Política
Internet
A anticlimática votação do Marco Civil
Artimanha das teles, implosão do 'blocão” e pressão
social explicam como a lei dos direitos dos internautas passou em
votação simbólica na Câmara após cinco meses de guerra.
Agência Brasil
Na tarde da terça-feira 25, um grupo
de ativistas pró-Marco Civil da Internet esbarrou na Câmara com o
presidente da Casa, Henrique Alves, e ouviu dele: “Podem se preparar
para tomar cerveja hoje, porque nós vamos votar”. À noite, a lei de
proteção dos direitos dos internautas foi aprovada, e os ativistas
correram mesmo para um bar. Algumas tulipas mais tarde, um deles ficou
preocupado ao ler um texto no celular. O sindicato das telefônicas,
SindiTelebrasil, dizia que o projeto aprovado era positivo pois “fica
preservada também a oferta de pacotes diferenciados, como os de acesso
gratuito a redes sociais”. Advogado, um dos ativistas comentou: “É a
disputa de interpretação”.
Essa “disputa de interpretação” ajuda a entender
por que a “Constituição da Internet” foi aprovada pelos deputados numa
tranquila votação simbólica, contra a posição de um único partido, o
PPS, depois de cinco meses de guerra no plenário.
A nota do SindiTelebrasil, entidade que fez lobby
junto a deputados contra o projeto, sugere que de alguma forma as
empresas sentem-se juridicamente respaldas a vender pacotes de conexão à
web elaborados com base no conteúdo (sites, redes sociais) a ser
acessado pelo internauta. Tal disposição jurídica, supõe o ativista
advogado ouvido por CartaCapital, se basearia numa tripla
combinação: os termos usados no texto escrito pelos deputados, nos
termos esperados de um futuro decreto presidencial a regulamentar a lei e
na capacidade dos advogados das teles.
Se tudo isso se confirmar, seria uma burla ao
princípio da “neutralidade”, um dos pilares do projeto. Autor da
proposta do Marco Civil, o governo não aceita que os provedores de
conexão vendam pacotes que se diferenciem pelo conteúdo. Só admite
diferenciação por velocidade, como já ocorre hoje em dia sem uma
legislação específica. Sem a neutralidade, haveria risco de censura
econômica e competição desleal. Por exemplo: um site poderoso
financeiramente poderia pagar um provedor de conexão para facilitar a
visita a este site e para prejudicar o acesso à concorrência.
“Discriminar conteúdo não pode, o acordo com as teles não é esse”, diz
um negociador do governo.
O citado acordo do governo com as teles, selado
no Ministério da Justiça alguns dias antes da votação desta terça-feira
25, buscava deixar claro que o Marco Civil não proibiria a venda de
pacotes com velocidades diferentes, como ocorre hoje. Na reunião, o
SindiTelebrasil comprometeu-se a divulgar uma nota pública manifestando
apoio ao Marco Civil. A nota nunca foi divulgada.
A interlocução direta do governo com as empresas
na reta final do Marco Civil teve também um outro combustível
importante: tentar afastá-las do líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha.
O deputado foi um firme aliado das teles contra a neutralidade e um dos
responsáveis pelo projeto ter bloqueado todas as votações no plenário
da Câmara desde o fim de outubro do ano passado.
Quando o Marco Civil estava para bloquear a pauta
da Câmara, Cunha deu uma demonstração clara de compromisso com o setor.
No mesmo mês de outubro do ano passado, na condição de relator de uma
lei que alterou as regras eleitorais, ele defendeu que fossem
autorizadas as doações para campanhas políticas feitas por empresas
controladas pelas telefônicas.
A lei 9.504, que estabelece as regras dos
financiamentos privados nas eleições, proíbe empresas concessionárias de
serviço público de contribuírem com campanhas. As teles caem nesta
restrição, pois são concessionárias. O projeto relatado por Cunha tinha
sido aprovado no Senado. No texto, os senadores tinham aberto uma brecha
para as doações das teles, caso fossem feitas por via indireta, como
empresas controladas. No parecer que apresentou no plenário da Câmara
para votação pelos deputados, Cunha defendeu a brecha. Na hora da
votação, desistiu da ideia.
Na hora da votação do Marco Civil, Cunha também
recuou. Declarou-se a favor do projeto, apesar de algumas críticas. Seu
poder de barganha caiu com a implosão do “blocão” que ele havia montado
com alguns partidos governistas e oposicionistas contra o Palácio do
Planalto. A conclusão da reforma ministerial por Dilma Rousseff animou
alguns descontentes e implodiu o blocão, outro motivos a explicar a
tranquila votação da lei pró-internautas.
Não houve emoção nem um tema específico que
despontara nos últimos dias como uma divergência potencial. Em uma
reunião de líderes partidários com dois ministros do governo na
terça-feira 18, contestou-se um dispositivo que impede que se retire da
web uma notícia ou informação que leve uma pessoa a se declarar
ofendida. Definido no artigo 20, o dispositivo diz que a exclusão de
conteúdo depende da Justiça. Sem isso, explicou o relator do projeto,
Alessandro Molon, do PT do Rio, haveria censura. Bastaria que o suposto
ofendido fosse financeira ou politicamente poderoso, que o conteúdo
sairia do ar com uma mera notificação.
A contestação do dispositivo na reunião do dia 19
partiu do deputado Domingos Sávio, líder da bancada oposicionista na
Câmara. Sávio é do PSDB de Minas, como o senador Aécio Neves,
pré-candidato à Presidência. O senador tenta impedir na Justiça que
sites como Google e Facebook difundam informações que o relacionem a
desvio de verbas da saúde como governador de Minas e ao uso de
entorpecentes.
Na reunião, Sávio argumentou que todos os
parlamentares, inclusive os ali presentes, estavam expostos à difamação.
Eduardo Cunha apoiou a argumentação e defendeu que o dispositivo fosse
excluído. Quando a apreciação do Marco Civil começou no plenário da
Câmara nesta terça-feira 25, havia a expectativa de que o dispositivo
fosse ter uma votação específica. Mas isso não aconteceu. Nos bastidores
da Câmara, o que se diz é que nenhum partido ou parlamentar teve
coragem de expor-se publicamente à acusação de censor.
Uma última razão ajuda a explicar o clima
tranquilo na aprovação do Marco Civil. Ativistas de entidades com a
Avaaz, plataforma online de petições, e Intervozes, que defende a
democratização dos meios de comunicação, fizeram intensa pressão sobre
os deputados, inclusive com ações a constrangê-los em suas bases
eleitorais.
A Avaaz pagou propagandas no Facebook a mostrar o
nome e o rosto dos parlamentares que eram contra o projeto. Tais
propagandas foram direcionadas a atingir cirurgicamente o estado peli
qual o deputado em questão se elege. Um dos atingidos foi o líder do
PSDB, Antônio Imbassahy, da Bahia. Pouco antes da votação, Imbassahy
cruzou com militantes da Avaaz, que queriam convencê-lo a apoiar a lei.
Irritado com a propaganda, recusou-se a atender o pedido: “Eu não falo
com a Avaaz”.
A dupla Avaaz-Intervozes também fez circular
entre os deputados e na internet os depoimentos de figuras ilustres a
defender o Marco Civil e a neutralidade, como o ator Wagner Moura, o
cantor e ex-ministro Gilberto Gil, o humorista Gregorio Duvivier, o
filósofo francês Pierry Levi e o “pai da web”, Tim Berners-Lee.
Aprovado na Câmara, o projeto foi enviado ao
Senado, onde o governo espera uma votação rápida. O obejtivo do Palácio
do Planalto é ter a lei aprovada em definitivo a tempo de exibi-la em
uma conferência global sobre internet que acontecerá em São Paulo entre
os dias 23 e 24 de abril. O Planalto espera que o Marco Civil se torne
uma referência mundial no assunto.
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