segunda-feira, 21 de julho de 2014

LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO

Feiura paulistana

Temos um novo Plano Diretor e a beleza
da cidade não fez parte do debate que
cercou sua aprovação
A revista "Monolito" dedicada a Higienópolis, bairro central de São Paulo, não mostra
só o tom modernista de um movimento arquitetônico capaz de erguer lindos prédios e,
como diria Caetano, destruir belas casas. Permite observar a perturbação estética
causada pela fiação exposta, pelas grades desproporcionais e por uma medonha rede de
cercas elétricas instaladas para iludir moradores.
O edifício Louveira, desenhado por Artigas e Cascaldi, mantém a transparência original
da fachada e nem por isso seus habitantes são assolados por invasões.
Grades gigantescas e redes eletrificadas são inúteis porque assaltos em condomínios
não são cometidos por transeuntes e saltadores. A paranoia da violência enfeia a
paisagem.
Já a quantidade assombrosa de postes e fios que aumenta todos os dias, praga urbana
que mutila as árvores e polui o olhar, é fruto da tolerância e da corrupção do poder
público.
Temos um novo Plano Diretor e a beleza da cidade não fez parte do debate que cercou
sua aprovação.
Maluf é muito mais do que um minuto na TV em período eleitoral. Fixou um estilo
assimilado por todos partidos políticos, sem exceção: governar é fazer obras para o
sistema viário. O Minhocão é o marco destruidor.
Tudo pelo automóvel, nada pelo pedestre.
No site da prefeitura as calçadas têm dois metros de largura: setenta centímetros
reservados para serviços (iluminação, árvores, floreiras, lixeiras, telefones, bancos), um
metro e vinte de faixa livre, sem desnível ou obstáculo. Quem anda a pé, além de
verificar a sujeira e a falta de conservação, sabe que é mentira.
Ampliar ruas, diminuir calçadas, surrupiar espaços de horizonte e convivência, anistiar
irregularidades. É assim que se governa São Paulo.
Para onde se olha, é feiura. Vejam o que foi feito da avenida Santo Amaro e das
margens dos rios. A rua Angelina Maffei Vita atravessa as laterais do Shopping
Iguatemi, do Clube Pinheiros e do Hebraica, três símbolos da elite paulistana, mas um
cadeirante ou um carrinho de bebê não tem como contornar aqueles quarteirões: há
trechos, ao lado do Clube Hebraica, em que a distância entre muro e poste é pouco
maior do que uma régua escolar. Pedestre não é bem vindo.
Automóvel é pior que cigarro, mas a politica de benefícios fiscais para a indústria
automobilística, inspirada no jeito Maluf de gerir, despeja milhões de veículos em
cidades que deles precisariam se livrar. Se os ônibus são mais rápidos nos corredores,
os coletivos e as calçadas que dão acesso às paradas são destinados à mobilidade de
gente pobre, que, na visão dos administradores, deve se contentar com porcarias e
desconforto.
A aparência de São Paulo é horrorosa e poderia ser diferente. A beleza, sim, é valor
democrático. A chave da recuperação estética da cidade passa por atitudes singelas e
drásticas. Habitações populares podem não ser áridas. Obrigar o enterramento de fios.
Aumentar calçadas, reduzir locais de estacionamento, desalojar postos de gasolina,
multar mais, muito mais: transformar a vida de quem se locomove com o próprio carro
em um saudável inferno.
É preciso exorcizar este "malufinho" que existe em nós e que inspira de síndicos a
criadores de políticas públicas.
lfcarvalhofilho@uol.com.br

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