13/10/2013 - Copyleft
Bancada ruralista: tudo pela terra
Najar Tubino
É
a maior bancada do Congresso Nacional. Oficialmente conta com 162
deputados e 11 senadores, sob a sigla de Frente Parlamentar da
Agropecuária. Para se registrar como frente é necessário um terço dos
congressistas (198). Porém, a bancada conta com uma legião de adeptos de
última hora. A pesquisadora da USP Sandra Helena G. Costa pesquisou a
vida de 374 deputados e senadores para fazer a tese “Questão agrária e a
bancada ruralista no Congresso Nacional”. Inclusive com o histórico
familiar e a participação na política brasileira na formação das
oligarquias regionais. Sem contar 23que não tem nenhum imóvel registrado
ou qualquer ligação empresarial com o agronegócio, os restantes 351
declaram possuir 863.646,53 hectares. Os dados foram consultados nos
arquivos do TSE e no cadastro do INCRA.
Já
o jornalista Alceu Castilho, autor do livro “Partido da Terra”, que
levantou 13 mil declarações de bens de políticos brasileiros, incluindo
deputados estaduais, prefeitos, vices, suplentes, chegou a um número de
2,03 milhões de hectares. As informações registradas pela Justiça
Eleitoral são declarações dos próprios candidatos. Mas o que interessa,
além das prioridades da bancada ruralista, é que eles representam
empresas e proprietários de terras no país, que movimentam R$440 bilhões
entre a produção agrícola e pecuária. O capitalismo agrário brasileiro
não é um negócio de famílias, embora elas continuem no poder em vários
estados, comandando a máquina do Estado.
Dinheiro de todo lado
É
preciso considerar que nas últimas duas décadas, com a implantação das
lavouras de soja e algodão no cerrado e, principalmente, a expansão
acelerada do rebanho de bovinos, milhares de empresas do setor urbano,
incluindo indústrias de todos os ramos, bancos, empreiteiras,
comerciantes, ex-donos de redes de supermercados investiram no campo. Só
para dar um exemplo: na década de 1980, com o Polo Centro, quando os
militares liberaram incentivos fiscais para a ocupação de fazendas no
cerrado, vários grupos calçadistas do Rio Grande do Sul compraram
propriedades no Mato Grosso do Sul – Schmitt Irmãos, Reichert Calçados,
Paquetá e, posteriormente, os irmãos Alexandre e Pedro Greendene, além
da Siderúrgica Gerdau, que contava com mais de 50 mil hectares no
município de Água Clara (MS), onde implantaram 30 mil hectares de pinus.
Assim
também ocorreu com Bradesco, Votorantim e Ometto, na Fazenda Bodoquena,
no Pantanal do rio Miranda, uma extensão muito maior do que 100 mil
hectares. Ou banqueiros, como o já falecido Pedro Conde, do antigo BCN,
comprou outros milhares de hectares no Pantanal do rio Coxim, onde hoje
funciona a fazenda Novo Horizonte, administrada pelo genro, Marco
Iatauro. Também no Pantanal, o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual,
comprou a fazenda Cristo Rei, de José Carlos Bumlai, com 116 mil
hectares, e que era da equipe do ex-banqueiro Olacyr de Moraes (Banco
Itamarati), que era o proprietário da Fazenda Itamarati, em Ponta Porã.
Bumlai era o homem em Brasília que agilizava a liberação das verbas das
obras da Constran, no orçamento federal. Na época, o senador Carlos
Gomes Bezerra (PMDB) era o presidente da Comissão de Orçamento. Está na
lista com três fazendas improdutivas.
Fundos estrangeiros
Entretanto,
o capital investido no campo tem muitas origens, inclusive para
lavagem. Quem controla a fronteira dos estados limites com Paraguai,
Bolívia, Peru e Colômbia, onde estão implantadas fazendas dos dois
lados? Na Fazenda Itamarati, de 50 mil hectares, hoje um imenso
assentamento, a divisa com o Paraguai é uma estrada. Um boi no Brasil
hoje vale no frigorífico em torno de R$1.700,00, contando a arroba a
R$100, e o abate médio de 17 arrobas. Um caminhão de bois normalmente
carrega 20 animais. São R$34 mil. No Brasil o abate oficial é de mais de
40 milhões de cabeças, para um rebanho acima de 200 milhões.
Logicamente, a bancada é apoiada financeiramente pelos pecuaristas,
aliás, 20 congressistas estão na lista da pesquisadora da USP como
latifundiários.
Para
completar o raciocínio. Na área agrícola, onde a associação das
multinacionais Bunge, Cargill, ADM, Louis Dreyfus, as irmãs do
agronegócio, que financiam os produtores rurais em troca de parte da
safra, recebeu mais um reforço. Trata-se dos fundos privados, que captam
dinheiro no mercado internacional e compram ou arrendam fazendas no
país. Inclusive são os responsáveis pelo avanço da soja e do algodão no
chamado MAPITOBA – inclui parte do Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia.
Fundos como Tiba Agro, coordenado pelos ex-executivos do Bank Of
America, Fábio Greco e Amauri Fonseca Junior, captaram mais de US$300
milhões e pretendem investir em 320 mil hectares. Ou o Brasil Agro já
conta com 164 mil hectares. A SLC, uma sociedade de empresários gaúchos
que fabricavam colheitadeiras em Horizontina (RS), pretendem plantar 400
mil hectares na próxima safra, se associou ao fundo inglês Valiance
Asset Mangement, na empresa para administrar terras Land & Co. Mesma
estratégia da Radar, empresa dirigida pela Cosan, hoje Raízen
(sociedade com a Schell), que comprou 180 fazendas nos últimos anos e
opera mais de 80 mil hectares, onde a maioria dos cotistas são
estrangeiros.
Conflitos e mortes
Enfim,
esses são, resumidamente, quem a bancada ruralista representa. Por isso
mesmo, as prioridades políticas desse grupo de deputados e senadores,
envolve a liberação de terras, tanto dos territórios indígenas,
quilombolas, como de reservas e parques ecológicos. Também querem
flexibilizar leis trabalhistas do setor rural, dar uma nova definição ao
“trabalho escravo”, mudar as regras para o registro de agrotóxicos e de
novos produtos alimentares, alterar a legislação de terras para
facilitar a compra por estrangeiros e nas regiões de fronteira,
renegociar as dívidas dos ruralistas. Acho que só não advogam a volta do
trabalho infantil à noite, como acontecia na Inglaterra do século XIX,
porque seria demais.
Nesse
país imenso foram registrados no ano passado mais de mil conflitos
envolvendo ruralistas, empresas, fundos, investidores e os moradores de
localidades dos confins, índios, quilombolas, enfim, os despossuídos.
Não tem lugar para eles onde esta máquina avassaladora toma conta. Não
será a bancada ruralista que vai se sensibilizar com a morte 555
guaranis no MS em uma década, nem com 317 homicídios, embora suas
famílias estejam cercadas pela soja, algodão ou por bovinos Nelore na
região de Dourados. A empresa paranaense Jatobá Pecuária e Indústria é a
segunda colocada do Ranking da Associação dos Criadores de Nelore do
Brasil, que classifica os melhores criadores do país. A Fazenda Jatobá
em Paranhos foi invadida pelos índios guarani kaiowá recentemente. É
área indígena desde 2000. A terceira colocada é a Fazenda do Sabiá, de
Alberto Vale Mendes, sócio da construtora Mendes Júnior.
O perfil da bancada
O
perfil da bancada ruralista é o seguinte: maior número de deputados é
de Minas Gerais com 24, do total de 53. As bancadas regionais do MS e TO
tem a maior proporção de ruralistas 87,5%. Dos oito componentes das
duas bancadas sete são ruralistas. No MT dos oito são seis ruralistas. A
região Centro-Oeste tem o maior número de ruralistas – dos 41, 24 fazem
parte. Mas a Região Sul, possui o maior número proporcional – 62,3%. Ou
seja, dos 77, 48 são ruralistas, no caso do RS, dos 31 deputados l6 são
da bancada. No Paraná, de 30, 21 pertencem a dita cuja. No nordeste,
dos 151 congressistas, 63 são ruralistas. No Norte, dos 65, 29 compõe a
bancada. No Sudeste dos 179, 44 são ruralistas. O partido com maior
número de ruralistas é o PMDB – dos 78, 46 são, além de Três senadores. O
bloco PSB, PTB e PC do B dos 62, 22 pertencem e um senador. No PP, dos
39 deputados 25 são ruralistas além de três senadores. No DEM, dos 27,
26 estão catalogados. No PSDB de 51, 25 participam. No PT dos 85, 14
votam com ela.
São 26 médicos ruralistas
Esta
contagem foi feita pelas pesquisadoras da Universidade Federal de Santa
Catarina Ivete Simionatto e Carolina Rodrigues Costa, do setor de
Serviço Social, em um trabalho que aborda a questão dos dominantes na
questão agrária. Um trecho:
“Os
integrantes da bancada ruralista são de diferentes partidos, agem de
forma pragmática, não representando ninguém, exceto eles mesmos. Se pode
observar hoje na atuação da bancada ruralista é a prevalência de um
projeto que privilegia os setores mais capitalizados da sociedade e
utiliza o Estado como meio de cooptação, ou seja, de transformismo e de
exercício da pequena política”.
A
pesquisadora Sandra Helena G. Costa apresentou a sua tese de mestrado
na área de Geografia Humana (USP) no final do ano passado. É um trabalho
de fôlego, com 325 páginas de texto, fora os anexos. Dos 374
congressistas pesquisados- ela acrescentou 74 a uma lista do
Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar identificados com a
bancada -, 118 declaram profissões ligadas a área agrícola ou pecuária –
agrônomo, empresário rural, pecuarista, fazendeiro, técnico em
agropecuária. Desses 59 declararam a profissão de pecuarista. Porém,
alguns deles não declararam possuir rebanhos. Seis ruralistas são
empresários: Dilson Sperafico (DEM-MS) e Dilceu João Sperafico (PP-PR),
Sandro Antônio Scodro, ou Sandro da Mabel (PR-GO), Blairo Maggi, do
Grupo Amaggi, Camilo Cola (PMDB-ES), grupo Itapemirim, Newton Cardoso
(PMDB-MG), grupo que atua em mineração, siderurgia, agropecuária,
silvicultura, João José Pereira de Lyra (PTB-AL), usineiro.
Na política como sempre
Na
classificação por área, ela ainda identificou 25 políticos ligados a
construtoras ou a empreendimentos imobiliários. Mais impressionante é o
número de parlamentares médicos da bancada ruralista – 26. Na área de
produção de grãos, plantio de eucalipto, cafeicultura, usinas de açúcar e
álcool são 38. Vinte foram identificados como grandes proprietários de
terras. Aprofundando ainda mais o poder dos políticos ruralistas a
pesquisadora da USP identificou as famílias que dominam alguns estados
ou regiões do país. Caso da família Caiado, em Goiás, que o tataravô foi
vice-presidente da província e comandante da Guarda Nacional entrando
na política nacional em 1985 e se mantendo até a atualidade. Também a
família Cassol, em Rondônia, onde Reditário Cassol na época da ditadura
assumiu o município de Colorado do Oeste e desde então dominam a
política estadual. Casualmente ele é suplente do senador Ivo Cassol, seu
filho, condenado recentemente por fraude em licitação pelo STF. Mais as
famílias de usineiros nordestinos Calheiros, Brandão Vilela e Pereyra
de Lira. Para completar a família Bezerra Coelho em Pernambuco, a
família Rosado em Mossoró (RN) e a família Lupion, no Paraná, onde o avô
Moisés Lupion deu o exemplo de como agir no campo ao atual deputado
Abelardo Lupion, conhecido pelo projeto que pretendia enquadrar os
ocupantes de propriedades como terroristas. O avô era considerado o
maior grileiro do Paraná.
Dos
deputados citados 54 confirmaram o registro na antiga Aliança
Renovadora Nacional (ARENA), o partido oficial da ditadura. Comenta
Sandra Helena:
“-
No âmbito da representação as nomeações para os cargos de prefeito
durante a ditadura militar legou a este grupo influência na política
local. Especialmente sobre áreas de terras a serem colonizadas em
municípios do Norte e do Centro-Oeste... além dos bens patrimoniais
herdados de seus ascendentes no sobrenome ‘herdam’ toda uma trama de
relações de poder institucionalizado, que o eleitorado vai reconhecer
através do voto”.
Senadora Kátia Abreu
Interessante
é o caso da atual senadora Kátia Abreu, do Tocantins, onde foi
presidente do sindicato rural de Gurupi, depois presidente da Federação
de Agricultura e Pecuária, até ser eleita para a Confederação Nacional
de Agricultura (CNA):
“O
que intriga na condição desta senadora ruralista é o fato dela mesmo
discursar em prol do agronegócio, ser tratada como pecuarista, mesmo que
desde o ano 1998 não tenha mais declarado nenhuma cabeça de gado.
Declara ser empresária rural, mas não há registro de nenhuma ação ou
cota em empresa e o valor total do seu patrimônio é de R$437.182,19, com
disponibilidade financeira de mais R$120 mil... poderia não ser este o
total real dos bens da senadora, ou estaria amparado no latifúndio
improdutivo, ao invés do agronegócio”, comenta Sandra Helena Costa.
Já
o médico (ortopedista), professor, ex-presidente da União Democrática
Ruralista, Ronaldo Caiado declarou à Justiça Eleitoral sete fazendas,
que somam 5.172,2 hectares – uma fazenda de 795 hectares é posse. O
patrimônio dele evoluiu de 2006 para 2010 de R$3.671.539,53 para
R$5.950.666,62. O rebanho também evoluiu de 2.478 bovinos para 3.246
cabeças, além de 2.484 asininos (cabras), equinos, mulas. Adquiriu 15
cotas da Cooperativa de Crédito Rural, e já possuía cotas do frigorífico
Goiás Carne.
A cultura do calote
Não
posso terminar este texto, sem citar mais um trabalho consultado, a
tese de mestrado de Orson José Roberto de Camargo, do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, da Unicamp, na área de Sociologia, chamada
“Elite Política Brasileira e a Renegociação das Dívidas do Crédito
Rural – o caso da Bancada Ruralista”. Um dos baluartes da dita bancada
parlamentar é a renegociação das dívidas, que ela trata desde que elegeu
míseros 20 deputados na Constituinte de 1988, onde pretendia travar a
reforma agrária. Ele analisou a MP 114, de março de 2003, depois
transformada em lei 10.696, de julho do mesmo ano. A origem da
iniciativa era renegociar as dívidas dos agricultores familiares, mini e
pequenos, então inadimplentes. Com a atuação da bancada ruralista, já
com 117 deputados, acabaram incluindo todos os produtores rurais. A
renegociação das dívidas dos inadimplentes no crédito rural começou em
1995, quando fizeram uma primeira securitização. Depois em 1998, o
governo FHC criou o Programa Especial de Saneamento de Ativos (PESA). Em
2001 houve uma segunda securitização e em 2003, fizeram a renegociação
dos inadimplentes do PESA. Como registrou Camargo:
“Parte
significativa dos grandes produtores rurais simplesmente se habituou a
não pagar os empréstimos obtidos do dinheiro público, pois sabem que
possuem uma forte base parlamentar de pressão que atua toda vez que há
renegociação das dívidas. É a consolidação da cultura do calote”.
Entre
2000 e 2005 o governo federal despendeu R$ 15,9 bilhões somente com o
financiamento e a equalização de taxas de juros do crédito rural,
enquanto as despesas com as renegociações da dívida montaram R$ 9
bilhões. As renegociações que empurraram as dívidas mais de 20 anos,
sempre foram cíclicas, mas Camargo anotou “um salto significativo da
renda agrícola a partir de 2002 e, curiosamente, é justamente nesse
período de maior ganho na lavoura que a inadimplência aumentou e optaram
pela renegociação”. Em 2005 calculava-se que o estoque da dívida estava
em R$30 bilhões, citando a versão do Ministério da Agricultura. Nas
contas do Ministério da Fazenda passava de R$ 70 bilhões.
Enquanto renegociam as contas, advinha o que eles fazem com o lucro? Compram mais terra e mais gado.
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