segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Oito visões sobre a crise da USP


A universidade gasta mais do que arrecada. Aprovou um plano de demissão voluntária. Parte dos funcionários e docentes está em greve desde maio. A seguir, oito professores de destaque em suas áreas apontam causas e possíveis saídas para os problemas
José Goldemberg
ex-reitor da USP (1986-1990)
"Eu me arrependo amargamente de não ter transformado em obrigação, no decreto da autonomia [universitária], a recomendação de que se gastasse até 75% do orçamento com pessoal.
Funcionários propõem pedir mais [recursos ao governo]. Não é solução. O Estado tem outras prioridades. Teria que tirar da saúde e da educação para dar às universidades.
A demissão voluntária tem funcionado bem em empresas [o programa de demissão da USP foi aprovado terça (2)].
Se o ICMS [imposto que destina recursos às universidades] não aumentar, fica difícil dar reajustes acima da inflação. [Negar aumentos maiores] Não vai sucatear coisa nenhuma. O que vai sucatear é fechar portões e bibliotecas e não deixar pesquisadores trabalharem."
Tuca Vieira - 27.jan.2006/Folhapress
José Goldemberg diz que grevista fechar portão da USP é que vai sucatear a instituição
José Goldemberg diz que grevista fechar portão da USP é que vai sucatear a instituição
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Renato Janine Ribeiro
Professor titular de ética e filosofia política na USP
"Houve uma gestão irresponsável, um reitor que não foi devidamente escolhido pela comunidade e quer gastou dinheiro de uma forma aparentemente irresponsável. A USP não tinha e ainda não tem acompanhamento de gastos. Não veio a público que estávamos gastando tanto. Agora não dá para ser pelo arrocho de quem faz a universidade [que se irá economizar].
Se for para equilibrar a conta dentro do orçamento, teríamos que aceitar perda de salários de 15%, 20%. Isso destruiria a força, o ensino e a pesquisa, que a universidade demorou 80 anos para construir.
O que precisa ser feito para compensar as universidades estaduais pela expansão enorme [de vagas] com corpo docente praticamente mantido igual, não sei. Mas perda real de salário vai diminuir ainda mais o interesse de professores novos e aumentar o abandono de professores muito bons."
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Nina Ranieri
Professora da Faculdade de Direito da USP, onde também já atuou como procuradora
"A USP já enfrentou momentos semelhantes no passado. É um problema administrativo, cujas alternativas estão sendo propostas. Sou dos que não veem isso como crise, mas como um problema conjuntural que vai ser resolvido.
Eu acho que o programa de demissões voluntárias foi uma proposta muito interessante, porque é voluntário, facultativo, adere quem quiser. Pode ser uma solução interessante para reorganizar o quadro de funcionários.
Entrei na USP em 1985. Perdi a conta de quantas greves já aconteceram. Os sindicatos estão no seu papel. O que precisa é ter uma razoabilidade na discussão desses temas. Se você colocar em perspectiva, você vê que a greve não é sinal do que está se chamando de crise. Ela não é produto da situação atual. Ela é sazonal, cíclica. A questão financeira é mais um elemento."
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João Whitaker
Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP
"A crise na USP é mais política que orçamentária. A universidade já passou por outros momentos em que os gastos superaram os alegados 105% da folha de pagamento. Esse não pode, então, ser um argumento.
Desde a Constituição Estadual de 1989 era prevista a expansão da universidade pública em regiões com grande número de egressos do ensino médio. Nas disposições transitórias da Constituição, foram estabelecidos cinco anos. Já expiraram pelo menos 21. E a USP, a Unesp e a Unicamp expandiram vagas de graduação e pós-graduação, mas com os mesmos recursos desde 1995. São os mesmos 9% do ICMS.
O que está em jogo é uma disputa entre modelos de universidade. E o reitor optou por este, que eu critico, que é transformar a universidade em prestadora de serviços. A retirada de dois hospitais de ensino da universidade já é um desmonte."
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Eugênio Bucci
Professor doutor da Escola de Comunicações e Artes da USP
"O rombo nas contas é um sintoma de uma instituição em que a figura do reitor foi acumulando um nível de poder inaceitável numa universidade moderna.
Uma distinção necessária: uma universidade não é uma empresa, por certo. Não obstante, não há universidade saudável sem uma gestão profissional competente. A USP parece não ter se dado conta desse detalhe mortal.
Os sindicatos vão pior ainda. Por agora, é indispensável e inadiável a mudança do estatuto. O que ainda permanece de opacidade na burocracia não é culpa da gestão atual, que vem trabalhando abertamente contra isso.
Além disso, o Plano de Demissão Voluntária é uma proposta acertada. Quem quiser se demitir terá um tratamento vantajoso. Nesse contexto, o anúncio de reajuste dos salários, ainda que tardio, é um sinal positivo. Antes, a reitoria cometeu um erro sério ao comunicar unilateralmente que, naqueles meses, não haveria aumento. O correto seria negociar antes com professores e funcionários."
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Chico de Oliveira
Professor titular de sociologia da USP
"A minha posição é de que o ensino superior da universidade é uma conquista popular. Portanto, cabe ao governo do Estado e à Assembleia Legislativa dotar a USP de maiores verbas, e não com essa mania de economizar.
Quem economiza em ensino superior fica pra trás na roda da história. É nossa obrigação preservar essa universidade e fazê-la maior, acolher as classes populares que ainda não têm vez. Sou favorável a maiores verbas, com melhoramento dos critérios com os quais dotam essa universidade de recursos. Em detrimento de nenhum setor.
A universidade não é um substituto pra outros setores. Ela é própria, tem seu lugar, que é insubstituível. Essa história de deslocar verba de um canto pra outro é conversa de economista liberal."
Fabio Braga/Folhapress
Chico de Oliveira diz que cabe ao governo e à Assembleia dotar a USP de maiores verbas
Chico de Oliveira diz que cabe ao governo e à Assembleia dotar a USP de maiores verbas
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João Whitaker
Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP
"A USP não está em crise. É a primeira em todos os rankings. O que acontece é uma crise de gestão, um problema causado por uma sequência interminável de gestões marcadas pela falta de transparência e, portanto, por um planejamento que ninguém conhece. O custo da universidade aumentou desproporcionalmente, o custo por aluno subiu. A USP só não quebrou hoje em dia porque houve o aumento do ICMS [imposto de onde vem o dinheiro para a USP]. Mas isso ainda não é suficiente.
Então vamos ser bem claros em período eleitoral: não se está querendo abrir o problema porque isso vai colocar em xeque a gestão do Estado sobre as universidades. Onde está o planejamento? Um plano que vem com soluções imediatistas, mas que não abre as contas da USP para um planejamento a longo prazo, não tem o menor sentido."
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Maria Helena Souza Patto
Professora do Instituto de Psicologia da USP
"Em primeiro lugar, eu não chamaria de crise. Porque crise é o momento em que as coisas se desarranjam e você age de maneira a voltar ao normal. O que há é a explicitação de concepções inconciliáveis: há a universidade como um espaço que tem que formar técnicos de alto nível para um desenvolvimento econômico, que sabemos que não vai contemplar os interesses da população e que cede aos interesses do empresariado. E há a concepção da universidade como uma instituição de formação intelectual, de profissionais que tenham uma visão crítica da realidade em que vão atuar.
Eu acho que [o reitor] poderia ter trilhado outros caminhos. Poderiam aumentar um pouco a verba da universidade, porque ela cresceu nos últimos anos. Também é preciso também levar em conta que o reitor anterior gastou muito em obras questionáveis." 

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