O “chá de lingerie” e as dez dicas sobre sexo que nunca sairão na revista Nova


Eu não sabia até outro dia, mas as noivas, além dos gastos com enxoval, decoração, festa e outros itens dessa indústria milionária que é o casamento, agora também fazem “chá de lingerie” com as amigas antes de subir ao altar. No tal chá, a futura esposa desfila diante das amigas em trajes supostamente sexies que irão “apimentar” seu casamento. Para fazer isso, claro, se gasta uma grana e já há várias casas especializadas lucrando com o novo “mimo”.
Fico pensando: quando foi que a vida sexual das pessoas pulou da cama para a carteira? Como algo tão gratuito quanto transar com quem se deseja passou a ter um custo? Não estou falando de prostituição, obviamente, mas da relação entre casais. É preciso hoje toda uma parafernália que vai desde o ambiente “propício” até a vestimenta “adequada” para simplesmente ficar pelado e transar. Existem lindas roupas íntimas, concordo, mas o que mais me impressiona é constatar quanta gente se mostra capaz de acreditar que usar uma lingerie é fundamental para fazer alguém ser amado ou desejado. De onde vem isso?
Uma das promotoras dessa “lingeriezação” do sexo no Brasil é a revista Nova, da editora Abril. Cerca de 200 mil pessoas compram mensalmente a publicação, famosa por dar “dicas” sexuais às leitoras. Chamadas como “orgasmos que farão você ter um city tour no paraíso”, “100 perguntas proibidas de fazer corar sexperts”,  “o novo papai-e-mamãe” ou “101 dúvidas sobre sexo que você não encontra nem no google” já fizeram a Nova virar gozação (ops!) nas redes sociais. A pior delas, talvez, foi quando o twitter da revista pediu aos leitores para revelar que “apelidinho” davam aos testículos… Sério!
A Nova é a versão brasileira da norte-americana Cosmopolitan, de quem copia tudo –inclusive as tais dicas sexuais. Em 2012, o site Nerve trouxe as 44 sugestões mais ridículas feitas pela revista, do tipo: “bata no pênis dele de um lado para o outro como se fosse uma bola de tênis”; “cozinhe nua e coloque um pouco de suco de tomate em seus mamilos”; “use sua escova de dentes elétrica e o IPhone no modo vibracall”; “quando vocês estiverem jantando, diga alguma coisa pornô como ‘olha como eu devoro essa carne, é assim que quero te devorar’”. Uau. (Confira mais bizarrices aqui.)
É incrível a capacidade do mercado de transformar até a sexualidade, algo íntimo, em produto vendável. Será que nós, homens e mulheres, precisamos mesmo dessas dicas bizarras para ter prazer com nossos parceiros? Ou será que, como tudo no mundo capitalista, a intenção é apenas… vender revista?
Pensando nisso, a revista online EverydayFeminism reuniu 10 dicas sobre sexo bem mais úteis e verdadeiras. A principal crítica às sugestões da Nova é que elas são baseadas em uma visão de sexualidade heteronormativa e machista. Pior ainda: estão focadas não em melhorar sua relação consigo mesma ou com seu corpo, mas apenas em agradar e satisfazer o homem. Além disso, quase todas as sugestões são variações sobre o tema “apimentar” o sexo –como se as novidades excitantes na cama fossem capazes de resolver todos os seus problemas.
Então, aqui estão 10 dicas que irão realmente ajudar você a ter uma vida sexual satisfatória e que a Nova nunca deu e provavelmente nunca dará. (Texto traduzido e adaptado. Original aqui).
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Dez Coisas que a Nova não ensina sobre o sexo
Por Erin McKelle, na EverydayFeminism
1. Você e seu parceiro deveriam estar preocupados com o seu prazer
Muitos dos artigos sobre sexo da Nova são focados em satisfazer os homens. Títulos como “O sexo que ele deseja”, “O que ele pensa durante o sexo”, “Deixando ele louco”, “Como deixar seu homem totalmente apaixonado por você”, dão uma ideia.
Até mesmo revistas ditas “femininas” não dão às mulheres as informações sobre como satisfazer a elas mesmas!
Nossa cultura é tão dominada pelo homem que as mulheres quase nunca acham informações acuradas sobre seu próprio prazer sexual –nem mesmo em publicações supostamente escritas para elas!
Na realidade, ambos os parceiros devem ter prazer sexual, e o foco não pode estar apenas em um de vocês. O ideal seria que todos pudessem experimentar o prazer (talvez até tendo orgasmos!) e se deveria falar das necessidades de cada um dos envolvidos.
Comuniquem-se. Digam um ao outro o que vocês querem. Não sabem? Então experimentem! Vejam o que pode ser gostoso e tentem. E se seu parceiro não quer fazer isso ou não se importa de ter certeza se você está se divertindo, então talvez ele não seja o melhor para você.
2. Ótimo sexo = ótima comunicação
Já falei sobre isso no item anterior, mas é algo tão importante que merece sua própria seção.
Comunicação é tudo quando se fala de sexo.
Sexo não é  apresentar novidades a alguém e esperar que eles gostem e façam o mesmo por você. É falar e expressar o que você necessita e deseja, assim como o que seu parceiro precisa e deseja. É dizer “mais disso” ou “Eu realmente gosto quando você faz isso”. É dizer “eu não gosto quando você faz isso”, “isso não é gostoso” e até mesmo dizer “pare”.
E um dos melhores lugares para falar sobre sexo é, na verdade, fora do quarto. Crie um lugar com seu parceiro onde vocês possam falar de tudo e onde não haja nada que não possa ser dito. Reserve um tempo, quando ambos estiverem mental e emocionalmente disponíveis, para vocês se sentarem e falarem sobre sua vida sexual.
E então… Sejam honestos.
3. Assegure-se de saber como se prevenir de DSTs se você quiser
Se você quer evitar infecções e doenças, então precisa ter certeza de que está sempre tomando cuidado. A Nova nunca parece muito interessada nessa parte da saúde sexual.
Se você ou seu parceiro (ou ambos) não fizeram o teste HIV, use algum método interno ou externo, como camisinha.
É importante também fazer exames regularmente. “Regularmente” significa coisas diferentes para pessoas diferentes. O ideal é fazer exames a cada novo parceiro, mas se você faz isso a cada seis meses ou a cada ano, tudo bem também.
4. É perfeitamente OK não ser selvagem na cama
A Nova frequentemente publica artigos sobre como apimentar as coisas no quarto, sempre de acordo com a filosofia da revista, que é ter seu parceiro a seus pés. Em alguns casos, as pessoas até mesmo justificam traições dizendo que as coisas não estavam mais interessantes ou que o sexo estava entediante. É uma pressão imensa, especialmente porque vivemos numa sociedade que demoniza o sexo de outra maneira que não seja a relação monogâmica, “manter as coisas interessantes”. Mas como dizer que seu sexo é entediante? Realmente precisamos mudar nossos hábitos? Ou é a mentalidade o problema?
Muitas pessoas também se sentem realmente incômodas com isso porque não querem ficar “selvagens”. Algumas pessoas são perfeitamente felizes com o sexo “normalzinho”que têm.
Mas reportagens como as da Nova pressionam as mulheres a se sentir como se tivessem que fazer truques circenses para manter seu parceiro interessado –não importa se você está ou não curtindo isso. A realidade é que o que faz você se sentir confortável fazendo (ou não fazendo) é perfeitamente OK. Você não tem que apimentar as coisas se não quer ou se não vê necessidade.
5. Você não precisa mudar seu corpo para ter um sexo melhor
Seu corpo é legal do jeito que é. Isso pode soar clichê, mas continua sendo verdadeiro!
Suspeite de qualquer um que diga que você necessita mudar alguma coisa em seu corpo.
Nunca ache que você é o problema, porque você não é. A sociedade é. A Nova reforça muito os estereótipos sobre o corpo, e é importante lembrar que nenhum deles é verdadeiro. É tudo baseado na mentira de que magreza é saudável e atraente, e gordura é feio e obsceno.
Perder 5, 10, ou 20 quilos ou fazer 20 minutos de abdominais por dia não vai fazer sua vida sexual melhor. Colocar silicone nos seios não vai fazer você se sentir mais sexy. E usar bolas de pompoarismo para “apertar” sua vagina não vai lhe proporcionar mais prazer.
O que eles estão vendendo é um jogo machista. Se recuse a jogá-lo.
6. Não existe nenhuma pressão
Sério, não há nenhuma. Você não precisa ter sexo em nenhum momento a não ser quando estiver pronta, você não precisa ter sexo anal se não é o que você gosta, e você não precisa de lingerie para seduzir seu parceiro.
Sexo tem que ser divertido!
Tem que ser gratificante, despreocupado e fazer você se sentir bem. Você não deve se sentir pressionada a fazer certas coisas, agir de certa forma, atuar de certa maneira ou fazer algo da maneira certa para não parecer “vulgar”. Se seu parceiro está pressionando você, fale sobre isto. Se ele não parar, considere romper o relacionamento. Você merece ser respeitada. E isso significa que sexo não pode ser o resultado de manipulação ou coerção.
7. Sexo bom não precisa terminar em orgasmo
Existe um mito machista, heteronormativo, de que o sexo termina quando o parceiro masculino ejacula na vagina de sua parceira.
Sexo termina quando você decide que terminou.
Não há um ponto certo onde ele oficialmente acaba ou que você precisa parar. Vocês fazem as regras.
Sexo não tem que terminar em orgasmo. Pode acabar quando você quiser!
E se você não está tendo orgasmos, mas quer, fale para seu parceiro sobre isso e descubram maneiras de chegar até ele.
8. Sexo bom não tem que ser com um homem
A Nova fala como se todos os seus leitores se identificassem como mulheres e como se todos os seus parceiros românticos se identificassem como homens. Nós sabemos que isso está distante da realidade.
Bom sexo não tem nada a ver com orientação sexual ou o gênero da pessoa com quem você está transando.
9. Sexo bom sempre envolve consentimento
Consentimento deve estar presente para o sexo existir. Ou então é abuso sexual. Ponto.
Consentimento é respeito. É desejo mútuo. Não tem nada a ver com coerção ou aparente desprendimento. Se seu parceiro respeita você, irá se assegurar que tem seu consentimento. Claramente. Sem nenhuma suposição. E se você respeita seu parceiro, fará o mesmo.
Respeito –para consigo mesma e para com o outro– é garantia de bom sexo.
10. Você pode proporcionar bom sexo a si mesma
Sexo na Nova, e em praticamente toda a sociedade, parte da prerrogativa de que você tem um parceiro. Mas o fato é: sexo não tem que envolver outra pessoa para acontecer!
A masturbação tende a ser apagada de nossa perspectiva cultural porque é tratada com vergonha e tabu. Mas nós sabemos que a masturbação é normal, prazerosa e saudável! Ter bom sexo consigo mesmo pode inclusive levar a ter bom sexo com futuros ou atuais parceiros.
Isto ajuda você a aprender mais sobre sua sexualidade e seu corpo e, como resultado, pode ajudar você a articular melhor seus desejos. Você poderá mostrar onde tocar, o que fazer, como e por quanto tempo.
Então, por favor, masturbe-se se você quiser. Explore seu corpo. Navegue por seus desejos. Você se sentirá orgulhosa por haver feito isso.
Lembre dessas regras para ter bom sexo. E mais importante: escreva as suas!

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