Berlinale
Derek Jarman já era o cara
Caravaggio foi e continua sendo um filme precursor
Berlim -- Na correria quis postar todos os textos de
ontem de uma vez e acabei por perder tudo quando a internet do hotel
caiu. Bem, agora vou aos poucos, como muitos me cobram aliás que faça.
Não tanto pela ordem da agenda aqui, mas quero começar pelo diferencial
da programação nesses dias. Na sexta à noite fomos eu e Luiz Carlos
Merten a uma sala no centro da cidade para rever Caravaggio, de Jarman.
Há um motivo para que o filme em cópia nova seja exibido nesta edição.
Tilda Swinton, que já foi presidente do júri da Berlinale, voltou com a
trupe de Wes Anderson. Ela tem um papel até pequeno em The Grand
Budapest Hotel, como a velha (surge envelhecida) que morre em acidente e
deixa uma cara pintura ao concierge de quem era amante. É um contraste e
tanto com Caravaggio. Em 1986, Tilda tinha 26 anos mas já surgia com o
visual andrógino e excêntrico que a marcaria, e inclusive também por
isso cai com perfeição ao universo de Anderson. Comentamos, eu e Merten,
que foi a saída para uma atriz que não se marca exatamente pela beleza,
mas sim, faz uma figura muito interessante. Curioso que ambos os
realizadores se preocupem especialmente com uma estética, um visual que
os identifica, embora Jarman seja muito mais refinado e elegante. Tilda
por certo integra essa estética. Mas e o filme? Concordamos também que
Jarman já apresentava uma elaboração, um conceito, que não consegue
imitação no mesmo nível. Ou seja, fez antes o que muitos tentaram, e
ainda tentam, sem muito sucesso. O cineasta inglês barroco se lança
sobre o grande pintor do barroco. Jarman era gay e isso faz toda a
diferença em sua aproximação. Não lembrava que a horas tantas Caravaggio
beija na boca um de seus jovens modelos, um tipo rude por quem se
interessa em uma paixão nada platônica. É o papel de Sean Bean, que
trabalhou em O Senhor dos Anéis. Posa seminu para o pintor em troca de
moedas de ouro. O próprio Caravaggio vende seu corpo para velhos
endinheirados para sobreviver antes de conseguir um mecenas. Agora pode
pagar pelos modelos que quer. A mulher de Bean é o papel de Tilda
Swinton, num triângulo amoroso que cresce em cena. A história do artista
começa quando este está moribundo e corre por sua trajetória através
das pinturas que o celebrizaram. Jarman morreu em 1994 por complicações
da aids. As pragas que aniquilaram artistas, hoje e no passado. Tilda
desde então tornou-se uma representante de sua memória e costuma falar
do diretor em suas entrevistas. Foi o que fez durante a coletiva de
Anderson. Não pode apresentar Caravaggio porque no mesmo momento
apresentava o filme do coreano Bong Jong-ho. Mas sua presença na tela já
diz muito dela e de um realizador que se tornaram cults.
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