Aquecimento global é inevitável e 6 bi morrerão, diz cientista
James Lovelock, renomado cientista, diz que o aquecimento
global é irreversível - e que mais de 6 bilhões de pessoas vão morrer
neste século
por Por Jeff Goodell
Aos 88 anos, depois de quatro filhos e uma carreira longa e
respeitada como um dos cientistas mais influentes do século 20, James
Lovelock chegou a uma conclusão desconcertante: a raça humana está
condenada. "Gostaria de ser mais esperançoso", ele me diz em uma manhã
ensolarada enquanto caminhamos em um parque em Oslo (Noruega), onde o
estudioso fará uma palestra em uma universidade. Lovelock é baixinho,
invariavelmente educado, com cabelo branco e óculos redondos que lhe dão
ares de coruja. Seus passos são gingados; sua mente, vívida; seus
modos, tudo menos pessimistas. Aliás, a chegada dos Quatro Cavaleiros do
Apocalipse - guerra, fome, pestilência e morte - parece deixá-lo
animado. "Será uma época sombria", reconhece. "Mas, para quem
sobreviver, desconfio que vá ser bem emocionante."
Na visão de Lovelock, até 2020, secas e outros extremos climáticos
serão lugar-comum. Até 2040, o Saara vai invadir a Europa, e Berlim será
tão quente quanto Bagdá. Atlanta acabará se transformando em uma selva
de trepadeiras kudzu. Phoenix se tornará um lugar inabitável, assim como
partes de Beijing (deserto), Miami (elevação do nível do mar) e Londres
(enchentes). A falta de alimentos fará com que milhões de pessoas se
dirijam para o norte, elevando as tensões políticas. "Os chineses não
terão para onde ir além da Sibéria", sentencia Lovelock. "O que os
russos vão achar disso? Sinto que uma guerra entre a Rússia e a China
seja inevitável." Com as dificuldades de sobrevivência e as migrações em
massa, virão as epidemias. Até 2100, a população da Terra encolherá dos
atuais 6,6 bilhões de habitantes para cerca de 500 milhões, sendo que a
maior parte dos sobreviventes habitará altas latitudes - Canadá,
Islândia, Escandinávia, Bacia Ártica.
Até o final do século, segundo o cientista, o aquecimento global fará
com que zonas de temperatura como a América do Norte e a Europa se
aqueçam quase 8 graus Celsius - quase o dobro das previsões mais
prováveis do relatório mais recente do Painel Intergovernamental sobre a
Mudança Climática, a organização sancionada pela ONU que inclui os
principais cientistas do mundo. "Nosso futuro", Lovelock escreveu, "é
como o dos passageiros em um barquinho de passeio navegando
tranqüilamente sobre as cataratas do Niagara, sem saber que os motores
em breve sofrerão pane". E trocar as lâmpadas de casa por aquelas que
economizam energia não vai nos salvar. Para Lovelock, diminuir a
poluição dos gases responsáveis pelo efeito estufa não vai fazer muita
diferença a esta altura, e boa parte do que é considerado
desenvolvimento sustentável não passa de um truque para tirar proveito
do desastre. "Verde", ele me diz, só meio de piada, "é a cor do mofo e
da corrupção."
Se tais previsões saíssem da boca de qualquer outra pessoa, daria
para rir delas como se fossem devaneios. Mas não é tão fácil assim
descartar as idéias de Lovelock. Na posição de inventor, ele criou um
aparelho que ajudou a detectar o buraco crescente na camada de ozônio e
que deu início ao movimento ambientalista da década de 1970. E, na
posição de cientista, apresentou a teoria revolucionária conhecida como
Gaia - a idéia de que nosso planeta é um superorganismo que, de certa
maneira, está "vivo". Essa visão hoje serve como base a praticamente
toda a ciência climática. Lynn Margulis, bióloga pioneira na
Universidade de Massachusetts (Estados Unidos), diz que ele é "uma das
mentes científicas mais inovadoras e rebeldes da atualidade". Richard
Branson, empresário britânico, afirma que Lovelock o inspirou a gastar
bilhões de dólares para lutar contra o aquecimento global. "Jim é um
cientista brilhante que já esteve certo a respeito de muitas coisas no
passado", diz Branson. E completa: "Se ele se sente pessimista a
respeito do futuro, é importante para a humanidade prestar atenção."
Lovelock sabe que prever o fim da civilização não é uma ciência
exata. "Posso estar errado a respeito de tudo isso", ele admite. "O
problema é que todos os cientistas bem intencionados que argumentam que
não estamos sujeitos a nenhum perigo iminente baseiam suas previsões em
modelos de computador. Eu me baseio no que realmente está acontecendo."
Quando você se aproxima da casa de Lovelock em Devon, uma área rural
no sudoeste da Inglaterra, a placa no portão de metal diz, claramente:
"Estação Experimental de Coombe Mill. Local de um novo hábitat. Por
favor, não entre nem incomode".
Depois de percorrer algumas centenas
de metros em uma alameda estreita, ao lado de um moinho antigo, fica uma
casinha branca com telhado de ardósia onde Lovelock mora com a segunda
mulher, Sandy, uma norte-americana, e seu filho mais novo, John, de 51
anos e que tem incapacidade leve. É um cenário digno de conto de fadas,
cercado de 14 hectares de bosques, sem hortas nem jardins com
planejamento paisagístico. Parcialmente escondida no bosque fica uma
estátua em tamanho natural de Gaia, a deusa grega da Terra, em homenagem
à qual James Lovelock batizou sua teoria inovadora.
A maior parte dos cientistas trabalha às margens do conhecimento
humano, adicionando, aos poucos, nova informações para a nossa
compreensão do mundo. Lovelock é um dos poucos cujas idéias fomentaram,
além da revolução científica, também a espiritual. "Os futuros
historiadores da ciência considerarão Lovelock como o homem que inspirou
uma mudança digna de Copérnico na maneira como nos enxergamos no
mundo", prevê Tim Lenton, pesquisador de clima na Universidade de East
Anglia, na Inglaterra. Antes de Lovelock aparecer, a Terra era
considerada pouco mais do que um pedaço de pedra aconchegante que dava
voltas em torno do Sol. De acordo com a sabedoria em voga, a vida
evoluiu aqui porque as condições eram adequadas: não muito quente nem
muito frio, muita água. De algum modo, as bactérias se transformaram em
organismos multicelulares, os peixes saíram do mar e, pouco tempo
depois, surgiu Britney Spears.
Na década de 1970, Lovelock virou essa idéia de cabeça para baixo com
uma simples pergunta: Por que a Terra é diferente de Marte e de Vênus,
onde a atmosfera é tóxica para a vida? Em um arroubo de inspiração, ele
compreendeu que nossa atmosfera não foi criada por eventos geológicos
aleatórios, mas sim devido à efusão de tudo que já respirou, cresceu e
apodreceu. Nosso ar "não é meramente um produto biológico", James
Lovelock escreveu. "É mais provável que seja uma construção biológica:
uma extensão de um sistema vivo feito para manter um ambiente
específico." De acordo com a teoria de Gaia, a vida é participante ativa
que ajuda a criar exatamente as condições que a sustentam. É uma bela
idéia: a vida que sustenta a vida. Também estava bem em sintonia com o
tom pós-hippie dos anos 70. Lovelock foi rapidamente adotado como guru
espiritual, o homem que matou Deus e colocou o planeta no centro da
experiência religiosa da Nova Era. O maior erro de sua carreira, aliás,
não foi afirmar que o céu estava caindo, mas deixar de perceber que
estava. Em 1973, depois de ser o primeiro a descobrir que os
clorofluocarbonetos (CFCs), um produto químico industrial, tinham
poluído a atmosfera, Lovelock declarou que a acumulação de CFCs "não
apresentava perigo concebível". De fato, os CFCs não eram tóxicos para a
respiração, mas estavam abrindo um buraco na camada de ozônio. Lovelock
rapidamente revisou sua opinião, chamando aquilo de "uma das minhas
maiores bolas fora", mas o erro pode ter lhe custado um prêmio Nobel.
No início, ele também não considerou o aquecimento global como uma
ameaça urgente ao planeta. "Gaia é uma vagabunda durona", ele explica
com freqüência, tomando emprestada uma frase cunhada por um colega. Mas,
há alguns anos, preocupado com o derretimento acelerado do gelo no
Ártico e com outras mudanças relacionadas ao clima, ele se convenceu de
que o sistema de piloto automático de Gaia está seriamente desregulado,
tirado dos trilhos pela poluição e pelo desmatamento. Lovelock acredita
que o planeta vai recuperar seu equilíbrio sozinho, mesmo que demore
milhões de anos. Mas o que realmente está em risco é a civilização. "É
bem possível considerar seriamente as mudanças climáticas como uma
resposta do sistema que tem como objetivo se livrar de uma espécie
irritante: nós, os seres humanos", Lovelock me diz no pequeno escritório
que montou em sua casa. "Ou pelo menos fazer com que diminua de
tamanho."
Se você digitar "gaia" e "religion" no Google, vai obter 2,36 milhões
de páginas - praticantes de wicca, viajantes espirituais, massagistas e
curandeiros sexuais, todos inspirados pela visão de Lovelock a respeito
do planeta. Mas se você perguntar a ele sobre cultos pagãos, ele
responde com uma careta: não tem interesse na espiritualidade desmiolada
nem na religião organizada, principalmente quando coloca a existência
humana acima de tudo o mais. Em Oxford, certa vez ele se levantou e
repreendeu Madre Teresa por pedir à platéia que cuidasse dos pobres e
"deixasse que Deus tomasse conta da Terra". Como Lovelock explicou a
ela, "se nós, as pessoas, não respeitarmos a Terra e não tomarmos conta
dela, podemos ter certeza de que ela, no papel de Gaia, vai tomar conta
de nós e, se necessário for, vai nos eliminar".
Gaia oferece uma
visão cheia de esperança a respeito de como o mundo funciona. Afinal de
contas, se a Terra é mais do que uma simples pedra que gira ao redor do
sol, se é um superorganismo que pode evoluir, isso significa que existe
certa quantidade de perdão embutida em nosso mundo - e essa é uma
conclusão que vai irritar profundamente estudiosos de biologia e
neodarwinistas de absolutamente todas as origens.
Para Lovelock, essa é uma idéia reconfortante. Considere a pequena
propriedade que ele tem em Devon. Quando ele comprou o terreno, há 30
anos, era rodeada por campos aparados por mil anos de ovelhas pastando. E
ele se empenhou em devolver a seus 14 hectares um caráter mais próximo
do natural. Depois de consultar um engenheiro florestal, plantou 20 mil
árvores - amieiros, carvalhos, pinheiros. Infelizmente, plantou muitas
delas próximas demais, e em fileiras. Agora, as árvores estão com cerca
de 12 metros de altura, mas em vez de ter ar "natural", partes do
terreno dele parecem simplesmente um projeto de reflorestamento mal
executado. "Meti os pés pelas mãos", Lovelock diz com um sorriso
enquanto caminhamos no bosque. "Mas, com o passar dos anos, Gaia vai dar
um jeito."
Até pouco tempo atrás, Lovelock achava que o aquecimento global seria
como sua floresta meia-boca - algo que o planeta seria capaz de
corrigir. Então, em 2004, Richard Betts, amigo de Lovelock e pesquisador
no Centro Hadley para as Mudanças Climáticas - o principal instituto
climático da Inglaterra -, convidou-o para dar uma passada lá e bater um
papo com os cientistas. Lovelock fez reunião atrás de reunião, ouvindo
os dados mais recentes a respeito do gelo derretido nos pólos, das
florestas tropicais cada vez menores, do ciclo de carbono nos oceanos.
"Foi apavorante", conta.
"Mostraram para nós cinco cenas separadas de respostas positivas em
climas regionais - polar, glacial, floresta boreal, floresta tropical e
oceanos -, mas parecia que ninguém estava trabalhando nas conseqüências
relativas ao planeta como um todo." Segundo ele, o tom usado pelos
cientistas para falar das mudanças que testemunharam foi igualmente de
arrepiar: "Parecia que estavam discutindo algum planeta distante ou um
universo-modelo, em vez do lugar em que todos nós, a humanidade,
vivemos".
Quando Lovelock estava voltando para casa em seu carro naquela noite,
a compreensão lhe veio. A capacidade de adaptação do sistema se
perdera. O perdão fora exaurido. "O sistema todo", concluiu, "está em
modo de falha." Algumas semanas depois, ele começou a trabalhar em seu
livro mais pessimista, A Vingança de Gaia, publicado no Brasil em 2006.
Na sua visão, as falhas nos modelos climáticos computadorizados são
dolorosamente aparentes. Tome como exemplo a incerteza relativa à
projeção do nível do mar: o IPCC, o painel da ONU sobre mudanças
climáticas, estima que o aquecimento global vá fazer com que a
temperatura média da Terra aumente até 6,4 graus Celsius até 2100. Isso
fará com que geleiras em terra firme derretam e que o mar se expanda,
dando lugar à elevação máxima do nível de mar de apenas pouco menos de
60 centímetros. A Groenlândia, de acordo com os modelos do IPCC,
demorará mil anos para derreter.
Mas evidências do mundo real sugerem que as estimativas do IPCC são
conservadoras demais. Para começo de conversa, os cientistas sabem,
devido aos registros geológicos, que há 3 milhões de anos, quando as
temperaturas subiram cinco graus acima dos níveis atuais, os mares
subiram não 60 centímetros, mas 24 metros. Além do mais, medidas feitas
por satélite recentemente indicam que o Ártico está derretendo com tanta
rapidez que a região pode ficar totalmente sem gelo até 2030. "Quem
elabora os modelos não tem a menor noção sobre derretimento de placas de
gelo", desdenha o estudioso, sem sorrir.
Mas não é apenas o gelo que invalida os modelos climáticos. Sabe-se
que é difícil prever corretamente a física das nuvens, e fatores da
biosfera, como o desmatamento e o derretimento da Tundra, raramente são
levados em conta. "Os modelos de computador não são bolas de cristal",
argumenta Ken Caldeira, que elabora modelos climáticos na Universidade
de Stanford, cuja carreira foi profundamente influenciada pelas idéias
de Lovelock. "Ao observar o passado, fazemos estimativas bem informadas
em relação ao futuro. Os modelos de computador são apenas uma maneira de
codificar esse conhecimento acumulado em apostas automatizadas e bem
informadas."
Aqui, em sua essência supersimplificada, está o cenário pessimista de
Lovelock: o aumento da temperatura significa que mais gelo derreterá
nos pólos, e isso significa mais água e terra. Isso, por sua vez, faz
aumentar o calor (o gelo reflete o sol, a terra e a água o absorvem),
fazendo com que mais gelo derreta. O nível do mar sobe. Mais calor faz
com que a intensidade das chuvas aumente em alguns lugares e com que as
secas se intensifiquem em outros. As florestas tropicais amazônicas e as
grandes florestas boreais do norte - o cinturão de pinheiros e píceas
que cobre o Alasca, o Canadá e a Sibéria - passarão por um estirão de
crescimento, depois murcharão até desaparecer. O solo permanentemente
congelado das latitudes do norte derrete, liberando metano, um gás que
contribui para o efeito estufa e que é 20 vezes mais potente do que o
CO2... e assim por diante. Em um mundo de Gaia funcional, essas
respostas positivas seriam moduladas por respostas negativas, sendo que a
maior de todas é a capacidade da Terra de irradiar calor para o espaço.
Mas, a certa altura, o sistema de regulagem pára de funcionar e o clima
dá um salto - como já aconteceu muitas vezes no passado - para uma nova
situação, mais quente. Não é o fim do mundo, mas certamente é o fim do
mundo como o conhecemos.
O cenário pessimista de Lovelock é desprezado por pesquisadores de
clima de renome, sendo que a maior parte deles rejeita a idéia de que
haja um único ponto de desequilíbrio para o planeta inteiro.
"Ecossistemas individuais podem falhar ou as placas de gelo podem entrar
em colapso", esclarece Caldeira, "mas o sistema mais amplo parece ser
surpreendentemente adaptável." No entanto, vamos partir do princípio,
por enquanto, de que Lovelock esteja certo e que de fato estejamos
navegando por cima das cataratas do Niagara. Simplesmente vamos acenar
antes de cair? Na visão de Lovelock, reduções modestas de emissões de
gases que contribuem para o efeito estufa não vão nos ajudar - já é
tarde demais para deter o aquecimento global trocando jipões a diesel
por carrinhos híbridos. E a idéia de capturar a poluição de dióxido de
carbono criada pelas usinas a carvão e bombear para o subsolo? "Não há
como enterrar quantidade suficiente para fazer diferença."
Biocombustíveis? "Uma idéia monumentalmente idiota." Renováveis?
"Bacana, mas não vão nem fazer cócegas." Para Lovelock, a idéia toda do
desenvolvimento sustentável é equivocada: "Deveríamos estar pensando em
retirada sustentável".
A retirada, na visão dele, significa que está na hora de começar a
discutir a mudança do lugar onde vivemos e de onde tiramos nossos
alimentos; a fazer planos para a migração de milhões de pessoas de
regiões de baixa altitude, como Bangladesh, para a Europa; a admitir que
Nova Orleans já era e mudar as pessoas para cidades mais bem
posicionadas para o futuro. E o mais importante de tudo é que
absolutamente todo mundo "deve fazer o máximo que pode para sustentar a
civilização, de modo que ela não degenere para a Idade das Trevas, com
senhores guerreiros mandando em tudo, o que é um perigo real. Assim,
podemos vir a perder tudo".
Até os amigos de Lovelock se retraem quando ele fala assim. "Acho que
ele está deixando nossa cota de desespero no negativo", diz Chris
Rapley, chefe do Museu de Ciência de Londres, que se empenhou com afinco
para despertar a consciência mundial sobre o aquecimento global. Outros
têm a preocupação justificada de que as opiniões de Lovelock sirvam
para dispersar o momento de concentração de vontade política para impor
restrições pesadas às emissões de gases poluentes que contribuem para o
efeito estufa. Broecker, o paleoclimatologista de Columbia, classifica a
crença de Lovelock de que reduzir a poluição é inútil como "uma bobagem
perigosa".
"Eu gostaria de poder dizer que turbinas de vento e painéis solares
vão nos salvar", Lovelock responde. "Mas não posso. Não existe nenhum
tipo de solução possível. Hoje, há quase 7 bilhões de pessoas no
planeta, isso sem falar nos animais. Se pegarmos apenas o CO2 de tudo
que respira, já é 25% do total - quatro vezes mais CO2 do que todas as
companhias aéreas do mundo. Então, se você quer diminuir suas emissões, é
só parar de respirar. É apavorante. Simplesmente ultrapassamos todos os
limites razoáveis em números. E, do ponto de vista puramente biológico,
qualquer espécie que faz isso tem que entrar em colapso."
Mas isso não é sugerir, no entanto, que Lovelock acredita que
deveríamos ficar tocando harpa enquanto assistimos o mundo queimar. É
bem o contrário. "Precisamos tomar ações ousadas", ele insiste. "Temos
uma quantidade enorme de coisas a fazer." De acordo com a visão dele,
temos duas escolhas: podemos retornar a um estilo de vida mais primitivo
e viver em equilíbrio com o planeta como caçadores-coletores ou podemos
nos isolar em uma civilização muito sofisticada, de altíssima
tecnologia. "Não há dúvida sobre que caminho eu preferiria", diz certa
manhã, em sua casa, com um sorriso aberto no rosto enquanto digita em
seu computador. "Realmente, é uma questão de como organizamos a
sociedade - onde vamos conseguir nossa comida, nossa água. Como vamos
gerar energia."
Em relação à água, a resposta é bem direta: usinas de dessalinização,
que são capazes de transformar água do mar em água potável. O
suprimento de alimentos é mais difícil: o calor e a seca vão acabar com a
maior parte das regiões de plantações de alimentos hoje existentes.
Também vão empurrar as pessoas para o norte, onde vão se aglomerar em
cidades. Nessas áreas, não haverá lugar para quintais ajardinados. Como
resultado, Lovelock acredita, precisaremos sintetizar comida - teremos
que criar alimentos em barris com culturas de tecidos de carnes e
vegetais. Isso parece muito exagerado e profundamente desagradável, mas,
do ponto de vista tecnológico, não será difícil de realizar.
O
fornecimento contínuo de eletricidade também será vital, segundo ele.
Cinco dias depois de visitar o centro Hadley, Lovelock escreveu um
artigo opinativo polêmico, intitulado: "Energia nuclear é a única
solução verde". Lovelock argumentava que "devemos usar o pequeno
resultado dos renováveis com sensatez", mas que "não temos tempo para
fazer experimentos com essas fontes de energia visionárias; a
civilização está em perigo iminente e precisa usar a energia nuclear - a
fonte de energia mais segura disponível - agora ou sofrer a dor que em
breve será infligida a nosso planeta tão ressentido".
Ambientalistas urraram em protesto, mas qualquer pessoa que conhecia o
passado de Lovelock não se surpreendeu com sua defesa à energia
nuclear. Aos 14 anos, ao ler que a energia do sol vem de uma reação
nuclear, ele passou a acreditar que a energia nuclear é uma das forças
fundamentais no universo. Por que não aproveitá-la? No que diz respeito
aos perigos - lixo radioativo, vulnerabilidade ao terrorismo, desastres
como o de Chernobyl - Lovelock diz que este é dos males o menos pior:
"Mesmo que eles tenham razão a respeito dos perigos, e não têm, continua
não sendo nada na comparação com as mudanças climáticas".
Como último recurso, para manter o planeta pelo menos marginalmente
habitável, Lovelock acredita que os seres humanos podem ser forçados a
manipular o clima terrestre com a construção de protetores solares no
espaço ou instalando equipamentos para enviar enormes quantidades de CO2
para fora da atmosfera. Mas ele considera a geoengenharia em larga
escala como um ato de arrogância - "Imagino que seria mais fácil um bode
se transformar em um bom jardineiro do que os seres humanos passarem a
ser guardiões da Terra". Na verdade, foi Lovelock que inspirou seu amigo
Richard Branson a oferecer um prêmio de US$ 25 milhões para o "Virgin
Earth Challenge" (Desafio Virgin da Terra), que será concedido à
primeira pessoa que conseguir criar um método comercialmente viável de
remover os gases responsáveis pelo efeito estufa da atmosfera. Lovelock é
juiz do concurso, por isso não pode participar dele, mas ficou
intrigado com o desafio. Sua mais recente idéia: suspender centenas de
milhares de canos verticais de 18 metros de comprimento nos oceanos
tropicais, colocar uma válvula na base de cada cano e permitir que a
água das profundezas, rica em nutrientes, seja bombeada para a
superfície pela ação das ondas. Os nutrientes das águas das profundezas
aumentariam a proliferação das algas, que consumiriam o dióxido de
carbono e ajudariam a resfriar o planeta. "É uma maneira de
contrabalançar o sistema de energia natural da Terra usando ele
próprio", Lovelock especula. "Acho que Gaia aprovaria."
Oslo é o tipo perfeito de cidade para Lovelock. Fica em latitudes do
norte, que ficarão mais temperadas na medida em que o clima for
esquentando; tem água aos montes; graças a suas reservas de petróleo e
gás, é rica; e lá já há muito pensamento criativo relativo à energia,
incluindo, para a satisfação de Lovelock, discussões renovadas a
respeito da energia nuclear. "A questão principal a ser discutida aqui é
como manejar as hordas de pessoas que chegarão à cidade", Lovelock
avisa. "Nas próximas décadas, metade da população do sul da Europa vai
tentar se mudar para cá."
Nós nos dirigimos para perto da água, passando pelo castelo de
Akershus, uma fortaleza imponente do século 13 que funcionou como
quartel-general nazista durante a ocupação da cidade na Segunda Guerra
Mundial. Para Lovelock, os paralelos entre o que o mundo enfrentou
naquela época e o que enfrenta hoje são bem claros. "Em certos aspectos,
é como se estivéssemos de novo em 1939", ele afirma. "A ameaça é óbvia,
mas não conseguimos nos dar conta do que está em jogo. Ainda estamos
falando de conciliação."
Naquele tempo, como hoje, o que mais choca Lovelock é a ausência de
liderança política. Apesar de respeitar as iniciativas de Al Gore para
conscientizar as pessoas, não acredita que nenhum político tenha chegado
perto de nos preparar para o que vem por aí. "Em muito pouco tempo,
estaremos vivendo em um mundo desesperador, comenta Lovelock. Ele
acredita que está mais do que na hora para uma versão "aquecimento
global" do famoso discurso que Winston Churchill fez para preparar a
Grã-Bretanha para a Segunda Guerra Mundial: "Não tenho nada a oferecer
além de sangue, trabalho, lágrimas e suor". "As pessoas estão prontas
para isso", Lovelock dispara quando passamos sob a sombra do castelo. "A
população entende o que está acontecendo muito melhor do que a maior
parte dos políticos."
Independentemente do que o futuro trouxer, é provável que Lovelock
não esteja por aí para ver. "O meu objetivo é viver uma vida retangular:
longa, forte e firme, com uma queda rápida no final", sentencia.
Lovelock não apresenta sinais de estar se aproximando de seu ponto de
queda. Apesar de já ter passado por 40 operações, incluindo ponte de
safena, continua viajando de um lado para o outro no interior inglês em
seu Honda branco, como um piloto de Fórmula 1. Ele e Sandy recentemente
passaram um mês de férias na Austrália, onde visitaram a Grande Barreira
de Corais. O cientista está prestes a começar a escrever mais um livro
sobre Gaia. Richard Branson o convidou para o primeiro vôo do ônibus
espacial Virgin Galactic, que acontecerá no fim do ano que vem - "Quero
oferecer a ele a visão de Gaia do espaço", diz Branson. Lovelock está
ansioso para fazer o passeio, e planeja fazer um teste em uma centrífuga
até o fim deste ano para ver se seu corpo suporta as forças
gravitacionais de um vôo espacial. Ele evita falar de seu legado, mas
brinca com os filhos dizendo que quer ver gravado na lápide de seu
túmulo: "Ele nunca teve a intenção de ser conciliador".
Em relação aos horrores que nos aguardam, Lovelock pode muito bem
estar errado. Não por ter interpretado a ciência erroneamente (apesar de
isso certamente ser possível), mas por ter interpretado os seres
humanos erroneamente. Poucos cientistas sérios duvidam que estejamos
prestes a viver uma catástrofe climática. Mas, apesar de toda a
sensibilidade de Lovelock para a dinâmica sutil e para os ciclos de
resposta no sistema climático, ele se mostra curiosamente alheio à
dinâmica sutil e aos ciclos de resposta no sistema humano. Ele acredita
que, apesar dos nossos iPhones e dos nossos ônibus espaciais,
continuamos sendo animais tribais, amplamente incapazes de agir pelo bem
maior ou de tomar decisões de longo prazo que garantam nosso bem-estar.
"Nosso progresso moral", diz Lovelock, "não acompanhou nosso progresso
tecnológico."
Mas talvez seja exatamente esse o motivo do apocalipse que está por
vir. Uma das questões que fascina Lovelock é a seguinte: A vida vem
evoluindo na Terra há mais de 3 bilhões de anos - e por que motivo?
"Gostemos ou não, somos o cérebro e o sistema nervoso de Gaia", ele
explica. "Agora, assumimos responsabilidade pelo bem-estar do planeta.
Como vamos lidar com isso?"
Enquanto abrimos caminho no meio dos
turistas que se dirigem para o castelo, é fácil olhar para eles e ficar
triste. Mais difícil é olhar para eles e ter esperança. Mas quando digo
isso a Lovelock, ele argumenta que a raça humana passou por muitos
gargalos antes - e que talvez sejamos melhores por causa disso. Então
ele me conta a história de um acidente de avião, anos atrás, no
aeroporto de Manchester. "Um tanque de combustível pegou fogo durante a
decolagem", recorda. "Havia tempo de sobra para todo mundo sair, mas
alguns passageiros simplesmente ficaram paralisados, sentados nas
poltronas, como tinham lhes dito para fazer, e as pessoas que escaparam
tiveram que passar por cima deles para sair. Era perfeitamente óbvio o
que era necessário fazer para sair, mas eles não se mexiam. Morreram
carbonizados ou asfixiados pela fumaça. E muita gente, fico triste em
dizer, é assim. E é isso que vai acontecer desta vez, só que em escala
muito maior."
Lovelock olha para mim com olhos azuis muito firmes. "Algumas pessoas
vão ficar sentadas na poltrona sem fazer nada, paralisadas de pânico.
Outras vão se mexer. Vão ver o que está prestes a acontecer, e vão tomar
uma atitude, e vão sobreviver. São elas que vão levar a civilização em
frente."
(Tradução de Ana Ban)
http://rollingstone.uol.com.br/edicao/14/aquecimento-global-e-inevitavel-e-6-bi-morrerao-diz-cientista