OCDE adverte para o declínio da “comprimida” classe média
Relatório afirma que esse grupo social está minguando devido ao estancamento de seu nível de vida, enquanto o das camadas mais altas melhora
Nova York - 10 Apr 2019 - 20:49 BRT
A classe média dos 36 países mais desenvolvidos do mundo se enfraqueceu. “Está comprimida”, conclui a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
 O clube dos países mais prósperos do planeta apresentou nesta 
quarta-feira na ONU um estudo para alertar que esse grupo social está 
minguando devido ao estancamento ou declínio do seu nível de vida, 
enquanto o das rendas mais altas melhora.

Não
 há economista que não defenda que um país é mais próspero na medida em 
que tiver uma classe média mais próspera e estável. Mas como definir 
esse coletivo? No relatório Sob Pressão: A Classe Média Comprimida,
 divulgado nesta quarta-feira, a OCDE recorda que para muitas gerações 
ser de classe média significava viver numa casa cômoda, com um estilo de
 vida gratificante e um trabalho estável, com oportunidades de carreira.
 “Era uma base a partir da qual as famílias aspiravam a um futuro melhor
 para seus filhos”, salienta o estudo. Mas essa classe social cada vez 
tem mais dificuldades, segundo a OCDE. A recente crise financeira se 
encarregou de lhe dar uma boa dentada e turvar seu futuro. “A influência
 desse coletivo também caiu de forma drástica”, aponta o organismo.
A
 instituição formada pelos países mais desenvolvidos do mundo usa uma 
definição mais empírica para delimitar o que é a classe média: aqueles 
cuja renda está entre 75% e 200% da renda média nacional. O organismo 
sediado em Paris adverte que há cada vez menos cidadãos nessa faixa e 
pede aos Governos que façam mais esforços para apoiá-los. Afirma que 
este grupo acumula dificuldades para manter seu peso econômico e seu 
estilo de vida devido ao fato de que a estagnação de seus salários não 
lhes permite acompanhar o aumento dos custos de habitação, educação e 
outras despesas, segundo a OCDE.
Em três décadas, a 
proporção de famílias consideradas neste grupo social se reduziu de 64% 
para 61%, de acordo com o estudo. De meados dos anos oitenta até meados 
desta década, sua influência como “centro gravitacional” da economia 
também enfraqueceu. Se em 1980 a renda conjunta deste setor era quatro 
vezes maior do que a dos mais ricos, atualmente representa menos de três
 vezes.
“A OCDE constata que nas últimas décadas a classe
 média viu seu nível de vida estancar ou diminuir, enquanto os grupos de
 rendas mais altas continuam concentrando riqueza”, diz Gabriela Ramos, 
diretora da OCDE, no preâmbulo do relatório, no qual lembra que as 
análises atuais revelam que 10% das rendas mais altas acumulam quase 
metade da riqueza, enquanto que 40% das rendas mais baixas detêm apenas 
3%.
Do ‘baby boom’ aos ‘millennials’
O
 documento explicita os crescentes problemas de desigualdade no mundo. E
 argumenta com dados como o grupo que integra a classe média encolhe a 
cada geração. A OCDE observa que 70% dos baby boomers — aqueles
 nascidos com a explosão demográfica em meados dos anos sessenta — 
faziam parte dessa classe social quando tinham 20 anos. Nos millennials 
–os nascidos a partir dos anos oitenta — o percentual cai para 60%. “A 
geração anterior teve empregos mais estáveis do que as gerações mais 
jovens”, aponta o relatório. Os salários pouco mudaram tanto em termos 
relativos quanto absolutos.
A renda de uma família considerada de classe média varia de país para país. Na Espanha,
 para entrar nesse patamar, uma pessoa morando sozinha precisaria ganhar
 entre 12.910 e 34.430 dólares por ano (entre 49.384 e 131.963 reais), 
de acordo com a escala da OCDE. No México, entre 3.760 e 10.020 dólares,
 enquanto nos Estados Unidos
 iria de 23.420 a 62.442 dólares. Se alguém ganha 23.000 dólares por 
ano, seria considerado de classe média em 25 dos 34 países da OCDE.
O
 rendimento médio cresceu a um ritmo mais lento durante a última década 
do que nas anteriores. O estudo aponta que nos últimos anos avançou a um
 ritmo rítmico de 0,3%, comparado com o 1% que avançou entre meados dos 
anos oitenta e meados dos anos noventa e o 1,6% entre meados dos anos 
noventa e a década seguinte. Somente em Israel e na Turquia a renda 
média é maior do que antes da crise, enquanto na Espanha e no México a 
renda média é “consideravelmente mais baixa”, um cálculo realizado 
considerando a evolução dos preços.
A crise de 2008 
afetou este grupo. Uma das consequências da recessão é a piora de suas 
perspectivas. Isso explica, em parte, o surgimento de populismos e 
fenômenos políticos e sociais, como os coletes amarelos
 na França. Ángel Gurría, secretário-geral da OCDE, pede aos Governos 
que atuem para ajudar uma classe média em dificuldades. “Eles têm de 
ouvir as preocupações das pessoas e proteger e promover o padrão de vida
 da classe média”, exigiu. “Isso ajudará a impulsionar o crescimento 
econômico e a criar um tecido social mais coeso e estável”, concluiu.

Congestionamento no elevador social
A
 OCDE aponta que uma em cada três pessoas é “economicamente vulnerável” e
 adverte que isso acontece em países com sistemas de proteção social 
muito desenvolvidos, o que torna a situação ainda mais chocante. Entre 
as famílias de classe média, acrescenta, uma em cada sete poderia sair 
do grupo. A classe média também envelhece mais rápido do que o resto da 
população.
O relatório mostra que tende a haver menos 
desempregados que conseguem permanecer nesse nível social. Duas décadas 
atrás, diz a OCDE, metade das pessoas em idade de trabalhar que saíam do
 mercado de trabalho conseguiam manter sua posição. Agora, a maioria 
entraria na classificação de baixa renda. A queda é particularmente 
pronunciada na Espanha.
A percepção dos cidadãos em 
relação a esta disparidade é que o sistema econômico atual é “injusto” e
 que a classe média não se beneficia do crescimento da mesma maneira que
 contribui. A OCDE também aponta que o custo de vida está aumentando 
para a classe média, porque despesas como habitação crescem mais rápido 
do que a renda e a inflação. “Mais de uma em cada cinco famílias gasta 
mais do que ganha”, revela o estudo ao citar o endividamento: “parece 
cada vez mais, como um barco navegando em águas turbulentas”.
A mobilidade social também se reduz, porque as perspectivas do mercado de trabalho
 são cada vez mais incertas por causa da transformação derivada de 
fenômenos como a digitalização ou a automação. A OCDE observa que um em 
cada seis trabalhadores que recebem um salário médio poderia ver seu 
emprego ser substituído por máquinas em um futuro cada vez mais próximo.
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