Entrevista:
Laura
Kipnis
Contra
o amor
A
pesquisadora americana diz
que a obrigação de se
apaixonar
tornou
as pessoas mais infelizes
Diogo
Schelp
A
americana Laura Kipnis, professora de comunicações
na Universidade Northwestern, em Illinois, nos Estados Unidos, contesta
alguns dos conceitos mais sagrados da sociedade, como o amor, o
casamento e a monogamia. Em Against Love – A Polemic
(Contra o Amor – Uma Polêmica, que será publicado
neste ano no Brasil), livro de grande repercussão lançado
em 2003 nos Estados Unidos, ela diz que, no mundo moderno, o amor
passou a ser visto como a solução para as dúvidas
existenciais do ser humano – e que isso é uma tremenda
encrenca. A expectativa quanto à felicidade que o amor deve
proporcionar complicou o casamento e outros tipos de relação
estável, pois exige do casal um esforço inédito
para que as coisas dêem certo. Para a professora, essa nova
realidade é uma enorme fonte de stress e depressão.
Autora de outros dois livros que analisam as relações
entre sexualidade e política, ela prepara agora um volume
sobre escândalos sexuais. Laura – que tem 47 anos e está
solteira, mas já passou por longos relacionamentos –
falou a VEJA de Chicago, onde mora.
Veja
– O
amor traz felicidade?
Laura
– Não
exatamente. A idéia de que o amor leva à felicidade
é uma invenção moderna. A gente aprende a acreditar
que o amor deve durar para sempre e que o casamento é o melhor
lugar para exercê-lo. No passado não havia tanto otimismo
quanto à longevidade da paixão. Romeu e Julieta
não é uma história feliz, é uma tragédia.
O mito do amor romântico que leva ao casamento e à
felicidade é uma invenção do fim do século
XVIII. Nas últimas décadas, a expectativa quanto ao
casamento como o caminho para a realização pessoal
cresceu muito. A decepção e a insatisfação
cresceram junto.
Veja
– Ou seja, enquanto antes as pessoas sofriam porque
os casamentos eram arranjados, hoje sofrem porque acham que devem
encontrar a pessoa ideal?
Laura
–
Exato. Imagine alguém dizer que é contra o amor. É
considerado um herege. As propagandas, as novelas, os filmes, os
conselhos dos parentes, tudo contribui para promover os benefícios
do amor. Deixar de amar significa não alcançar o que
é mais essencialmente humano. O casamento é envolto
pelo mesmo tipo de cobrança. E, quando cai por terra a expectativa
do romance e da atração sexual eternos, surge a pergunta:
"O que há de errado comigo?". O diagnóstico dos terapeutas
é "inabilidade para se estabelecer" ou "imaturidade". Não
é à toa que as pessoas consomem cada vez mais antidepressivos.
A questão que eu coloco é: talvez o problema não
seja do indivíduo, mas da incapacidade do casamento em cumprir
as promessas de felicidade.
Veja
– E por que o casamento não satisfaz?
Laura
–
O casamento transforma pessoas agradáveis em tiranos domésticos.
Criticar os hábitos do parceiro torna-se a conversa-padrão
do casal e a diversão favorita passa a ser modificar o comportamento
do cônjuge. Existe algum momento na vida do casal que não
seja permeado por regras, desde o modo como você coloca os
pratos na máquina de lavar louça até o que
pode dizer em uma festa? Nos Estados Unidos, apenas 38% das pessoas
consideram-se felizes em seu casamento.
Veja
– Se casar é tão ruim, por que há
tanta gente que tenta duas, três vezes?
Laura
–
Essas pessoas provavelmente acreditam que o problema não
esteja na instituição em si ou nas suas expectativas
impossíveis. Para esses otimistas, o problema é que
por algum motivo eles falharam em encontrar a pessoa certa ou cometeram
algum erro. Ficam imaginando: "Se eu tivesse colocado as meias no
cesto de roupa suja em vez de largá-las no corredor, tudo
teria dado certo".
Veja
– A instituição casamento vai desaparecer?
Laura
– Nos
Estados Unidos, o índice de divórcio é de 50%,
o que dá uma idéia da fragilidade da instituição.
Além disso, a proporção de casas sustentadas
por solteiros está aumentando. Mas eu não acho que
a instituição casamento vá acabar. Vai, isso
sim, mudar muito. A primeira mudança é econômica.
Cada vez mais os cônjuges têm independência financeira
um do outro. A segunda mudança é que mais e mais jovens
estão tratando seu primeiro casamento como algo temporário.
Ou seja, as pessoas começam um casamento no qual elas já
imaginam que não vão ficar. É só mais
uma experiência de vida.
Veja
– No entanto, os gays lutam para ter o direito de se
casar. Por quê?
Laura
– Há
um claro motivo prático. Eles buscam os mesmos direitos a
benefícios sociais que a sociedade dá aos heterossexuais.
Há também uma razão simbólica. Afinal,
se o casamento gay é aprovado legalmente, significa que o
governo está testemunhando e endossando uma opção
de vida. Algumas pessoas consideram isso importante. Eu sinceramente
acho que não leva a nada. É surpreendente que esse
seja o resultado da liberação homossexual, conquistada
com tanta luta e enfrentando tantos preconceitos. Qual é
o valor de o governo se envolver no relacionamento dessas pessoas?
Veja
– Como salvar um casamento?
Laura
–
Aí é que está. Para que tentar salvar um casamento
fracassado? A verdade é que há uma indústria
enorme que lucra com a infelicidade no casamento. Você tem
drogas como o Viagra, para resolver o problema da falta de desejo,
tem terapia, livros de auto-ajuda, pornografia para casais e antidepressivos.
A impressão que se tem é que o maior beneficiado com
a manutenção do casamento não é o indivíduo
em si, mas a sociedade em geral. O indivíduo está
cada vez mais estressado e deprimido porque é infeliz no
casamento.
Veja
– Não vale a pena esforçar-se para que
um relacionamento dê certo?
Laura
– Não
é isso. Apenas espero que as pessoas tentem descobrir quem
realmente lucra com esse esforço. Impressiona como a retórica
da fábrica está se tornando a linguagem do amor. Abra
um desses livros de auto-ajuda que pretendem salvar casamentos ou
preste atenção nas expressões que os terapeutas
usam. Todos dizem que temos de "trabalhar com mais intensidade a
relação" ou "nos esforçar mais pelo sucesso
do casamento". Virou lugar-comum dizer isso. Quer coisa mais desestimulante
do que "trabalhar" a questão sexual com seu parceiro? Se
é assim, se sexo e amor são trabalho, precisamos saber
quem está lucrando com isso.
Veja
– Qual o papel do adultério na sociedade?
Laura
–
Os seres humanos são animais que procuram o prazer. Claro
que na maior parte do tempo temos de renunciar a isso. Afinal, usamos
roupas e não saímos por aí fazendo sexo com
todo mundo. Mas a questão é: quanto de renúncia
de nossos desejos a sociedade exige, em relação à
quantidade de gratificação que ela nos dá em
troca? O adúltero provavelmente acha que a renúncia
exigida é grande demais. Temos de reconhecer que, se o casamento
não está entregando a felicidade prometida, é
natural que as pessoas procurem outras fontes compensatórias
de satisfação, seja no adultério, seja em doses
triplas de martíni.
Veja
– A senhora é uma entusiasta do adultério?
Laura
– Não,
absolutamente. O adultério é apenas um complemento,
uma vazão para os desejos mais básicos do ser humano,
mas não muda o cerne do problema, que é o casamento.
Na verdade, o adultério sustenta o casamento e permite que
aquela situação de infelicidade persista. É
apenas uma forma de protesto à lei da fidelidade, mas não
tem potencial transformador. Para mudar alguma coisa, deveria ser
um protesto aberto. Mas é óbvio que é secreto.
Talvez seja interessante ver o adultério como um jeito improdutivo
de experimentar o amor, desprovido da ética do trabalho que
tanto impregna os relacionamentos nos dias de hoje.
Veja
– Nelson Rodrigues, um dramaturgo brasileiro, escreveu
que a fidelidade deveria ser opcional, não obrigatória.
A senhora concorda?
Laura
–
Concordo. Na maioria das vezes as pessoas optam pela fidelidade,
ao mesmo tempo que a consideram uma obrigação. Há
tanta pressão social nesse terreno que é difícil
separar o que é opção pessoal do que é
imposição. Há duas formas de pressão
pela fidelidade. A primeira, entre quatro paredes, é o ciúme,
um sentimento inquestionável. Ninguém gosta que o
parceiro olhe para outra pessoa. E muitos se sentem no direito de
controlar os movimentos do companheiro, para ter certeza de que
não estão sendo traídos. Claro que isso é
fruto da insegurança e do medo de ser abandonado. Pode ser
um paradoxo, mas os desejos do parceiro acabam se tornando uma ameaça.
A outra forma de pressão pela fidelidade é social.
A sociedade é baseada no princípio de que o desejo
pode ser controlado. Por isso, o desejo expresso fora do casamento
é anti-social, porque ele promove instabilidade, em oposição
a um relacionamento estável.
Veja
– O mesmo vale para a pornografia?
Laura
– A
pornografia é central em nossa cultura. Nos Estados Unidos,
movimenta uma indústria de 9 bilhões de dólares.
E está se tornando cada vez mais disponível com a
popularização da internet. Há um aspecto utópico
na pornografia. Sua regra é a transgressão. Como as
pessoas não estão recebendo tanto prazer como desejam,
porque a expectativa em relação ao sexo vai além
do que a realidade oferece, elas procuram a resposta para sua realização
pessoal em outro lugar. E é nisso que a pornografia se aproxima
do adultério: ambos são complementos que ajudam a
sustentar relacionamentos estáveis e insatisfatórios.
Veja
– Esses complementos podem ter conseqüências
bastante destruidoras, não? O presidente americano Bill Clinton,
por exemplo, quase sofreu um impeachment por seu relacionamento
com uma estagiária.
Laura
– Não
foi exatamente o adultério que colocou Clinton em maus lençóis,
mas o fato de ter arriscado tanto por tão pouco. Os americanos
não se conformavam que seu presidente pudesse ter colocado
o cargo em jogo por um desejo íntimo. É incrível
também que muitos dos membros da comissão empenhada
no impeachment de Clinton eram, eles mesmos, adúlteros. Os
escândalos sexuais têm uma função interessante:
a população, de modo geral, não confia nos
políticos, mas nem sempre tem oportunidade de comprovar isso.
A revelação dos escândalos privados dos políticos
serve para os eleitores poderem dizer: "Eles realmente não
falam a verdade". Ou seja, o foco é deslocado do âmbito
político para a vida privada apenas por uma necessidade da
população de comprovar suas suspeitas.
Veja
– Homens traem mais que mulheres. Por quê?
Laura
–
Os biólogos fazem pesquisas tentando demonstrar que o homem
tem uma tendência natural à poligamia. Mas as estatísticas
mostram que, quanto mais as mulheres avançam no mercado de
trabalho, mais elas traem. Ou seja, a independência financeira
dá mais liberdade e mais oportunidades para as mulheres pularem
a cerca. Logo elas alcançam os homens também nesse
quesito.
Veja
– Solteiros são mais felizes que pessoas casadas?
Laura
–
Aparentemente não. O solteiro é tratado como um perdedor.
Estava assistindo a Sex and the City (seriado americano cujas
personagens principais são solteiras) ontem à
noite e essa era justamente a questão que estava sendo colocada.
É difícil falar de felicidade se você vai contra
a norma social, que é casar-se e constituir um lar tradicional.
Veja
– O sexo é mostrado de maneira cada vez mais
natural e aberta. Em sua opinião, vivemos em uma sociedade
demasiadamente sexualizada?
Laura
–
Sim, e de maneira contraditória. O sexo é apresentado
como um símbolo da liberdade para vender produtos. Até
cantores e cantoras usam o corpo para vender sua música.
Ao mesmo tempo, não há indícios de que as pessoas
estejam fazendo mais e melhor sexo. O sexo, da maneira como é
mostrado atualmente, está se tornando cada vez menos sexy.
Veja
– A senhora concorda com os psicólogos que dizem
que a forma ideal de educar uma criança é em uma casa
com pai e mãe?
Laura
–
Isso é balela. É só mais um argumento para
perpetuar o casamento. Crianças criadas em casamentos infelizes
não vão ficar melhores ou ter uma infância melhor.
Esse é o problema. Todo o foco no que se refere ao bem da
criança é colocado na forma como os pais se relacionam
– se vivem juntos ou não ou se a mãe é
solteira, por exemplo. Pouca atenção é dada
a outros fatores mais importantes para o desenvolvimento da criança,
como a condição socioeconômica da família.
Veja
– A
senhora é casada?
Laura
– Não.
Eu não gosto de responder a questões pessoais. O que
posso dizer é que passei boa parte da minha vida em longos
relacionamentos. Sou muito romântica. Acho que apaixonar-se
é o sentimento utópico mais interessante que existe.
Àqueles que acabaram de se apaixonar, o que posso dizer é:
"Boa sorte, vão em frente. Só não esperem que
vá durar para sempre".
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