09/10/2013 7:01 pm
John Holloway: “Nossa força depende da capacidade de dizermos não”
Por Adriana Delorenzo
Romper com o mundo como ele é e criar um
diferente. Esse é o objetivo de muitos militantes e ativistas. Mas como
fazer para construir uma realidade em que não haja Gaza nem Guantánamo
nem poucos bilionários e 1 bilhão de pessoas morrendo de fome? O
cientista político irlandês, radicado no México, John Holloway traz esse
desafio em seu novo livro Fissurar o capitalismo (Editora
Publisher Brasil). São 33 teses que explicam como criar rupturas no
sistema para não continuar a reproduzi-lo. Do idoso que cultiva hortas
verticais em sua sacada como forma de revolta contra o concreto e a
poluição que o cerca. Do funcionário público que usa seu tempo livre
para ajudar doentes com aids. Da professora que dedica sua vida contra a
globalização capitalista. São diversos exemplos trazidos pelo autor, de
pessoas comuns que recusam a lógica do dinheiro para dar forma a suas
vidas. No entanto, após a rejeição, é preciso tentar fazer algo
diferente. É aí que surge o problema. “As fissuras são sempre perguntas,
não respostas.”
Professor da Universidade Autonôma de
Puebla, o trabalho de Holloway tem influência do zapatismo, movimento
que há quase 20 anos vem tentando construir esse outro fazer. No México,
essas fissuras têm sido criadas, sem que se espere por uma revolução
futura. Como trazido em seu primeiro livro traduzido no Brasil, Mudar o mundo sem tomar o poder,
Holloway acredita que pensar em revolução hoje é multiplicar essas
fissuras. “Uma revolução centrada no Estado é um processo altamente
autoantagonista, uma fissura que se expande e se engessa ao mesmo
tempo”, diz o autor na obra recém-lançada. Nesta entrevista à Fórum,
Holloway fala sobre os novos movimentos que vêm tomando as ruas em
diversos países do mundo, inclusive no Brasil.
Leia também:
Ótima hora para Fissurar o capitalismo
Fórum – Em seu novo livro, traduzido no Brasil como Fissurar o capitalismo,
o senhor propõe que, por meio da recusa do capitalismo, sejam criadas
fissuras dentro do próprio sistema. Poderia dar exemplos de atividades
que criam essas “rupturas” no capitalismo?
John Holloway – Os
distúrbios das últimas semanas [junho e julho] no Rio de Janeiro, São
Paulo, Istambul, Estocolmo, Sofia, Atenas, começaram por razões
diferentes, mas acho que, em todas as ruas do mundo, todos estão dizendo
o mesmo canto: “O capitalismo é um fracasso, um fracasso, um fracasso!”
Ser anticapitalista é a coisa mais comum do mundo. Todos sabemos que o
capitalismo é um desastre, que está destruindo a humanidade. O problema é
que não sabemos como sair daqui, como criar um mundo digno. Os velhos
modelos de revolução não servem, temos de pensar em novas maneiras de
conseguir uma mudança revolucionária.
Não é uma questão de inventar um
programa, mas de observar como as pessoas já estão rejeitando o
capitalismo e tratando de construir outras formas de viver, formas mais
sensatas de se relacionar. Há tentativas de uma beleza espetacular, como
a dos zapatistas em Chiapas, que há 20 anos estão dizendo: “Nós não
vamos aceitar a agressão capitalista, aqui vamos construir outra forma
de viver, outra maneira de nos organizarmos.”
Podemos pensar também nas muitas lutas
atuais contra mineradoras na América Latina, onde as pessoas estão
dizendo claramente: “Nós não vamos aceitar a lógica do capital, vamos
defender uma vida baseada em outros princípios, vamos defender a
comunidade e a nossa relação com a terra”. Ou mesmo podemos pensar em um
grupo de estudantes que concordam em não querer dedicar suas vidas a
serem explorados por uma empresa e vão caminhar no sentido contrário, se
dedicando a fazer outra coisa, criando um centro social, uma horta
comunitária ou qualquer outra coisa.
Podemos pensar nesses diferentes
exemplos como rachaduras ou fissuras, como rupturas na estrutura de
dominação. Quando nos concentramos nisso, percebemos que o mundo está
cheio de fissuras, cheio de revoltas. Todas são contraditórias, todas
têm seus problemas, mas a única maneira que eu penso a revolução, hoje, é
em termos de criação, expansão, multiplicação e confluência dessas
fissuras, desses espaços ou momentos em que dizemos: “Nós não aceitamos a
lógica do capital, vamos criar outra coisa”.
Fórum – Em seu primeiro livro publicado no Brasil, Mudar o mundo sem tomar o poder, o senhor critica o estadocentrismo de parte da esquerda. Como é possível provocar mudanças sem tomar o poder do Estado?
Holloway – A maneira
mais óbvia para alcançar a mudança é por meio do Estado, e, sim, houve
mudanças nos atuais governos de esquerda na América Latina. O problema é
que o Estado é uma forma específica de organização que surgiu com o
capitalismo e que tem tido a função, nos últimos séculos, de promover a
acumulação do capital. O Estado, por seus hábitos e detalhes de seu
funcionamento, exclui as pessoas, limitando a sua participação, no caso
das democracias, no ato simbólico de votar a cada quatro ou seis anos.
Então, se queremos realizar mudanças
dentro do capitalismo, o Estado é uma forma adequada, nada mais.
Sabemos muito bem que o capitalismo é uma dinâmica suicida para a
humanidade. Se quisermos ir além do capitalismo, não tem sentido
escolher uma forma de organização especificamente capitalista, que
exclui sistematicamente as pessoas. É por isso que os movimentos de
revolta se organizam de forma diferente, de forma includente, pelas
assembleias, conselhos, comunas, formas de organização baseadas na
tentativa de articular as opiniões e desejos de todos. A única maneira
de romper com o capitalismo é por meio dessas formas anticapitalistas.
Fórum – Do livro Mudar o mundo sem tomar o poder para Fissurar o Capitalismo, o que mudou? Houve algum processo ou movimento que o influenciou?
Holloway – Não houve
nenhum movimento específico. Creio que depois de 2001/2002, na Argentina
surge uma questão. E agora? Para onde vamos? Como manter o ritmo?
E se tornou mais evidente que não é
suficiente gritar nas ruas e derrubar governos. Se depois das
manifestações do fim de semana temos que voltar a vender nossa força de
trabalho na segunda-feira – ou tentar vendê-la –, não haverá mudado
muito.
A nossa força depende da capacidade de
dizermos “não”, não só para os políticos, mas também para os
capitalistas, que eles vão para o inferno.
Para isso, precisamos desenvolver uma vida que não dependa deles. Parece irreal, talvez, mas é o que as pessoas estão fazendo por todos os lados, por opção ou necessidade. Nas fissuras.
Para isso, precisamos desenvolver uma vida que não dependa deles. Parece irreal, talvez, mas é o que as pessoas estão fazendo por todos os lados, por opção ou necessidade. Nas fissuras.
Fórum – Recentemente, vêm
ocorrendo muitos protestos no Brasil que questionaram as tarifas dos
transportes públicos e os gastos públicos na construção dos estádios
para a Copa do Mundo, enquanto as cidades têm vários problemas. O senhor
fala em seu livro das fissuras espaciais nas cidades. Por que as
cidades seriam um campo fértil para essas fissuras?
Holloway – É a obscenidade do mundo de hoje. Começa com as tarifas de transportes públicos ou gastos públicos, ou corrupção ou destruição de um parque – como em Istambul –, mas o que explode é realmente uma raiva contra um mundo obsceno, um mundo de injustiças grotescas de violência que ultrapassa a compreensão, de destruição sistemática da natureza, um mundo que nos ataca em nossos interesses, mas que também nos insulta como seres humanos. Essas explosões que temos visto nos últimos meses ocorrem mais facilmente em cidades onde a obscenidade do sistema se impõe de forma muito agressiva. Mas o grande desafio é como ir construindo espaços para um mundo não obsceno, que vão contra e para além do capitalismo. Esta luta por um mundo digno é o que chamamos normalmente vida, ou amor, ou revolução.
Holloway – É a obscenidade do mundo de hoje. Começa com as tarifas de transportes públicos ou gastos públicos, ou corrupção ou destruição de um parque – como em Istambul –, mas o que explode é realmente uma raiva contra um mundo obsceno, um mundo de injustiças grotescas de violência que ultrapassa a compreensão, de destruição sistemática da natureza, um mundo que nos ataca em nossos interesses, mas que também nos insulta como seres humanos. Essas explosões que temos visto nos últimos meses ocorrem mais facilmente em cidades onde a obscenidade do sistema se impõe de forma muito agressiva. Mas o grande desafio é como ir construindo espaços para um mundo não obsceno, que vão contra e para além do capitalismo. Esta luta por um mundo digno é o que chamamos normalmente vida, ou amor, ou revolução.
Fórum – Também vimos vários
movimentos que questionam a democracia representativa (os 99% contra os
1%), como Occupy e o 15-M na Espanha.
Holloway – Os
movimentos dos indignados e os Occupy são parte da mesma explosão de
cansaço e raiva. Temos aceitado este sistema que está nos matando por
tanto tempo, mas já basta! É o grito da revolta zapatista de 1994 que
está ecoando em um lugar após o outro. Basta! O sistema representativo é
parte deste sistema obsceno, não faz nada para mudá-lo, só dá mais
força. A desilusão segue na eleição de qualquer governo “progressista”
(Lula, Dilma, os Kirchner, Obama), abre nos melhores casos outras
perspectivas, as pessoas percebem que a mudança não pode ser feita por
meio do Estado e começam a pensar na política de outra maneira.
Fórum – No livro, o senhor
aborda a questão do tempo abstrato ou o tempo da futura revolução. Como
as novas tecnologias mudam a relação entre o presente e o futuro, aqui e
agora, e também do trabalho? Por exemplo, qual é o efeito da
transmissão dos protestos em tempo real através da internet?
Holloway – O “Basta!” rompe com o
conceito tradicional que coloca a revolução no futuro. Antes se falava
da paciência revolucionária como uma virtude: tinha que ir construindo
o movimento, preparando-se para o grande dia, no futuro, o grande dia
que nunca chegou, ou se chegou não foi o que pensávamos que seria.
Agora, está claro que não podemos esperar, temos de quebrar o sistema
atual, aqui e agora, onde podemos. Temos de quebrar os relógios,
rejeitar a homogeneidade, a continuidade e disciplina que eles
incorporam. Creio que o uso das novas tecnologias para transmitir os
protestos é importante, mas não produz o “Basta”, pode dar uma força
contagiante que impressione. F
Fissurar o capitalismo
272 páginas
R$ 35
http://revistaforum.com.br/blog/2013/10/nossa-forca-depende-da-capacidade-de-dizermos-nao/
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