelando assim sua comum origem com este último, lá nas brumas e trevas da metafísica antropocêntrica do Cristianismo.
Enquanto acharmos que melhorar a vida das pessoas é dar-lhes mais dinheiro para comprarem uma televisão, em vez de melhorar o saneamento, o abastecimento de água, a saúde e a educação fundamental, não vai dar. Você ouve o governo falando que a solução é consumir mais, mas não vê qualquer ênfase nesses aspectos literalmente fundamentais da vida humana nas condições dominantes no presente século.
Não se diga, por suposto, que os mais favorecidos pensem melhor e vejam mais longe que os mais pobres. Nada mais idiota do que esses Land Rovers que a gente vê a torto e a direito em São Paulo ou no Rio, rodando com plásticos do Greenpeace e slogans “ecológicos” colados nos pára-brisas. Gente refestelada nessas banheiras 4×4 que atravancam as ruas e bebem o venenoso óleo diesel, gente que acha que “contato com a natureza” é fazer rally no Pantanal…
É uma situação difícil: falta instrução básica, falta compromisso da midia, falta agressividade política no tratar da questão do ambiente — isso quando se acha que há uma questão ambiental, o que está longe de ser o caso de nossos atuais Responsáveis. Estes mostram, ao contrário e por exemplo, preocupação em formar jovens que dirijam com segurança, e assim ao mesmo tempo mantêm sua aposta firme no futuro do transporte por carro individual numa cidade como São Paulo, em que não cabe nem mais uma agulha. Um governo que não se cansa de arrotar grandeza sobre a quantidade de veiculos produzidos por ano. É um absurdo utilizar os números da produção de veiculos como indicador de prosperidade econômica. Isso é uma proposta podre, uma visão tacanha, um projeto burro de país.
Você está dizendo que muitos apelos ao consumo vêm do próprio governo. Mas também há um apelo muito grande que vem do mercado. Como você avalia isso?
O Brasil é um país capitalista periférico. O capitalismo industrial-financeiro é considerado por quase todo mundo hoje como uma evidência necessária, o modo incontornável de um sistema social sobreviver no mundo de hoje. Entendo, ao contrário de alguns companheiros de viagem, que o capitalismo sustentável é uma contradição em termos, e que se nossa presente forma de vida econômica é realmente necessária, então logo nossa forma de vida biológica, isto é, a espécie humana, vai-se mostrar desnecessária. A Terra vai favorecer outras alternativas.
A ideia de crescimento negativo, ou de objeção ao crescimento, a ética da suficiência são contraditórias com a lógica do capital. O capitalismo depende do crescimento contínuo. A ideia manutenção de um determinado patamar de equilíbrio na relação de troca energética com a natureza não cabe na matriz econômica do capitalismo.
Esse impasse, queiramos ou não, vai ser “solucionado” pelas condições termodinâmicas do planeta em um período muito mais curto do que imaginávamos. As pessoas fingem não saber o que está acontecendo, preferem não pensar no assunto, mas o fato é que temos que nos preparar para o pior. E o Brasil, ao contrário, está sempre se preparando para o melhor. O otimismo nacional diante de uma situação planetária para lá de inquietante é extremamente perigoso, e a aposta de que vamos nos dar bem dentro do capitalismo é algo ingênua, se é que não é, quem sabe, desesperada.. O Brasil continua sendo um país periférico, uma plantation relativamente high tech que abastece de produtos primários o capitalismo central. Vivemos de exportar nossa terra e nossa água em forma de soja, açúcar, carne, para os países industrializados – e são eles que dão as cartas, controlam o mercado. Estamos bem nesse momento, mas de forma alguma em posição de controlar a economia mundial. Se mudar um pouco para um lado ou para o outro, o Brasil pode simplesmente perder esse lugar à janela onde está sentado hoje. Sem falar, é claro, no fato de que estamos vivendo uma crise econômica mundial que se tornou explosiva em 2008 e está longe de acabar; ninguém sabe onde ela vai parar. O Brasil, nesse momento da crise, está em uma espécie de contrafluxo do tsunami, mas quando a onda quebrar vai molhar muita gente. Essas coisas têm de ser ditas.
E como você avalia a relação dessa realidade macropolítica, macroeconômica, com as realidades do Brasil rural, dos ribeirinhos, dos indígenas?
O projeto de Brasil que tem a presente coalizão governamental sob o comando do PT é um no qual ribeirinhos, índios, camponeses, quilombolas são vistos como gente atrasada, retardados socioculturais que devem ser conduzidos para um outro estágio. Isso é uma concepção tragicamente equivocada. O PT é visceralmente paulista, seu projeto é uma “paulistanização” do Brasil. Transformar o interior do país numa fantasia country: muita festa do peão boiadeiro, muito carro de tração nas quatro, muita música sertaneja, bota, chapéu, rodeio, boi, eucalipto, gaúcho. E do outro lado cidades gigantescas e impossíveis como São Paulo. O PT vê a Amazônia brasileira como um lugar a se civilizar, a se domesticar, a se rentabilizar, a se capitalizar. Esse é o velho bandeirantismo que tomou conta de vez do projeto nacional, em uma continuidade lamentável entre as geopolítica da ditadura e a do governo atual. Mudaram as condições políticas formais, mas a imagem do que é uma civilização brasileira, do que é uma vida que valha a pena ser vivida, do que é uma sociedade que esteja em sintonia consigo mesma, é muito, muito parecida. Estamos vendo hoje, numa ironia bem dialética, o governo comandado por uma pessoa perseguida e torturada pela ditadura realizando um projeto de sociedade encampado e implementado por essa mesma ditadura: destruição da Amazônia, mecanização, transgenização e agrotoxificação da “lavoura”, migração induzida para as cidades. Por trás de tudo, uma certa ideia de Brasil que o vê, no início do século XXI, como se ele devesse ser o que os Estados Unidos foram no século XX. A imagem que o Brasil tem de si mesmo é, sob vários aspectos, aquela projetada pelos Estados Unidos nos filmes de Hollywood dos anos 50 – muito carro, muita autoestrada, muita geladeira, muita televisão, todo mundo feliz. Quem pagava por tudo isso éramos, entre outros, nós. (Quem nos pagará, agora? A África, mais uma vez? O Haiti? A Bolivia?). Isso sem falarmos na massa de infelicidade bruta gerada por esse modo de vida para seus beneficiários mesmo.
É isso que vejo, uma tristeza: cinco séculos de abominação continuam aí. Sarney é um capitão hereditário, como os que vieram de Portugal para saquear e devastar a terra dos índios. O nosso governo dito de esquerda governa com a permissão da oligarquia e dos jagunços destas para governar, ou seja, pode fazer várias coisas desde que a parte do leão continue com ela. Toda vez que o governo ensaia alguma medida que ameace isso,o congresso, eleito sabe-se como, breca, a imprensa derruba, o PMDB sabota.
Há uma série de impasses para os quais não vejo saída, não vejo como sair por dentro do jogo político tradicional, com as presentes regras – vejo mais como sendo possível pelo lado do movimento social. Este está desmobilizado; se não está, o que mais se ouve é que ele está. Mas se não for por via do movimento social, vamos continuar vivendo nesse paraíso subjuntivo, aquele em que um dia tudo vai ficar ótimo. O Brasil é um país dominado politicamente por grandes proprietários e grandes empreiteiros, que não só nunca fez sua reforma agrária, como onde se diz que já não é mais preciso fazê-la.
Você acha que as coisas vão começar a mudar quando chegarem a um limite?
A crise econômica mundial vai provavelmente pegar o Brasil no contrapé em algum momento próximo. Mas o que vai acontecer com certeza é que o mundo todo vai passar por uma transição ecológica, climática e demográfica muito intensa nos próximos 50 anos, com epidemias, fomes, secas, desastres, guerras, invasões. Estamos vendo as condições climáticas mudarem muito mais aceleradamente do que imaginávamos, e é grande a possibilidade de catástrofes, de quebras de safras, de crises de alimentos. Por ora, hoje, isso está até beneficiando o Brasil. Mas um dia a conta vai chegar. Os climatologistas, os geofísicos, os biólogos e os ecólogos estão profundamente pessimistas quanto ao ritmo, as causas e as consequências da transformação das condições ambientais em que se desenvolve hoje a vida da espécie. Porque haveria eu de estar otimista?
Penso que é preciso insistir que é possível ser feliz sem se deixar hipnotizar por esse frenesi de consumo que a mídia nos impõe. Não sou contra o crescimento econômico no Brasil, não sou idiota a ponto de achar que tudo se resolveria distribuindo a grana do Eike Batista entre os camponeses do semi-árido nordestino ou cortando os subsídios aos clãs político-mafiosos que governam o país. Não que isso não fosse uma boa ideia. Mas sou contra, isso sim, o crescimento da “economia” mundial, e sou a favor de uma redistribuição das taxas de crescimento. Sou também obviamente a favor de que todos possam comprar uma geladeira, e, por que não, uma televisão — mas sou a favor de que isso envolva a máxima implementação das tecnologias solar e eólica. E teria imenso prazer em parar de andar de carro se pudéssemos trocar esse meio absurdo de transporte por soluções mais inteligentes.
E como você vê o jovem nesse contexto?
É muito difícil falar de uma geração à qual não se pertence. Na década de 60 tínhamos ideias confusas mas ideais claros, achávamos que podíamos mudar o mundo, e sabíamos que tipo de mundo queríamos. Acho que, no geral, os horizontes utópicos se retraíram enormemente.
Algum movimento recente no Brasil ou no mundo chamou sua atenção?
No Brasil, a aceleração da difusão do que podemos chamar de cultura agro-sulista, tanto à direita como à esquerda, pelo interior do país. Vejo isso como a consumação do projeto de branqueamento da nacionalidade, esse modo muito peculiar da elite dominante acertar suas contas com o próprio passado (passado?) escravista.
Outra mudança importante foi a consolidação de uma cultura popular ligada ao movimento evangélico. O evangelismo das igrejas universais do reino de Deus e congêneres está evidentemente associado à religião do consumo, aliás.
E como você vê o surgimento das redes sociais, nesse contexto?
Isso é uma das poucas coisas com que estou bastante otimista: o relativo e progressivo enfraquecimento do controle total das mídias por cinco ou seis grandes grupos. Esse enfraquecimento está acontecendo com a proliferação das redes sociais, que são a grande novidade na sociedade brasileira e que estão contribuindo para fazer circular um tipo de informação que não tinha trânsito na imprensa oficial, e permitindo formas de mobilização antes impossíveis. Há movimentos inteiramente produzidos dentro das redes sociais, como a marcha contra a homofobia, o churrasco da “gente diferenciada” em Higienópolis, os vários movimentos contra Belo Monte, a mobilização pelas florestas. As redes são nossa saída de emergência para a aliança mortal entre governo e mídia. São um fator de desestabilização, no melhor sentido da palavra, do arranjo de poder dominante. Se alguma grande mudança no cenário político brasileiro vier a acontecer, creio que vai passar por essa mobilização das redes.
Por isso se intensificam as tentativas de controlar essas redes por parte dos poderes constituídos – isso no mundo inteiro. Pelo controle ao acesso ou por instrumentos vergonhosos, como o “projeto” brasileiro de banda larga, que começa pelo reconhecimento de que o serviço será de baixa qualidade. Uma decisão tecnolotica e política antidemocrática e antipopular, equivalente ao que se faz com a educação: impedir que a população tenha acesso pleno à circulação cultural. Parece mesmo, às vezes, que há uma conspiração para impedir que os brasileiros tenham uma educação boa e acesso de qualidade à internet. Essas coisas vão juntas e têm o mesmo efeito, que é o aumento da inteligência social, algo que, pelo jeito, é preciso controlar com muito cuidado.
Você imagina um novo modelo político?
Um amigo que trabalhava no ministério do Meio Ambiente na época de Marina Silva me criticava dizendo que essa minha conversa de ficar longe do Estado era romântica e absurda, que tínhamos que tomar o poder, sim. Eu respondia que, se tínhamos de tomar o poder, era preciso saber manter o poder depois, e era aí que a coisa pegava. Não tenho um desenho político para o Brasil, não tenho a pretensão de saber o que é melhor para o povo brasileiro em geral e como um todo. Só posso externar minhas preocupações e indignações, e palpitar, de verdade, apenas ali onde me sinto seguro.
Penso, de qualquer forma, que se deve insistir na ideia de que o Brasil tem – ou, a essa altura, teria – as condições ecológicas, geográficas, culturais de desenvolver um novo estilo de civilização, um que não seja uma cópia empobrecida do modelo americano e norte-europeu. Poderíamos começar a experimentar, timidamente que fosse, algum tipo de alternativa aos paradigmas tecno-econômicos desenvolvidos na Europa moderna. Mas imagino que, se algum país vai acabar fazendo isso no mundo, será a China. Verdade que os chineses têm 5000 anos de historia cultural praticamente continua, e o que nós temos a oferecer são apenas 500 anos de dominação europeia e uma triste historia de etnocídio, deliberado ou não. Mesmo assim, é indesculpável a falta de inventividade da sociedade brasileira, pelo menos das suas elite políticas e intelectuais, que perderam várias ocasiões de se inspirarem nas soluções socioculturais que os povos brasileiros historicamente ofereceram, e de assim articular as condições de uma civilização brasileira minimamente diferente dos comerciais de TV. Temos de mudar completamente, para começar, a relação secularmente predatória da sociedade nacional com a natureza, com a base físico-biológica da própria nacionalidade. E está na hora de iniciarmos uma relação nova com o consumo, menos ansiosa e mais realista diante da situação de crise atual. A felicidade tem muitos caminhos.
http://www.outraspalavras.net/2012/09/20/outros-valores-alem-do-frenesi-de-consumo/.
Compartilhada por Neyla Mendes.

http://racismoambiental.net.br/2012/09/23/eduardo-viveiros-de-castro-outros-valores-alem-do-frenesi-de-consumo/