quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Os rolezinhos nos acusam: somos uma sociedade injusta e segregacionista

23/01/2014
O fenômeno dos centenas de rolezinhos que ocuparam shoppings centers no Rio e em  São Paulo suscitou as mais disparatadas interpretações. Algumas, dos acólitos da sociedade neoliberal do consumo que identificam cidadania com capacidade de consumir, geralmente nos jornalões da mídia comercial, nem merecem consideração. São de uma indigência analítica de fazer vergonha.
Mas houve outras análises que foram ao cerne da questão como a do jornalista Mauro Santayana do JB on-line e as de três  especialistas que avaliaram a irrupção dos rolês na visibilidade pública e o elemento explosivo que contém. Refiro-me à Valquíria Padilha, professora de sociologia na USP de Ribeirão Preto:”Shopping Center: a catedral das mercadorias”(Boitempo 2006), ao sociólogo da Universidade Federal de Juiz de Fora, Jessé Souza,”Ralé brasileira: quem é e como vive (UFMG 2009) e  de Rosa Pinheiro Machado, cientista social com um artigo”Etnografia do Rolezinho”no Zero Hora de 18/1/2014. Os três deram entrevistas esclarecedoras.
Eu por minha parte interpreto da seguinte forma tal irrupção:
Em primeiro lugar, são jovens pobres, das grandes periferias,  sem espaços de lazer e de cultura, penalizados por serviços públicos ausentes ou muito ruins como saúde, escola, infra-estrutura sanitária, transporte, lazer e segurança. Veem televisão cujas propagandas os seduzem para um consumo que nunca vão poder realizar. E sabem manejar computadores e entrar nas redes sociais para articular encontros. Seria ridículo exigir deles que teoricamente tematizem sua insatisfação. Mas sentem na pele o quanto nossa sociedade é malvada porque exclui, despreza e mantém os filhos e filhas da pobreza na invisibilidade forçada. O que se esconde por trás de sua irrupção? O fato de não serem incluidos no contrato social. Não adianta termos uma “constituição cidadã” que neste aspecto é apenas retórica, pois  implementou muito pouco do que prometeu em vista da inclusão social. Eles estão fora, não contam, nem sequer servem de carvão  para o consumo de nossa fábrica social (Darcy Ribeiro). Estar incluído no contrato social significa ver garantidos os serviços básicos: saúde, educação, moradia, transporte, cultura, lazer e segurança. Quase nada disso funciona nas periferias. O que eles estão dizendo com suas penetrações nos bunkers do consumo? “Oia nóis na fita”; “nois não tamo parado”;”nóis tamo aqui para zoar”(incomodar). Eles estão com seu comportamento rompendo as barreiras do aparheid social. É uma denúncia de um país altamente injusto (eticamente), dos mais desiguais do mundo (socialmente), organizado sobre um grave pecado social pois contradiz o  projeto de Deus (teologicamente). Nossa sociedade é conservadora e nossas elites altamente insensíveis  à paixão de seus semelhantes e por isso cínicas. Continuamos uma Belíndia: uma Bélgica rica dentro de uma India pobre. Tudo isso os rolezinhos denunciam, por atos e menos por palavras.
Em segundo lugar,  eles denunciam a nossa maior chaga: a desigualdade social cujo verdadeiro nome é injustiça histórica e social. Releva, no entanto, constatar que com as políticas sociais do governo do PT a desigualdade diminiui, pois segundo o IPEA os 10% mais pobres tiveram entre 2001-2011 um crescimento de renda acumulado de 91,2% enquanto a parte mais rica cresceu 16,6%. Mas esta diferença não atingiu a raíz do problema pois o que supera a desigualdade é uma infraestrutura social de saúde, escola, transporte, cultura e lazer que funcione e acessível a todos. Não é suficiente transferir renda; tem que criar oportunidades e oferecer serviços, coisa que não foi o foco principal no Ministério de Desenvolvimento Social. O “Atlas da Exclusão Social” de Márcio Poschmann (Cortez 2004) nos mostra que há cerca de 60 milhões de famílias,  das quais cinco mil famílias extensas detém 45% da riqueza nacional. Democracia sem igualdade, que é seu pressupsto, é farsa e retórica. Os rolezinhos denunciam essa contradição. Eles entram no “paraíso das mercadorias” vistas virtualmente na TV para ve-las realmente e senti-las nas mãos. Eis o sacrilégio insuportável pelos donos do shoppings. Eles não sabem dialogar, chamam logo a polícia para bater e fecham as portas a esses bárbaros. Sim, bem o viu T.Todorov em seu livro “Os novos bárbaros”: os marginalizados do mundo inteiro estão saindo da margem e indo rumo ao centro para suscitar a má consciência dos “consumidores felizes” e lhes dizer: esta ordem é ordem na desordem. Ela os faz frustrados e infelizes, tomados de medo, medo dos próprios semelhantes que somos nós.
Por fim, os rolezinhos não querem apenas consumir. Não são animaizinhos famintos. Eles tem fome sim, mas fome de reconhecimento, de acolhida na sociedade, de lazer, de cultura e de mostrar o que sabem: cantar, dançar, criar poemas críticos, celebrar a convivência humana. E querem trabalhar para ganhar sua vida. Tudo isso lhes é negado, porque, por serem pobres, negros, mestiços sem olhos azuis e cabelos loiros, são desperezados e mantidos longe, na margem.
Esse tipo de sociedade pode ser chamada ainda de humana e civilizada? Ou é uma forma travestida de barbárie? Esta última lhe convem mais. Os rolezinhos mexeram numa pedra que começou a rolar. Só parará se houver mudanças.
Artigo escrito primeiramente para o JB on-line

http://leonardoboff.wordpress.com/2014/01/23/os-rolezinhos-nos-acusam-somos-uma-sociedade-injusta-e-segregacionista/

O rolê da ralé

Para autor de 'A Ralé Brasileira', rolezinhos são vistos como tão ameaçadores porque rompem a demarcação do apartheid social

18 de janeiro de 2014 | 16h 00
Ivan Marsiglia
Grito dos quase incluídos? Flash mob da periferia? Repique das jornadas de junho? Marcha do desprezo pela cultura democrática? Ou apenas e tão somente "um rolê"?
Shopping JK com as portas fechadas para a tão falada 'inclusão pelo consumo' - Alex Silva/Estadão
Alex Silva/Estadão
Shopping JK com as portas fechadas para a tão falada 'inclusão pelo consumo'
O País discute o que vai pela cabeça daqueles rapazes de bombeta e bermudas, que se endividam para comprar um tênis Mizuno, a congestionar os corredores dos shopping centers - estes também chamados aqui e ali de "templos do consumo", "espaço privado aberto ao público" ou "única opção de lazer na quebrada", de acordo com o gosto do freguês. Os rolezinhos entraram com tudo no vocabulário político nacional e andaram nas bocas do prefeito Fernando Haddad, do governador Geraldo Alckmin e até da presidente Dilma Rousseff.
Para o sociólogo potiguar Jessé Souza, doutor pela Universidade de Heidelberg, na Alemanha, e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, com todas as interpretações que se possam atribuir ao fenômeno (e, em especial, às reações da sociedade brasileira a ele), uma coisa é certa: estamos diante de "um reflexo do apartheid brasileiro que separa, como se fossem dois planetas distintos, os brasileiros ‘europeizados’, da classe média verdadeira, e os percebidos como ‘bárbaros’, das classes populares".
Autor do já clássico A Ralé Brasileira - Quem É e Como Vive, publicado em 2009, e de Os Batalhadores Brasileiros - Nova Classe Média ou Nova Classe Trabalhadora? , em 2012, ambos pela Editora UFMG, Jessé refuta o conceito de "nova classe média", exaltado no Brasil na última década. A precarização dessa camada "que trabalha muito e ganha pouco", diz, não permite definição tão positiva. Na entrevista a seguir, o sociólogo afirma ver conotação política (mas não planejada) nos rolês, alerta para o desejo de reconhecimento desses jovens e critica a visão estreita dos que, à direita ou à esquerda, concebem os sujeitos sociais "unicamente determinados e explicados por estímulos econômicos".
Para a antropóloga Alba Zaluar, o rolezinho 'é uma brincadeira, não um movimento social'. Para o escritor Paulo Lins, 'uma manifestação extremamente política e organizada'. Para a cientista social Rosana Pinheiro-Machado, 'o assunto mais caro à minha sensibilidade acadêmica e política'. E para o sr.?
Apenas estudos empíricos poderiam dar conta da questão da origem de classe desses jovens. Contudo, a fronteira entre nossos desclassificados sociais - que eu chamo provocativamente de "ralé" - e a nova classe trabalhadora precária, mal rotulada entre nós de "nova classe média", é muito fluida. O que nos permite falar de classes populares em sentido geral. Esses fatos são mais um reflexo do apartheid brasileiro que separa, como se fossem dois planetas distintos, o espaço de sociabilidade dos brasileiros "europeizados", da classe média verdadeira, e os brasileiros percebidos como "bárbaros", das classes populares. Desde que a barbárie fique restrita ao mundo das classes populares, ela não é um problema real. E a classe média finge que se choca de tempos em tempos com o que acontece nas prisões - como se todo mundo já não soubesse o que lá acontece, como os alemães com os campos de concentração na Alemanha nazista - ou com a violência nas favelas.
Muitos frequentadores se dizem chocados com a falta de segurança 'até no shopping'...
O problema só se torna sério e ameaçador quando se rompe com as linhas de demarcação implícitas do nosso apartheid real, ainda que não legal. E as classes populares passam a fazer de conta que não sabem qual é seu lugar. É isso que confere caráter político a essas aparentes brincadeiras de jovens da periferia. Eles ameaçam a fronteira de classes, vivida por todos nós de modo implícito.
Mas essa 'nova classe média', ou 'classe trabalhadora precária', como o sr. prefere, não se tornou um mercado interessante para o comércio e as instituições bancárias que oferecem crédito popular?
É verdade e esse é um ponto muito interessante. O mercado se interessa de modo crescente por essa classe ascendente porque quer saber como vender para ela. Mas fazer comércio com alguém não significa "aceitá-lo" ou "compreendê-lo", ainda que seja sem dúvida um primeiro passo.
Em uma entrevista anos antes das manifestações de junho, um dos integrantes do Movimento Passe Livre disse que mal podia esperar a chegada das classes D e E ao Facebook. A capacidade de mobilização via redes sociais dos jovens de periferia hoje, e seu intercâmbio com filhos de classe média, muda esse panorama?
Sem dúvida existem novas oportunidades para a comunicação e a ação política através da mídia digital. Como os meios digitais são mais difíceis de controlar, eles tendem a ser mais alternativos e plurais. Praticamente todos os movimentos políticos importantes nos últimos tempos tiveram participação decisiva da internet. Mas é importante ressaltar que os meios digitais são apenas "meios", não criam ou produzem uma cultura política alternativa, ainda que possam fazer circular informações.
A reação dos lojistas, impetrando liminares para impedir essas reuniões, e triagens nas portas dos shoppings, é legítima?
Os shopping centers no Brasil sempre conviveram com uma classe que vinha para comprar e outra que vinha para passear e olhar as vitrines. Especialmente nos fins de semana, o público muda, com pessoas das classes populares com poucas alternativas de lazer e jovens com consumo reduzido e concentrado nas praças de alimentação. A novidade agora é que, em vez da deferência e vergonha das classes que se sabem inferiores, entra em cena certo "protagonismo de classe popular" - um fenômeno interessante que parece ter a cidade de São Paulo como epicentro, do tipo "é nóis na fita, mano". As tentativas de restrição e o medo advêm antes de tudo dessa mudança de atitude.
Se há mesmo conotação política nos rolês, por que eles ocorrem basicamente em estabelecimentos periféricos e não nos nobres?
Afirmar que existe conotação política nesses eventos não é o mesmo que dizer que sejam politicamente planejados. Se eles vão ou não desenvolver formas mais organizadas de intervenção no espaço público antes restrito à classe média verdadeira é uma questão em aberto.
E a polícia, que repetiu o minueto das manifestações de junho: repressão indiscriminada primeiro e, após a grita nos meios de comunicação, promessa de coibir crimes e abusos?
O problema real não é, em primeiro lugar pelo menos, nem da polícia nem das autoridades. É o apartheid social entre classe média europeizada e classes populares "bárbaras" de que falei. Ele cria regras não escritas e, por causa disso mesmo, muito eficientes - uma espécie de "constituição pré-jurídica" para a manutenção do racismo de classe que é nossa verdadeira lei maior. É esse apartheid que criou o tipo de polícia e a cultura da violência que temos. Ainda que a classe média - e suas frações mais conservadoras - não decida mais eleições majoritárias no Brasil, é ela que detém a hegemonia política e cultural e influencia não só amplos setores das próprias classes populares, mas também decide o que é julgado nos tribunais, o que é publicado nos jornais, dito na TV e o que é discutido nas universidades. Ela domina a esfera pública que decide o que é certo e errado na prática cotidiana real e é por isso que temos uma agenda de "políticas públicas informais" que inclui, por exemplo, matança indiscriminada e violência contra os pobres sem que ninguém - salvo em exceções dramatizadas pela mídia como o caso de Amarildo no Rio - seja responsabilizado. A ação do Estado e de seus órgãos é muito mais decidida por essas leis não escritas da sociedade do que pelos seus estatutos escritos para inglês ver.
O chamado 'funk ostentação', trilha sonora mais comum nos encontros, mostra a adesão incondicional desses jovens à cultura do consumo ou o sr. vê alguma ironia nessa exaltação tão superlativa de símbolos de status?
Não são apenas as classes populares que praticam uma adesão incondicional ao consumo. As classes do privilégio - tanto os endinheirados que concentram em poucas mãos a riqueza nacional em proporções grotescas, se compararmos com as democracias europeias, quanto a classe média verdadeira se definem e se hierarquizam entre si pelo consumo material, antes de tudo. É necessária grande incorporação de capital cultural - ou seja, a apropriação pelo indivíduo de formas de conhecimento útil ou valorizado socialmente - para fazer frente à força do prestígio social imediato que o consumo material provoca. Acho que as classes populares só desenvolvem uma distância crítica em relação ao consumo em circunstâncias excepcionais. Certas subculturas como a do funk ou do rap podem manter uma postura ambígua, ainda que em um meio também culturalmente carente.
Defensores dos avanços sociais dos últimos anos argumentam que algum tipo de inclusão suscita novas reivindicações e avanços. Já os críticos sugerem correção de rumo urgente, que troque o paradigma do consumo pelo de cidadania. O que o sr. acha?
Apesar de considerar os avanços sociais dos últimos anos muito tímidos, eles são relevantes dentro de um contexto de uma sociedade tão conservadora e socialmente irresponsável como a nossa. Então eu me alinho com os primeiros, já que é historicamente inegável que o aprendizado político e social, que pressupõe mudança paulatina de consciência se vem para ficar, segue a lógica do desenvolvimento passo a passo. De resto, essa separação entre inclusão social por consumo e inclusão social por direitos é completamente artificial e retórica. Todas as lutas das classes populares no Ocidente nos últimos 200 anos têm sido lutas pela redistribuição da riqueza social, material ou não, as quais, quando vitoriosas e institucionalizadas, se consolidam em novos direitos.
Que medidas seriam menos tímidas?
Para responder a essa pergunta é preciso falar da extrema pobreza de nosso debate público. É tanto uma pobreza de ideias quanto uma pobreza moral e política, que se reforçam mutuamente. Há uma percepção generalizada do comportamento humano como sendo unicamente determinado e explicado por estímulos econômicos. Desconhece-se, por exemplo, que sem autoconfiança, autoestima e reconhecimento social, não existe "comportamento econômico racional". Boa parte da limitação da política do atual governo reside aí. Mas não é só o governo. A sociedade também adere a essa cegueira economicista do mundo - e culpa as vítimas por seu próprio abandono social. É o que causa o desprezo visceral de boa parte de nossa classe média pelos pobres, uma cegueira que impede sentimentos efetivos de solidariedade e de responsabilidade política pelo destino coletivo. Todas as sociedades que lograram, com grau variável de sucesso, o resgate social e econômico das grandes massas empreenderam "revoluções de consciência coletiva", das quais estamos a anos-luz de distância.
Depoimentos de jovens que participam desses encontros poderiam ser resumidos na frase: ‘É só um rolê’. Não estaríamos assistindo apenas à velha e comum inconsequência juvenil de desafiar os pais e as normas preestabelecidas para se divertir?
Sem dúvida esse aspecto me parece fundamental. Existe um corte geracional que sugere aspectos da subcultura jovem enquanto rebelião contra regras sociais e figuras de autoridade. A novidade ameaçadora é que são jovens das classes populares que se rebelam contra as regras não escritas, mas "sentidas" e percebidas por todos nós, da divisão classista dos espaços de sociabilidade. A classe média verdadeira, "europeizada" - que se percebe como estrangeira na própria terra - se sente ameaçada pelos "bárbaros" das classes populares, em um fenômeno que tende a ter diversos novos capítulos no Brasil daqui para a frente.

http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,o-role-da-rale,1120064,0.htm

O que o filme “A Grande Beleza” ensina sobre a grande feiúra das nossas cidades



Postado em 21 Jan 2014

“A Grande Beleza”, o comentado filme do italiano Paolo Sorrentino, candidato ao Oscar de melhor filme estrangeiro, fala muito a nós, jornalistas, menos por colocar como narrador e protagonista Jep Gambardella, um sexagenário e celebrado jornalista, do que por exibir um mundo superficial, entediante e sem saída onde a inação tem tanto valor quanto o voluntarismo; e em que a frivolidade que nos é tão próxima não é propriamente indigna, é apenas inexorável.
Sorrentino disse a Larry Rohter, no New York Times, em dezembro, que “sente em Roma (onde o filme se passa) que o sentido da vida é fútil”, que lá “não é possível encontrar um real significado (para a vida).”
Não é uma contradição, mas quem for ver “A Grande Beleza” provavelmente sairá convicto de que não há cidade mais linda no mundo do que Roma. E também não deve existir apartamento melhor do que o de Gambardella, ao lado do Coliseu. E é na verdade disso que quero falar.
Disse Sorrentino a Rohter: “Roma é uma das cidades mais lindas do mundo, mas foi feita por italianos muitos anos atrás. Hoje não somos capazes de replicar essa beleza. O contraste entre a beleza da cidade e a falta de beleza das pessoas é motivo de reflexão.”
Pois aqui no Brasil a vida também é tantas vezes frívola, com a possível diferença que as cidades também são feias. Para ficar na analogia, uma versão brasileira do filme de Sorrentino poderia se chamar “A Grande Feiúra”. Chamaram-me a atenção, a esse propósito, dois textos que li recentemente.
Em sua coluna dominical no Globo, Caetano Veloso disse: (…) “Porque nós podemos dizer hoje que as cidades brasileiras estão entre as mais feias do mundo todo”. E sobre Salvador, seu tema do dia: “Os muitos prédios feios e as fachadas deformadas de antigos sobrados confirmam as piores observações de Lévi-Strauss. (…) Se tivéssemos podido planejar a modernização (…) teríamos hoje uma joia do Atlântico Sul em lugar do caos que vemos.”
O jornalista Rodolfo Lucena, que está nestes dias desvendando a cidade de São Paulo sob o pretexto do aniversário de 460 anos da capital dia 25, um trabalho belíssimo, disse a respeito do bairro de Guarapiranga: “Nos seus primeiros dois quilômetros, é puro asfalto, cinza, feiura (sei que volto a me repetir, mas, com raras e conhecidas exceções, a cidade de São Paulo é muito feia, suja, abandonada. Na manhã nublada de hoje, então, as coisas ficavam ainda piores).”
Do planejamento inexistente à falta de vontade política, da subordinação geral aos interesses imobiliários e da indústria automobilística, tudo parece compor um cenário que só não é pior porque o pior já foi atingido. Pense nos rios de TODAS as nossas capitais. E assim mesmo, paradoxalmente, fecho com Caetano, a quem ultimamente só faço discordar, que acabou por ver uma estranha esperança em Salvador e no Brasil.
Cito: “O que excita é a esperança inacreditavelmente renovada de que, apesar de tudo, ainda vai dar para fazer alguma coisa. E a certeza maluca de que se fizermos será algo grandioso, como a entrada no Reino do Espírito Santo. Digo que a esperança se renova inacreditavelmente e que a certeza é maluca porque o olhar realista para a feiura visual e social produz ceticismo.”
E a melhor passagem: “No meio do ano passado, eu estava indo com Moreno da parte do Rio Vermelho onde ele tem apartamento para a parte do Rio Vermelho onde tenho uma casa. Era noite, fazíamos um retorno na Avenida Garibaldi — onde não há senão construções modernas sem elegância nem imaginação — e chovia sem parar. Comentei minha constatação de que a cidade estava totalmente desprovida de encantos. Moreno respondeu apenas “Eu adoro”.
Eu também chego a adorar certos quarteirões totalmente desprovidos de charme de São Paulo. Não temos aqui o Bar Urca nem a Santa Maria Maggiore. De onde vem essa estranho sentimento, essa esperança quase idólatra na redenção de nossas cidades e em nós mesmos? Sou, somos todos fanáticos?
Paulo Vieira
Sobre o Autor
Paulo Vieira é jornalista, com passagens pela Folha de S.Paulo, Veja São Paulo e Viagem e Turismo. É editor do site Jornalistas que Correm.
 
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-que-o-filme-a-grande-beleza-ensina-sobre-a-grande-feiura-das-nossas-cidades/

Dusty Springfield - The Look of Love



LAURA FYGI - All Of Me (Disse Alguém)



quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Assim que é a areia vista em um microscópio

Quando comparamos algo a um grão de areia geralmente queremos dizer que esse algo é pequeno ou insignificante, mas as fotografias microscópicas do Dr. Gary Greenberg visam transformar este estereótipo em sua cabeça. Suas fotografias de grãos minúsculos de areia ampliados até 300 vezes revelam que cada grão de areia pode ser bonito e original. Confira! [BoredPanda]
Grãos de areia
Grãos de areia
Grãos de areia
Grãos de areia
Grãos de areia
Grãos de areia

Leia mais em http://misteriosdomundo.com/assim-que-e-areia-vista-em-um-microscopio#ixzz2r83qG6R7

http://misteriosdomundo.com/assim-que-e-areia-vista-em-um-microscopio?fb_action_ids=639780716089358&fb_action_types=og.likes&fb_source=other_multiline&action_object_map=[435141833280969]&action_type_map=[%22og.likes%22]&action_ref_map=[]

Resoluções de Ano Novo

William Douglas

  • Arquivo pessoal
Para a primeira coluna de 2014 decidi fazer algo especial e reunir meus votos, minhas resoluções de ano novo para você, não apenas 2014, mas todos os outros anos novos que estão por vir. Como em todo início de ano você deve estar empolgado com todas as aventuras e oportunidades que te esperam, pensando no ano com a esperança de realizações e prosperidade; e está certo em pensar assim, mas não pode esquecer, como diz um grande amigo meu, que temos "uma família querida e um lar sólido para nos acolher, saúde para buscarmos sustento e ainda nos permitir ajudar ao próximo".
Conquistar sucesso, em qualquer que seja a área, não é nada se comparado com aprender a dominar medos e fraquezas; e, mais ainda, ser capaz de "vencer" em um concurso é pouco se lembrarmos que nossas ações devem ser voltadas para ajudar o próximo e fazer com que todos que nos certam também prosperem.
Ter sucesso é excelente e lucrativo em vários aspectos, mas a abertura de novos espaços profissionais não é tão importante quanto lançar a si mesmo no coração de pais, cônjuge, amigos. E, igualmente, não é mais importante do que ser tão transparente e confiável quanto se espera da água que se tenciona beber.
Meus votos e suas resoluções para o ano, portanto, são de que você realize seus projetos, mas nunca deixe de, antes, estar em paz consigo e com as pessoas que ama; que seu serviço ao mundo não se resuma a produzir notas, resultados e nomeações, que, claro, torço sempre para que você consiga, mas abarque, também, outras formas sublimes de sucesso e prosperidade, pois, no grande concurso da vida, a nobreza tem tido muito menos liquidez que a inteligência e os bens palpáveis.
Para que tudo isso aconteça e que esses votos se tornem mais do que resoluções, proponho um pequeno teste para que você comece o ano descobrindo se será mais fácil ou mais difícil atingir essas metas. O teste é bem simples e se baseia no seu ano de 2013. Vamos às perguntas:
(a)   Passei o ano enrolando, fugindo, com medo, não estudei o quanto poderia, não treinei questões o quanto poderia, não me organizei e não me empenhei.
(b)   Passei o ano igual a um maluco ermitão, estudei e treinei tanto que quase surtei (ou surtei!), estou estressado, cansado, com vontade de chorar, de desistir, brigado com a família etc.
(c)    Este ano eu consegui estudar muito, e treinar muito, e até fiz alguns simulados. Fiz exercícios físicos de duas a três vezes por semana (mesmo que tenha sido uma caminhada de 50 minutos), tirei um dia ou, ao menos, um turno para descanso, estabeleci metas de estudo e meu quadro-horário e fiz meu máximo para realizar o planejamento. Aproveitei tudo o que pude de professores, livros e apostilas e separei um pouco de tempo para mim todo dia, nem que fossem 5 minutos para ouvir uma música, e dei alguma atenção (a melhor que pude, mas sempre alguma) a meus pais, cônjuge e filhos.
Há hipóteses intermediárias, claro, mas escolha a que mais se aproximam do seu caso no último ano. Se você é um dos dois primeiros casos, tem ajustes a fazer. Se está no terceiro, parabéns!
Sabemos que não é fácil chegar na letra "C" mas são os que chegam que alcançam mais rapidamente a aprovação, por isso, não adianta ficar enrolando, pois quem não estuda e treina bastante não passa; mas também não adianta ficar só estudando como um louco e surtar, ter depressão ou coisa parecida, ou desistir do projeto por "não aguentar mais". Para "aguentar" e fazer bem, é preciso equilíbrio e disciplina.
O que está faltando mais em você? Equilíbrio? Disciplina? Faça uma reflexão e faça o que for preciso para chegar à letra "C". Talvez não seja ainda o ano da aprovação, mas certamente será um ano em que você dará passos largos nessa direção. Você não está só, e tem muito trabalho pela frente para fazer a diferença nesta geração, arregace as mangas e já comece a "mudar o mundo" neste início de ano.
William Douglas é juiz federal, professor universitário, palestrante e autor de mais de 40 obras, dentre elas os best-sellersComo Passar em Provas e Concursos e As 25 Leis Bíblicas do Sucesso. Site: www.williamdouglas.com.br. Acompanhe-o nas redes sociais (@site_wd, @site_wd2, William Douglas -Facebook)
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Veja 15 sites com material de estudo gratuito para concursos públicos17 fotos

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Para os "concurseiros" de plantão, algumas matérias são consideradas "arroz com feijão", são as disciplinas básicas exigidas na maior parte dos concursos. O UOL Educação separou 16 sites com material gratuito, como videoaulas e simulados, para estudar direito administrativo, informática, inglês, matemática e português. Aproveite as dicas e mergulhe no estudo Leia mais gabarito
 
 http://economia.uol.com.br/empregos-e-carreiras/noticias/william-douglas/2014/01/22/resolucoes-de-ano-novo.htm

Ai, que preguiça

Drauzio Varella

O corpo humano é uma máquina desenhada para o movimento.
É dotado de dobradiças, músculos que formam alavancas capazes de deslocar o esqueleto em qualquer direção, ossos resistentes, ligamentos elásticos que amortecem choques, e sistemas de alta complexidade para mobilizar energia, consumir oxigênio e manter a temperatura interna constante.
Em seis milhões de anos, a seleção natural se encarregou de eliminar os portadores de características genéticas que dificultavam a movimentação necessária para ir atrás de alimentos, construir abrigos e fugir de predadores.
Se o corpo humano fosse projetado para os usos de hoje, para que pernas tão compridas e braços tão longos? Se é só para ir de um assento a outro, elas poderiam ter metade do comprimento. Se os braços servem apenas para alcançar o teclado do computador, para que antebraços? Seríamos anões de membros atrofiados, mas com um traseiro enorme, acolchoado, para nos dar conforto nas cadeiras.
A possibilidade de ganharmos a vida sem andar é aquisição dos últimos cinquenta anos. A disponibilidade de alimentos de qualidade acessíveis a grandes massas populacionais, mais recente ainda. A mesa farta e as comodidades em que viviam os nobres da antiguidade estão ao alcance da classe média, em condições de higiene bem superiores.
Para quem já morou em cavernas, a adaptação a um meio com vacinas, saneamento básico, antibióticos, alimentação rica em nutrientes e tecnologia para fazer chegar a nossas mãos tudo o que necessitamos, foi imediata. Em boa parte dos países a expectativa de vida atingiu 70 anos, privilégio de poucos no tempo de nossos avós.
Os efeitos adversos desse estilo de vida, no entanto, não demoraram para surgir: sedentarismo, obesidade, e seu cortejo nefasto: complicações cardiovasculares, diabetes, câncer, degenerações neurológicas, doenças reumáticas e muitas outras.
Se todos reconhecem que a atividade física faz bem para o organismo, por que ninguém se exercita com regularidade?
Por uma razão simples: descontadas as brincadeiras da infância, fase de aprendizado, nenhum animal desperdiça energia. Só o fazem atrás de alimento, sexo ou para escapar de predadores. Satisfeitas as três necessidades, permanecem em repouso até que uma delas volte a ser premente.
Vá ao zoológico. Você verá uma onça dando um pique para manter a forma? Um chimpanzé – com quem compartilhamos 99% de nossos genes – correndo para perder a barriga?
É tão difícil abandonar a vida sedentária, porque malbaratar energia vai contra a natureza humana. Os planos para andar, correr ou ir à academia naufragam no dia seguinte sob o peso dos seis milhões de anos de evolução, que desaba sobre nossos ombros.
Quando você ouvir alguém dizendo que pula da cama louco de disposição para o exercício, pode ter certeza: é mentira. Essa vontade pode nos visitar num sítio ou na praia com os amigos, na rotina diária jamais.
Digo por experiência própria. Há 20 anos corro maratonas, provas de 42 quilômetros que me obrigam a levantar às cinco e meia para treinar. Tenho tanta confiança na integridade de meu caráter, que fiz um trato comigo mesmo: ao acordar, só posso desistir de correr depois de vestir calção, camiseta e calçar o tênis.
Se me permitir tomar essa decisão deitado na cama, cada manhã terei uma desculpa. Não há limite para as justificativas que a preguiça é capaz inventar nessa hora.
Ao contrário do que os treinadores preconizam, não faço alongamento antes, já saio correndo, única maneira de resistir ao ímpeto de voltar para a cama. O primeiro quilômetro é dominado por um pensamento recorrente: “não há o que justifique um homem passar pelo que estou passando”.
Vencido esse martírio inicial, a corrida se torna suportável. Boa mesmo, só fica quando acaba. Nessa hora, a circulação inundada de endorfinas traz uma sensação de paz celestial, um barato igual ao de drogas que nunca experimentei.
Por isso, caro leitor, se você está à espera da chegada da disposição física para sair da vagabundagem em 2014, tire o cavalo da chuva: ela não virá. Praticar exercícios com regularidade exige disciplina militar, a mesma que você tem na hora de ir para o trabalho.
Ai, que preguiça.

http://drauziovarella.com.br/destaque2/ai-que-preguica/

The Hidden History of Homosexual Australia

Synopsis

A feature length documentary that takes a panoramic look at the history of gays and lesbians in Australia, from first European settlement in the late 1700's right through to the present.
Somewhat to the film makers surprise, research uncovered extensive archival materials showing homosexuals throughout the history of Australia - and what extraordinary stories there are to be told. The documentary reveals the depth and range of gay and lesbian experience. From the convict times when homosexuality was considered a sin against God, through the turn of last century and into the 1960's when it was viewed as a psychiatric condition, and finally to more recent times when homosexuality has become a political, culture and personal issue.
The Hidden History of Homosexual Australia artfully weaves archival material with interviews to go some way in dispelling the ignorance and complacency about the past. It also questions how far they really have come, or if are they living out the same patterns and problems of the past.

http://www.sbs.com.au/sbsinternational/programs/view/id/92/t/The%20Hidden%20History%20of%20Homosexual%20Australia
13/10/2013 - Copyleft

Bancada ruralista: tudo pela terra


Najar Tubino .
 
É a maior bancada do Congresso Nacional. Oficialmente conta com 162 deputados e 11 senadores, sob a sigla de Frente Parlamentar da Agropecuária. Para se registrar como frente é necessário um terço dos congressistas (198). Porém, a bancada conta com uma legião de adeptos de última hora. A pesquisadora da USP Sandra Helena G. Costa pesquisou a vida de 374 deputados e senadores para fazer a tese “Questão agrária e a bancada ruralista no Congresso Nacional”. Inclusive com o histórico familiar e a participação na política brasileira na formação das oligarquias regionais. Sem contar 23que não tem nenhum imóvel registrado ou qualquer ligação empresarial com o agronegócio, os restantes 351 declaram possuir 863.646,53 hectares. Os dados foram consultados nos arquivos do TSE e no cadastro do INCRA.
 
Já o jornalista Alceu Castilho, autor do livro “Partido da Terra”, que levantou 13 mil declarações de bens de políticos brasileiros, incluindo deputados estaduais, prefeitos, vices, suplentes, chegou a um número de 2,03 milhões de hectares. As informações registradas pela Justiça Eleitoral são declarações dos próprios candidatos. Mas o que interessa, além das prioridades da bancada ruralista, é que eles representam empresas e proprietários de terras no país, que movimentam R$440 bilhões entre a produção agrícola e pecuária. O capitalismo agrário brasileiro não é um negócio de famílias, embora elas continuem no poder em vários estados, comandando a máquina do Estado.
 
Dinheiro de todo lado 
É preciso considerar que nas últimas duas décadas, com a implantação das lavouras de soja e algodão no cerrado e, principalmente, a expansão acelerada do rebanho de bovinos, milhares de empresas do setor urbano, incluindo indústrias de todos os ramos, bancos, empreiteiras, comerciantes, ex-donos de redes de supermercados investiram no campo. Só para dar um exemplo: na década de 1980, com o Polo Centro, quando os militares liberaram incentivos fiscais para a ocupação de fazendas no cerrado, vários grupos calçadistas do Rio Grande do Sul compraram propriedades no Mato Grosso do Sul – Schmitt Irmãos, Reichert Calçados, Paquetá e, posteriormente, os irmãos Alexandre e Pedro Greendene, além da Siderúrgica Gerdau, que contava com mais de 50 mil hectares no município de Água Clara (MS), onde implantaram 30 mil hectares de pinus.
 
Assim também ocorreu com Bradesco, Votorantim e Ometto, na Fazenda Bodoquena, no Pantanal do rio Miranda, uma extensão muito maior do que 100 mil hectares. Ou banqueiros, como o já falecido Pedro Conde, do antigo BCN, comprou outros milhares de hectares no Pantanal do rio Coxim, onde hoje funciona a fazenda Novo Horizonte, administrada pelo genro, Marco Iatauro. Também no Pantanal, o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, comprou a fazenda Cristo Rei, de José Carlos Bumlai, com 116 mil hectares, e que era da equipe do ex-banqueiro Olacyr de Moraes (Banco Itamarati), que era o proprietário da Fazenda Itamarati, em Ponta Porã. Bumlai era o homem em Brasília que agilizava a liberação das verbas das obras da Constran, no orçamento federal. Na época, o senador Carlos Gomes Bezerra (PMDB) era o presidente da Comissão de Orçamento. Está na lista com três fazendas improdutivas.
 
Fundos estrangeiros
Entretanto, o capital investido no campo tem muitas origens, inclusive para lavagem. Quem controla a fronteira dos estados limites com Paraguai, Bolívia, Peru e Colômbia, onde estão implantadas fazendas dos dois lados? Na Fazenda Itamarati, de 50 mil hectares, hoje um imenso assentamento, a divisa com o Paraguai é uma estrada. Um boi no Brasil hoje vale no frigorífico em torno de R$1.700,00, contando a arroba a R$100, e o abate médio de 17 arrobas. Um caminhão de bois normalmente carrega 20 animais. São R$34 mil. No Brasil o abate oficial é de mais de 40 milhões de cabeças, para um rebanho acima de 200 milhões. Logicamente, a bancada é apoiada financeiramente pelos pecuaristas, aliás, 20 congressistas estão na lista da pesquisadora da USP como latifundiários.
 
Para completar o raciocínio. Na área agrícola, onde a associação das multinacionais Bunge, Cargill, ADM, Louis Dreyfus, as irmãs do agronegócio, que financiam os produtores rurais em troca de parte da safra, recebeu mais um reforço. Trata-se dos fundos privados, que captam dinheiro no mercado internacional e compram ou arrendam fazendas no país. Inclusive são os responsáveis pelo avanço da soja e do algodão no chamado MAPITOBA – inclui parte do Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia. Fundos como Tiba Agro, coordenado pelos ex-executivos do Bank Of America, Fábio Greco e Amauri Fonseca Junior, captaram mais de US$300 milhões e pretendem investir em 320 mil hectares. Ou o Brasil Agro já conta com 164 mil hectares. A SLC, uma sociedade de empresários gaúchos que fabricavam colheitadeiras em Horizontina (RS), pretendem plantar 400 mil hectares na próxima safra, se associou ao fundo inglês Valiance Asset Mangement, na empresa para administrar terras Land & Co. Mesma estratégia da Radar, empresa dirigida pela Cosan, hoje Raízen (sociedade com a Schell), que comprou 180 fazendas nos últimos anos e opera mais de 80 mil hectares, onde a maioria dos cotistas são estrangeiros.
 
Conflitos e mortes
Enfim, esses são, resumidamente, quem a bancada ruralista representa. Por isso mesmo, as prioridades políticas desse grupo de deputados e senadores, envolve a liberação de terras, tanto dos territórios indígenas, quilombolas, como de reservas e parques ecológicos. Também querem flexibilizar leis trabalhistas do setor rural, dar uma nova definição ao “trabalho escravo”, mudar as regras para o registro de agrotóxicos e de novos produtos alimentares, alterar a legislação de terras para facilitar a compra por estrangeiros e nas regiões de fronteira, renegociar as dívidas dos ruralistas. Acho que só não advogam a volta do trabalho infantil à noite, como acontecia na Inglaterra do século XIX, porque seria demais.
 
Nesse país imenso foram registrados no ano passado mais de mil conflitos envolvendo ruralistas, empresas, fundos, investidores e os moradores de localidades dos confins, índios, quilombolas, enfim, os despossuídos. Não tem lugar para eles onde esta máquina avassaladora toma conta. Não será a bancada ruralista que vai se sensibilizar com a morte 555 guaranis no MS em uma década, nem com 317 homicídios, embora suas famílias estejam cercadas pela soja, algodão ou por bovinos Nelore na região de Dourados. A empresa paranaense Jatobá Pecuária e Indústria é a segunda colocada do Ranking da Associação dos Criadores de Nelore do Brasil, que classifica os melhores criadores do país. A Fazenda Jatobá em Paranhos foi invadida pelos índios guarani kaiowá recentemente. É área indígena desde 2000. A terceira colocada é a Fazenda do Sabiá, de Alberto Vale Mendes, sócio da construtora Mendes Júnior.
 
O perfil da bancada
O perfil da bancada ruralista é o seguinte: maior número de deputados é de Minas Gerais com 24, do total de 53. As bancadas regionais do MS e TO tem a maior proporção de ruralistas 87,5%. Dos oito componentes das duas bancadas sete são ruralistas. No MT dos oito são seis ruralistas. A região Centro-Oeste tem o maior número de ruralistas – dos 41, 24 fazem parte. Mas a Região Sul, possui o maior número proporcional – 62,3%. Ou seja, dos 77, 48 são ruralistas, no caso do RS, dos 31 deputados l6 são da bancada. No Paraná, de 30, 21 pertencem a dita cuja. No nordeste, dos 151 congressistas, 63 são ruralistas. No Norte, dos 65, 29 compõe a bancada. No Sudeste dos 179, 44 são ruralistas. O partido com maior número de ruralistas é o PMDB – dos 78, 46 são, além de Três senadores. O bloco PSB, PTB e PC do B dos 62, 22 pertencem e um senador. No PP, dos 39 deputados 25 são ruralistas além de três senadores. No DEM, dos 27, 26 estão catalogados. No PSDB de 51, 25 participam. No PT dos 85, 14 votam com ela.
 
São 26 médicos ruralistas
Esta contagem foi feita pelas pesquisadoras da Universidade Federal de Santa Catarina Ivete Simionatto e Carolina Rodrigues Costa, do setor de Serviço Social, em um trabalho que aborda a questão dos dominantes na questão agrária. Um trecho:
 
“Os integrantes da bancada ruralista são de diferentes partidos, agem de forma pragmática, não representando ninguém, exceto eles mesmos. Se pode observar hoje na atuação da bancada ruralista é a prevalência de um projeto que privilegia os setores mais capitalizados da sociedade e utiliza o Estado como meio de cooptação, ou seja, de transformismo e de exercício da pequena política”.
 
A pesquisadora Sandra Helena G. Costa apresentou a sua tese de mestrado na área de Geografia Humana (USP) no final do ano passado. É um trabalho de fôlego, com 325 páginas de texto, fora os anexos. Dos 374 congressistas pesquisados- ela acrescentou 74 a uma lista do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar identificados com a bancada -, 118 declaram profissões ligadas a área agrícola ou pecuária – agrônomo, empresário rural, pecuarista, fazendeiro, técnico em agropecuária. Desses 59 declararam a profissão de pecuarista. Porém, alguns deles não declararam possuir rebanhos. Seis ruralistas são empresários: Dilson Sperafico (DEM-MS) e Dilceu João Sperafico (PP-PR), Sandro Antônio Scodro, ou Sandro da Mabel (PR-GO), Blairo Maggi, do Grupo Amaggi, Camilo Cola (PMDB-ES), grupo Itapemirim, Newton Cardoso (PMDB-MG), grupo que atua em mineração, siderurgia, agropecuária, silvicultura, João José Pereira de Lyra (PTB-AL), usineiro.
 
Na política como sempre
Na classificação por área, ela ainda identificou 25 políticos ligados a construtoras ou a empreendimentos imobiliários. Mais impressionante é o número de parlamentares médicos da bancada ruralista – 26. Na área de produção de grãos, plantio de eucalipto, cafeicultura, usinas de açúcar e álcool são 38. Vinte foram identificados como grandes proprietários de terras. Aprofundando ainda mais o poder dos políticos ruralistas a pesquisadora da USP identificou as famílias que dominam alguns estados ou regiões do país. Caso da família Caiado, em Goiás, que o tataravô foi vice-presidente da província e comandante da Guarda Nacional entrando na política nacional em 1985 e se mantendo até a atualidade. Também a família Cassol, em Rondônia, onde Reditário Cassol na época da ditadura assumiu o município de Colorado do Oeste e desde então dominam a política estadual. Casualmente ele é suplente do senador Ivo Cassol, seu filho, condenado recentemente por fraude em licitação pelo STF. Mais as famílias de usineiros nordestinos Calheiros, Brandão Vilela e Pereyra de Lira. Para completar a família Bezerra Coelho em Pernambuco, a família Rosado em Mossoró (RN) e a família Lupion, no Paraná, onde o avô Moisés Lupion deu o exemplo de como agir no campo ao atual deputado Abelardo Lupion, conhecido pelo projeto que pretendia enquadrar os ocupantes  de propriedades como terroristas. O avô era considerado o maior grileiro do Paraná.
 
Dos deputados citados 54 confirmaram o registro na antiga Aliança Renovadora Nacional (ARENA), o partido oficial da ditadura. Comenta Sandra Helena:
 
“- No âmbito da representação as nomeações para os cargos de prefeito durante a ditadura militar legou a este grupo influência na política local. Especialmente sobre áreas de terras a serem colonizadas em municípios do Norte e do Centro-Oeste... além dos bens patrimoniais herdados de seus ascendentes no sobrenome ‘herdam’ toda uma trama de relações de poder institucionalizado, que o eleitorado vai reconhecer através do voto”.
 
Senadora Kátia Abreu
Interessante é o caso da atual senadora Kátia Abreu, do Tocantins, onde foi presidente do sindicato rural de Gurupi, depois presidente da Federação de Agricultura e Pecuária, até ser eleita para a Confederação Nacional de Agricultura (CNA):
 
“O que intriga na condição desta senadora ruralista é o fato dela mesmo discursar em prol do agronegócio, ser tratada como pecuarista, mesmo que desde o ano 1998 não tenha mais declarado nenhuma cabeça de gado. Declara ser empresária rural, mas não há registro de nenhuma ação ou cota em empresa e o valor total do seu patrimônio é de R$437.182,19, com disponibilidade financeira de mais R$120 mil... poderia não ser este o total real dos bens da senadora, ou estaria amparado no latifúndio improdutivo, ao invés do agronegócio”, comenta Sandra Helena Costa.
 
Já o médico (ortopedista), professor, ex-presidente da União Democrática Ruralista, Ronaldo Caiado declarou à Justiça Eleitoral sete fazendas, que somam 5.172,2 hectares – uma fazenda de 795 hectares é posse. O patrimônio dele evoluiu de 2006 para 2010 de R$3.671.539,53 para R$5.950.666,62. O rebanho também evoluiu de 2.478 bovinos para 3.246 cabeças, além de 2.484 asininos (cabras), equinos, mulas. Adquiriu 15 cotas da Cooperativa de Crédito Rural, e já possuía cotas do frigorífico Goiás Carne.
 
A cultura do calote
Não posso terminar este texto, sem citar mais um trabalho consultado, a tese de mestrado de Orson José Roberto de Camargo, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Unicamp, na área de Sociologia, chamada “Elite Política Brasileira e a Renegociação das Dívidas do Crédito Rural – o caso da Bancada Ruralista”. Um dos baluartes da dita bancada parlamentar é a renegociação das dívidas, que ela trata desde que elegeu míseros 20 deputados na Constituinte de 1988, onde pretendia travar a reforma agrária. Ele analisou a MP 114, de março de 2003, depois transformada em lei 10.696, de julho do mesmo ano. A origem da iniciativa era renegociar as dívidas dos agricultores familiares, mini e pequenos, então inadimplentes. Com a atuação da bancada ruralista, já com 117 deputados, acabaram incluindo todos os produtores rurais. A renegociação das dívidas dos inadimplentes no crédito rural começou em 1995, quando fizeram uma primeira securitização. Depois em 1998, o governo FHC criou o Programa Especial de Saneamento de Ativos (PESA). Em 2001 houve uma segunda securitização e em 2003, fizeram a renegociação dos inadimplentes do PESA. Como registrou Camargo:
 
“Parte significativa dos grandes produtores rurais simplesmente se habituou a não pagar os empréstimos obtidos do dinheiro público, pois sabem que possuem uma forte base parlamentar de pressão que atua toda vez que há renegociação das dívidas. É a consolidação da cultura do calote”.
 
Entre 2000 e 2005 o governo federal despendeu R$ 15,9 bilhões somente com o financiamento e a equalização de taxas de juros do crédito rural, enquanto as despesas com as renegociações da dívida montaram R$ 9 bilhões. As renegociações que empurraram as dívidas mais de 20 anos, sempre foram cíclicas, mas Camargo anotou “um salto significativo da renda agrícola a partir de 2002 e, curiosamente, é justamente nesse período de maior ganho na lavoura que a inadimplência aumentou e optaram pela renegociação”. Em 2005 calculava-se que o estoque da dívida estava em R$30 bilhões, citando a versão do Ministério da Agricultura. Nas contas do Ministério da Fazenda passava de R$ 70 bilhões.
 
Enquanto renegociam as contas, advinha o que eles fazem com o lucro? Compram mais terra e mais gado. 

http://www.cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FPolitica%2FBancada-ruralista--tudo-pela-terra%2F4%2F29182
http://gizmodo.uol.com.br/video-timelapse-nicholas-buer/

O céu fica incrível visto do lugar mais escuro e mais nítido da Terra

nicholas buer timelapse
A região de San Pedro de Atacama, no norte do Chile, é um dos lugares mais bonitos e mais escondidos do planeta. Ele também tem o céu mais nítido e mais escuro da Terra. O fotógrafo Nicholas Buer foi lá para fazer um dos mais belos vídeos timelapse que eu já vi:
Ele conta que, além do céu limpo, o ar seco e os 2.600 m de altitude contribuem para ver melhor a dança dos astros lá no alto. Foram 12 dias de fotografia em um momento bastante propício, como Buer explica:
Eu visitei o local num momento em que Vênus estava muito próximo ao centro da Via Láctea, um evento astronômico que ocorre somente a cada 8 anos. Eu também fiz minha visita no equinócio de outono, uma boa época do ano para capturar a luz zodiacal – fenômeno celeste causado pela luz solar se espalhando na poeira do espaço interplanetário, ao longo das constelações do Zodíaco.
Mas não é fácil tirar fotos continuamente em um ambiente desses. Buer diz que os ventos traziam rajadas de poeira para ele e para o equipamento; a altitude o deixou com menos fôlego; e o ar terrivelmente seco também era um desafio. Além disso, ele passou dias comendo e dormindo bem menos que o normal. Bem, valeu a pena: ele diz com razão que “não teria feito diferente”.
Veja mais vídeos timelapse de Nicholas Buer no link a seguir: [Nicholas Buer]
Entrevista

"Não tem muita gente produtiva dando sopa"

Fernanda Nunes e Paulo Henrique de Noronha   (fernanda.nunes@brasileconomico.com.br) e (paulo.noronha@brasileconomico.com.br)
20/01/14 09:20
"Política com base só na Selic é pobre e cara para o governo", diz João Saboia, professor titular do Instituto de Economia da UFRJ. Foto: Maíra Coelho

Comunidade

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João Saboia, do Instituto de Economia da UFRJ, defende a qualificação técnica como alternativa para o crescimento da economia
Rio - Engenheiro por graduação - a economia aparece em seu currículo apenas no pós-doutorado, na Universidade de Paris -, o professor titular do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) João Saboia é um keynesiano por simpatia. Mas se preserva de qualquer rótulo. Isso explica porque defende a política da presidenta Dilma Rousseff de estimular o consumo das famílias, ao mesmo tempo que critica a escolha pela alta da taxa básica de juros como meio de controlar a inflação.
Para ele, o programa do governo de desoneraçãode alguns setores “é uma colcha de retalhos”. Já os programas sociais são considerados por Saboia uma marca positiva do governo petista, de menos peso nas contas públicas do que o aumento da Selic. Em sua opinião, o pessimismo que domina o noticiário é alimentado por economistas ortodoxos: “Para o povo, a economia vai bem”.
A aposta no mercado interno resultou em uma acomodação da indústria e chegou a comprometer a competitividade do setor?
O Brasil tem o privilégio de ter um mercado interno enorme, é uma característica brasileira que, principalmente em momentos em que a economia mundial está baixa, deve ser aproveitada. Não podemos nos dar ao luxo, em um país com 200 milhões de habitantes, de não dar atenção ao mercado interno. Mas é lógico que o país não pode viver só de mercado interno. Tem ainda a questão de que, se o produto nacional for ruim, vai ser desbancado pelo importado.
Alguns economistas chegaram a falar em desindustrialização nos últimos anos. É possível afirmar algo próximo disso?
Estou fazendo um trabalho para uma revista acadêmica que vai contra essa tese. Analisamos a indústria de transformação e a extrativa e usamos o conceito do IBGE de divisão do país em mesorregiões (subdivisão dos estados em municípios com similaridades sociais e econômicas) e vimos o que aconteceu a partir de 2003 para cá. Separamos a indústria em três grupos: a tradicional - que pega alimentos, calçados, madeira, coisas que em geral estão associadas a uma produtividade mais baixa ou a um menor desenvolvimento; a de commodities; e a difusora, que inclui automóveis, eletrônicos etc. Surpreendentemente, onde cresceram o emprego, os salários e o número de estabelecimentos foi, justamente, na indústria difusora. Ela é chamada assim porque difunde seus processos técnicos para outros segmentos. Isso mostra que a indústria não está tão mal assim, porque esses segmentos mais modernos foram os que cresceram mais nesse período. Eles têm mais produtividade e pagam os melhores salários. Mas tem um problema aí, que é a forte concentração dessa indústria nas regiões Sul e Sudeste do país. Se analisarmos o Nordeste, lá é só indústria tradicional, ou de commodities. A única exceção é Manaus (AM), onde tudo foi criado artificialmente e há uma indústria muito moderna com várias vantagens fiscais.
Mas o discurso da desindustrialização é coerente?
A indústria de transformação está tendo uma redução em termos de valor adicionado, de emprego, de tudo. E é isso que o pessoal associa à desindustrialização. Mas o que estamos constatando é o seguinte: se você abrir a indústria e ver o que está acontecendo, o resultado é positivo, é surpreendente.
Essa parte surpreendente representa a indústria?
A indústria brasileira é a tradicional. Mas tem um segmento mais moderno que se deu relativamente bem quando comparado aos outros.
Ou seja, a inovação é que faz a diferença?
Pois é... Porque esse é o segmento com maior nível de produtividade, o mais competitivo.
Se essa indústria consegue ser competitiva convivendo com os mesmos juros e impostos que as demais, significa que a questão tributária não é tão importante quanto o setor reclama?
A carga tributária aumentou muito nos últimos 20 anos e hoje tem um nível muito elevado, com relação, digamos ao Produto Interno Bruto (PIB). Ela cresceu bastante e, comparativamente, por exemplo, com a Argentina, é cerca de o dobro. Então, as pessoas têm toda razão de reclamar. A fome fiscal dos governos brasileiros tem sido enorme e a gente sente muito isso, porque bate no nosso bolso com o Imposto de Renda.
Mas como essa parcela da indústria consegue ser competitiva mesmo assim?
É uma boa pergunta. Eu não sei te responder. De repente, ela é menos competitiva do que poderia ser, devido à carga tributária.
Quanto da dificuldade atual pode ser atribuída ao ritmo mais lento da indústria?
A crise chegou tarde no Brasil. De 2004 a 2008, a economia estava crescendo bastante, a quase 5%, a gente até já se esqueceu disso. Aí veio a crise. O ano de 2010 foi atípico, após um 2009 muito ruim. Agora, estamos nessa situação, com um clima muito ruim, de muito pessimismo. Esse pessimismo é nosso, de alguns jornalistas, de alguns setores da economia. Para o povo, a economia está indo muito bem. Quando ele olha para trás, vê que a situação melhorou muito. A renda do pessoal mais pobre aumentou muito. E a média da população não está tão pessimista assim. Desde o governo Lula para cá, houve uma melhora importante.
O foco do governo de Dilma Rousseff é a indústria, justamente o que não está indo bem. O que deu errado?
A indústria está sofrendo uma concorrência estrangeira grande e isso vem lá de trás. A China produz a preço de banana e isso quase destruiu vários setores que tinham um nível de desenvolvimento mais baixo. O fato concreto é que, até 2008, a indústria vinha com um bom desempenho. Mas, após a crise, não conseguiu dar a volta por cima, com todo o incentivo do governo. É um problema de investimento - nossa taxa de investimento está muito baixa. É preciso modernizar mais a indústria e ter mais produtividade. A produtividade do trabalho cresceu muito pouco. Atualmente, a concorrência externa é grande em vários segmentos, como o de automóveis.
Mas não faltam incentivos do governo para isso.
O aumento da renda, que poderia estar dirigido ao consumo do produto brasileiro, está escapando para os produtos importados, há muito tempo. Agora o câmbio está desvalorizado, mas e há dois anos? A sensação de riqueza era enorme. A moeda valia muito, comprar produtos importados era muito barato. Agora estamos em um momento mais favorável para a indústria. Apesar de ela ainda não ter engatado, é favorável por causa do câmbio. Essa mudança pode dar um efeito positivo.
Ainda neste ano?
Isso é lento. A tendência é de favorecer a indústria em dois sentidos: de que ela se torne mais competitiva para vender os seus produtos a preços mais baixos e na redução da concorrência. Assim, é possível aproveitar mais o mercado interno. Ainda mais com a renda crescendo.
O real se desvalorizou ainda no primeiro semestre de 2013. Podemos esperar algum efeito já em 2014?
Como tendência, esperaria que tivesse algum efeito. Mas não sei se será já agora. Com esse câmbio já tendendo para R$ 2,40, R$ 2,50 (por um dólar), há vantagens para a indústria.
A Selic mais alta, em compensação, prejudica a indústria.
E, pelo jeito, vai continuar aumentando... Eu não gosto. A Selic está muito alta, se comparada ao padrão internacional. Ela está em 10,5%, com uma inflação de 6%. A taxa real está muito alta, demais de 5%. Qual país tem um taxa real de 5%? Isso segura a economia. O crédito fica mais caro. Mas economia é assim mesmo, cada vez que se mexe em um ponto, tem efeito sobre outro. O problema é que eu não sei até que ponto a alta da Selic é eficaz. Porque a inflação é muito localizada em alimentos. Até que ponto aumentar a Selic vai segurar a inflação de alimentos? Pode ser um problema de oferta (de alimentos). E a outra parte da inflação que é alta, a de serviços, em que os preços são determinados por oferta e demanda? Eu tenho dúvidas até que ponto é por aí. Alguns acham que é. É política monetária, ou fiscal. Se a política fiscal está mais frouxa, então, faça política monetária.
Qual seria a solução?
É possível fazer política monetária de outras formas. Têm as medidas macroprudenciais. Pode tentar controlar o volume de crédito, por exemplo, os depósitos obrigatórios dos bancos. Política monetária que fica basicamente em cima da taxa de juros é pobre, incompleta. E é muito cara. O governo tem que gastar menos. Aumentando a Selic em meio ponto, o quanto aumenta de juros, nessa brincadeira, que o governo tem que pagar? O pessoal fica discutindo se é a partir do déficit primário ou nominal que tem que ser medido. É claro que, se tem mais juros para pagar, é o nominal que cresce, e aí a coisa vai para o brejo. É preciso mostrar capacidade de estabilizar o coeficiente da dívida. Mas como estabilizar, pagando taxas de juros tão elevadas? Já está em um nível altíssimo. Estamos chegando nos nove meses (de defasagem entre a alta dos juros e reflexo na inflação). Agora, vamos ver o efeito.
A decisão de aumentar a Selic tem como objetivo comunicar o que a quem?
Aumentar juros é sinalizar à sociedade que o combate à inflação está sendo levado a sério. É uma mensagem de que a autoridade monetária considera a inflação muito alta e que ela tem que ser enfrentada. O recado é esse para a sociedade.
Será que a sociedade entende os efeitos da alta da taxa Selic?
A parcela da sociedade do setor produtivo, do financeiro, quem tem poder de controlar a economia do país, como as grandes empresas e os grandes bancos, é óbvio que entendem perfeitamente. O povão não está nem aí, nem lê jornal. O povão está interessado no seu bolso. E o bolso está bom. O bolso está crescendo, mesmo com essa inflação, os ganhos são reais. Qualquer fonte de dado, como a PME (Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE), demonstra que a renda média, até novembro (de 2013), continua superior à do ano passado.
O sr. acha que a atual política fiscal é eleitoreira?
Isso é um juízo de valor. Pode ser, ou não. A política fiscal tem uma questão da qual o governo não vai abrir mão, que é o custo dos programas sociais. Essa é a marca do PT. Não dá para querer que o PT seja o PSDB, porque não é. Isso interfere na política fiscal. Mas crescimento de juros interfere muito mais. Se compararmos o quanto se gasta com programas sociais neste país e no pagamento de juros da dívida pública, veremos que os programas sociais custam uma gota d'água.
O que dizer da eficácia das desonerações concedidas a alguns segmentos industriais?
O ruim dessas desonerações é que são pontuais, podem acabar a qualquer momento. É meio uma colcha de retalhos. De repente, um empresário de um determinado setor está reclamando de alguma coisa, ganha uma desoneração aqui, outra ali. É ruim. Parece que não há organização. É muito pontual e não sei dos seus efeitos. Em 2009, tudo bem, era fundamental, foi uma medida emergencial. Se a nossa economia caiu em 2009, poderia ter caído muito mais. Só que, de repente, virou uma política corriqueira. Alguns setores ficam reclamando: "Por que ele e não eu?". Vira uma questão de lobby mesmo.
Se a gente pensar assim, ninguém tem um lobby melhor do que o setor automotivo...
O segmento automobilístico é o coração da nossa indústria. Ela demanda produtos de todos os setores. E o volume é muito grande. Esse tem poder. As cidades estão todas cheias de automóveis, o trânsito está péssimo, e vai piorar cada vez mais. O segmento automobilístico tem muita força.
O programa Inovauto (de inovação no setor automobilístico) é um caminho alternativo à desoneração?
Tudo que seja no sentido de modernização, de melhoria técnica, deve ser incentivado porque o Brasil tem um problema de produtividade, que está muito baixa. Tem duas maneiras de crescer: ou se coloca mais gente para trabalhar, ou se aumenta a produtividade. E estamos numa situação que não tem muito mais gente para colocar para trabalhar.
É possível manter a taxa de desemprego tão baixa por muito tempo?
Acho que o desemprego não vai aumentar, pelo menos no curto prazo. Não tem muita gente produtiva dando sopa. Os empregos são gerados no comércio e nos serviços, que pagam menos e são menos produtivos.
Nesse sentido, o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) é muito bem-vindo...
O Pronatec é um excelente programa, porque a gente não tem tradição no Brasil de ensino técnico. As pessoas que concluem o ensino médio são generalistas. De forma geral, o ensino é de baixíssimo nível. O pessoal quer entrar no mercado de trabalho, consegue o diploma de ensino médio, mas, em geral, mal sabe fazer conta. Universidade não é para todo mundo, é para quem está disposto a continuar a estudar. Na verdade, não tem que ir todo mundo para a universidade. A população tem que terminar o ensino médio qualificada para o mercado de trabalho. É ótimo pegar a garotada e colocar no Pronatec. A alternativa é a pessoa se formar dentro da empresa, para aprender trabalhando. Mas, se puder aprender antes, melhor.
Educação ainda é um nó no Brasil?
Enorme! No passado, tínhamos analfabetismo, o que existe cada vez menos. Agora, tá todo mundo na escola. Mas que escola? Quem cuida da escola, no ensino básico, são as prefeituras, e tem todo tipo de prefeitura. Educação é fundamental. A saída da produtividade é por aí. Só é possível crescer a economia com o mesmo número de pessoas se elas se tornarem mais produtivas.
Há economistas que defendem o desemprego para melhorar a produtividade e, consequentemente, a economia...
O mundo ideal é aquele em que as pessoas são produtivas e que tem emprego para todo mundo. É isso que se almeja.
A taxa de desemprego está positiva, mas a renda média não é tão favorável assim, a ponto de estimular o PIB?
A renda média está crescendo, mas o patamar é baixo, de cerca de R$ 2 mil mensais. O salário mínimo vem crescendo desde o governo Fernando Henrique. Mas o crescimento com maior intensidade se deu no governo Lula. E agora temos essa regra, de dar reajuste baseado na inflação mais o crescimento do PIB. Com o PIB crescendo pouquinho, o salário-mínimo continua crescendo, só que pouquinho em termos reais. Neste ano, por exemplo, o aumento real do mínimo foi de 1%, que foi o crescimento da economia em 2012. Mas, naquele ano, o repasse foi de 7,5%. Se a inflação permanecer alta, vai haver um ganho salarial mínimo. Isso quando passou a valer essa regra, porque antes não tinha regra nenhuma. Antes, o pessoal discutia no Congresso e dava um reajuste. Então, houve um crescimento muito grande. Nos últimos dez anos, dá quase 100% de aumento. Isso é uma revolução no país, porque mexe com o mercado de trabalho e com todo mundo que está aposentado. É um aumento do poder aquisitivo fantástico.
E mexe com o mercado de consumo...
É claro. O que vem segurando a economia é o crescimento do consumo das famílias. Você olha os dados das contas nacionais, é o consumo das famílias que vem crescendo há mais de 40 trimestres, quase dez anos. O consumo das famílias está segurando a economia. Mas uma economia não pode ser segura só por consumo familiar. Ela tem que ser sustentada por uma combinação de consumo das famílias e investimento. Aí que volta o problema, tem que ter um aumento dos investimentos, que ainda estão muito limitados no país, crescendo pouco.
O sr. falou em uma revolução na questão do salário-mínimo. Já que o PIB não está crescendo mais na mesma intensidade, podemos prever um freio nessa revolução?
Acho que sim. Mas, de qualquer maneira, o positivo é que o mínimo sempre será reajustado acima da inflação. Porque mesmo no ano em que ele teve crescimento negativo, o governo não teve coragem de jogar para baixo o salário-mínimo. Por isso, acho que o pessoal preocupado com a legislação do salário-mínimo devia baixar a bola. Em geral, a preocupação é com as contas públicas. Eles não têm coragem de dizer: "O salário-mínimo está altíssimo, vamos baixar o mínimo". Eles dizem o seguinte: "Como salário-mínimo aumentando, as contas públicas do governo pioram; então, tem um problema fiscal, porque você gastaria mais do que deveria etc.". Mas acho que o pessoal deveria se acalmar, porque não prevejo nenhum aumento importante para o salário-mínimo até 2016, que será o reajuste baseado no crescimento deste ano de 2014. Essa não é uma questão importante para o pessoal que está aí tão preocupado com a reavaliação da legislação do salário-mínimo, prevista para o final de 2015. Isso não vai ser nenhum problema do ponto de vista de contas públicas.
Essa redução do mínimo vai influenciar o consumo? Podemos esperar uma queda no consumo das famílias até 2016?
Não irá reduzir, vai crescer menos. Provavelmente, irá desacelerar, mas não a ponto de reduzir o consumo das famílias.
O que o governo poderia fazer para estimular o investimento?
Deveria ser feito um esforço enorme para criar um clima favorável. Tem um lado muito pessimista, esse é o problema. Há uma desconfiança muito grande que tem que acabar. O governo tem que dizer claramente o que quer. A gente precisa, urgentemente, ter mais otimismo e repassar isso para quem toma as decisões de investimento, ou seja, para os empresários. Eles precisam sentir mais segurança no governo, que tem que passar mais firmeza a eles. O governo tem que dizer, sem ter vergonha, o que pensa e o que quer, de tal maneira que os empresários acreditem naquilo. Eles não podem ficar na dúvida.
A alta da Selic vai um pouco nesse sentido, não?
É. Mas a alta da Selic é do Banco Central. O BC, em princípio, está preocupado com a inflação, não é governo. Pormais que não haja autonomia total, em princípio, o Banco Central está cuidando da política monetária.
O senhor está pessimista?
Está chato ler jornal, ver as pessoas discutindo. Há um grupo majoritário de economistas mais ortodoxos, que têm muita força, que dominam as notícias, os meios de comunicação, que pensam muito parecido. Eles são contra o governo, têm outra visão. Eles querem ter o Aécio (Neves, senador do PSDB) lá (na Presidência da República). Poderia dizer que eu estou pessimista no curto prazo, mas acho que, no longo prazo, o país vai melhorar muito.

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