Paixão pela ignorância
19/10/2017 - 19H41 - Por Clotilde Perez
A ignorância impõe a condição da alienação e sua manutenção revela, na verdade, a ânsia desesperada por não querermos saber de nós mesmos, do que nos move, dos nossos quereres e dos nossos desejos. Renunciamos a tudo para que não tenhamos que nos implicar conosco e com os outros. Jogar nas mãos do outro, deixar que alguém diga e faça por nós mesmos é um bálsamo, porque seguir nosso próprio desejo dá trabalho, dói e tem consequências. Saber quem somos e o que desejamos é coisa para fortes. Implica angústia, estratégia de superação e responsabilidade. Melhor não saber? Depende. O pensamento contemporâneo é um convite cotidiano à renúncia do pensar, ao não saber, à ignorância, ao obscurantismo... Até porque se pauta no prazer imediato, irrestrito, profundo e “eterno”. Saber impõe o confrontamento com as diferenças, incoerências e contrastes acerca do que somos e do que queremos. Nesse sentido, parece melhor sermos ignorantes; como nas palavras do amigo, psicanalista e inspirador destas reflexões Claudio Montoto sobre a súplica matinal e bem-humorada dos dias de hoje: “Deus me converta em um protozoário para eu não ter de pensar!”.
No entanto, o não saber nos impõe uma condição de existência vaga, errante, flutuante, não no sentido da leveza, que seria ótimo, mas na incapacidade de deixarmos marcas, rastros do nosso percurso, dos nossos afetos e projetos. A paixão pela ignorância fere e aniquila o sentido da vida, que sempre e antes de tudo é o conhecimento: de si mesmo, do que nos cerca e, principalmente, do outro, daquele a quem podemos chamar “semelhante”. Eu quero mais é saber, viva a lucidez!
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