O meu desejo para ti
Há que não amargurar-se: tarefa mais árdua que há! Já que às vezes só amarguras recebemos; mas ainda assim há que olhar para frente, seguir o passo, lutar para transformar o incômodo em mudança.
E quando não der, quando a mudança for inoperável, mudar a nós mesmos, como matéria ímpar que somos, como ponto de nossa própria vista, como fato de nossa própria vida, como fala de nossa própria voz.
Há que crer: se não nos outros, em si mesmo, em si mesma. Não se sai ileso da vida. É impossível fazê-lo: pois somos nós mesmos criatura que se cria e desfaz-se, somos nós mesmos cirandas de um carrossel que não apenas gira, mas rodopia nossas noções, nossas (in)certezas, nossos referenciais.
Há que amar: a si e aos outros que são passíveis de receber amor. E, quando acontecer de amar sozinho, que ame sem peso: que ame apenas por amar, como uma admiração e encantamento por outro ser.
Existe uma leveza no amor maduro: ele sabe-se. E por saber-se, entende que o amor é uma irradiação de nós mesmos, é uma luz que sai de nós e, assim, clareia nossa existência.
No entanto há que entender o feio do mundo. É necessária essa compreensão. Para, consciente, saber ter empatia, saber ser um ser-no-mundo, saber do todo que compõe o existir. Há que reconhecer o não ideal para saber lutar pelo ideal. Há que entender a lágrima para esforçar-se por mais sorrisos. É preciso até conhecer a solidão: para se saber reconhecê-la também no outro e, assim, juntar solidões em companhia.
Há que se saber dar auto-abraços: porque às vezes os outros abraços falham. E há que se compreender que a sua trajetória tem uma razão sua de ser. É sua. Com seus significados e desafios, com seus labirintos e dores, com todo o crescer que lhe cabe. E, nos momentos de benevolência da vida, a sua existência cruza-se com outras existências: e a sua luz brilha mais forte por juntar-se a outra luz.
Mas é preciso guardar sorrisos internos: é preciso saber achar o caminho de volta para si. É preciso perde-se e (re)encontrar-se sempre.
Doloridos, guardamos também amarguras: de nosso não pertencimento, das traições que sofremos, do não reconhecimento do tanto que temos em si. Dessas amarguras guardadas façamos conhecimento: porque toda cicatriz conta uma história e toda história leva uma moral. Há muito o que ser mudado sempre.
Da tua paz, te peço compaixão. Seja benevolente consigo mesmo, consigo mesma. Não é para ser pesado ser você. Quando tudo o mais pesar, seja você seu amor, seja você seu encantamento, seja você seu abraço. Não só porque tudo chega ao fim, mas principalmente porque a sua história é seu maior tesouro. É a sua razão de ser quem você é, é o motivo da sua existência, é a colheita do seu olhar.
E perceber a unicidade de tudo o que te compõe é a sua maior realização. Chega nela para que a vida fique mais interessante. Para que você entenda a real razão de viver-se: para que você exista com esta nova perspectiva: a de ser você. E então absorve tudo o que a vida pode lhe dar.
Todas as suas experiências lhe compõem. Engrandecem-lhe. Fornecem-lhe os dados para a chave do tempo: a expansão interna.
Que a sua alma cresça. Que seu encantamento expanda-se a ponto de você não caber mais em si: pois só quando nos esparramamos da nossa experiência de estar-se vivo é que nossa existência toma um propósito maior que nós: e conseguimos, por sermos exatamente quem somos, tocar outras vidas.
Mas é necessário ser-se.
Abraçar as dores e os amores de tudo o que nos faz.
É necessário identificar o amor e o não amor. E aproximar-se do primeiro e distanciar-se do segundo. E a maior prova do amar é deixar ser. Não há amor na imposição: amar é a quietude do permitir ser. E, sendo, receber o aprendizado que existe no ser que se faz.
Tornarmo-nos quem nascemos para ser é o maior desafio que existe.
Poucos vivem para aprender a ser quem deveriam.
Muitos vivem para ser aquilo que lhes queriam.
Há que encantar-se por seus próprios olhos.
Só assim nasce-se para si mesmo.
E pode-se, então, crescer.
http://www.sapatilhando.com.br/2014/02/o-meu-desejo-para-ti.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário