quarta-feira, 11 de maio de 2016

MARINA LIMA
“Conquistei o amor aos 60”

Com 35 anos de carreira e disco novo, a cantora revela que nunca tinha sido feliz numa relação e teve esse "bônus" na maturidade. Pretende casar e ter filho, e diz que falar sobre homossexualidade no Brasil é mais confortável hoje

por Gisele Vitória
Edição 27.01.2016 - nº 2407
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É como nos versos de um de seus sucessos dos anos 80. Vem chegando o verão e o calor no coração de Marina Lima nunca teve tanta magia colorida. Coisas da vida, aos 60 anos. Com 35 de carreira e 20 discos, a cantora lançou o acústico “No Osso” e, na curva dos sessentinha, conta que ganhou pela primeira vez “o bônus” de ser feliz no amor.

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BRASIL 
”Sou contra o impeachment, mas talvez fosse bom para o País se 
Dilma renunciasse. Na minha leitura, não seria uma fraqueza”

Há três anos, ela namora a advogada Lídice Xavier e com ela pretende se casar e ter um filho. A cantora, uma das principais vozes em defesa da homossexualidade como direito individual, acredita que a batalha contra o retrocesso tem como trunfo a voz das ruas.

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”Eduardo Cunha declarou guerra às mulheres independentes. Ele declarou
guerra a mim. Mas a reação nas ruas foi um belo exemplo”

Em 2015, ela vibrou com a reação das mulheres ao presidente da Câmara dos Deputados. “Eduardo Cunha declarou guerra às mulheres independentes e declarou guerra a mim”, diz. Marina acompanha com interesse o momento brasileiro. “O Brasil parece um filme de ficção”, acredita a cantora.

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”Antes, uma relação gay parecia um eterno namoro. Isso é bom, mas quando 
você fica mais velha, quer deixar inventário, construir família. Ter isso legalizado 
é vital. É o que torna o mundo mais civilizado para todos”
ISTOÉ –
 Como a sra. está acompanhando o momento político brasileiro?
Marina Lima –
 O Brasil é um filme. Parece um enredo de ficção. Nunca me interessei tanto por política. Sempre foquei nos direitos individuais e de liberdade, dos negros, das mulheres, dos gays. E aí surge um juiz no sul (Sergio Moro), que começa a equilibrar a questão ética. E você descobre que a polícia federal está trabalhando. Descobrimos que a Câmara é uma loucura e que não há razão para o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, estar lá. Um senador é preso. E aí o Cunha deflagra o processo de impeachment da presidente quando vê que não terá votos na comissão de ética. É inacreditável. Esse “filme” tem a ver com a vida de cada um. A internet aproximou a política das pessoas. A carta do Temer para Dilma está na internet para quem quiser ler. Vemos o quanto essa política rege nossa vida. A Câmara, na calada da noite, aprova uma lei que diz que a família é formada por homem e mulher, quando o mundo caminha na direção contrária. É surreal.
ISTOÉ –
 A sra. é a favor do impeachment?
Marina Lima –
 Pelo que leio e dentro do que entendo, não há elementos para o impeachment. Mas talvez fosse bom para o País se Dilma renunciasse. Vivemos numa situação impossível dela governar. Minha leitura é que a renúncia não seria uma fraqueza. Mas ela não vê assim, e não vejo chance de acontecer.  Acho que ela é honesta, mas tudo conspira contra ela. Até por ela ser mulher.
ISTOÉ –
 E o momento positivo para as mulheres na luta por seus direitos?
Marina Lima –
 Estou gostando. A reação contra o Cunha foi um belo exemplo. Foi proibida pela Câmara a pílula do dia seguinte. E mais ou menos foi dito que estupro não era motivo para a mulher abortar. Com isso, ele declarou guerra às mulheres independentes. Cunha declarou guerra a mim. Mas aprendemos que eles têm pavor da voz das ruas, que é o caminho. Vejo que onde há crise pode haver mudança.
 
ISTOÉ –
 A sra. se posicionou no movimento do primeiro assédio?
Marina Lima –
 Não vivi assédio. A primeira vez que tive uma experiência de liberdade sexual, eu consenti. Tinha 17 anos. Foi num avião, e permiti. Seria mentira falar que foi assédio. Mas é preciso falar dos traumas. Mulheres passaram anos caladas, sofrendo. 
ISTOÉ –
 A sra. vê avanços concretos nas leis para as uniões homoafetivas?
Marina Lima –
 Sim. Os americanos estão mais avançados. É um assunto que está nos debates presidenciais. O Brasil também avançou. Todo mundo que paga imposto é cidadão, pode ter uma união civil, plano de saúde, pode deixar herança. Antigamente, uma relação gay parecia um eterno namoro. Mesmo mais sérias, as relações não podiam ter aparato. Um eterno namoro é bom, mas quando você fica mais velha, quer deixar inventário, construir família. Ter isso legalizado é vital. É o que torna o mundo mais civilizado para todos. Não gosto de me expor, mas tomo posições. Quando vejo que minha vida privada pode ajudar alguém a se sentir melhor na própria pele, tenho certeza que devo falar. Se for por mera exibição, não tenho tanto interesse.
ISTOÉ –
 Das cantoras brasileiras, a sra. foi uma das primeiras a assumir a sua homossexualidade. Isso ajudou?
Marina Lima –
 Nunca deixei de me colocar. Outro dia, vi o filme sobre o Chico Buarque. Uma jornalista pergunta: “O sr. é homossexual?” Ele diz: “Se eu disser que não, parece que estou me defendendo. E não tenho que me defender”. Eu me identifico com essa postura.
ISTOÉ –
 Se lhe pergunto se a sra. é homossexual, o que responderia?
Marina Lima –
 Diria que na maioria do tempo, sim. Não posso dizer 100% do tempo. Coisas acontecem. Pessoas quebram regras. O importante é a pessoa ter direitos. Um negro entrar pela porta da frente, poder ser como Joaquim (Barbosa). Mulher poder ser presidenta. Uma pessoa pode ser gay, se quiser. É mais a ética do que a moral. 
ISTOÉ –
 A sra. sofreu preconceitos?
Marina Lima –
 Claro que sim. Tem muita gente que não gosta de mim. Às vezes até uma colega ou um colega pode não gostar do que eu digo.
ISTOÉ –
 É verdade que a cantora Gal Costa teria ameaçado processá-la por ter declarado que teriam tido uma relação anos atrás?
Marina Lima –
 Dizem. Não sei.
ISTOÉ –
 O que aconteceu de fato?
Marina Lima –
 Dei uma entrevista onde falava da minha vida, que sempre foi muito liberal. Meus pais são nordestinos, intelectuais e nunca ninguém se meteu na minha vida sexual. O importante era eu ser verdadeira, estudar, ser justa. Isso foi um respeito à minha liberdade. E citei como exemplo uma história que tive com uma cantora, que foi uma coisa importantíssima na minha vida, que aprendi muito e que meus pais nunca se meteram. Foi isso. Para mim, aquilo era a liberdade que eu aprendi. Não imaginei que causaria um problema. Falei de uma memória, que é para mim motivo de orgulho. Os baianos foram importantes na minha liberdade. Aprendi com Caetano, com Dedé, primeira mulher dele. Com Gil. São pessoas muito à frente. 
ISTOÉ –
 Como é ter 60 anos?
Marina Lima –
 Eu conquistei os 60. Vou para frente na fila do avião. Pago meia entrada. A única coisa estranha é que tenho mais dor na lombar. Fora isso, uns cabelos brancos. Sempre gostei de parecer mais velha. Meu dia chegou.
ISTOÉ –
 E o amor aos 60?
Marina Lima –
 Não fui uma pessoa sortuda no amor. Só agora isso mudou. As coisas vem quando você merece, quando está pronta para viver. Estou vivendo uma relação que tem a ver com isso. Amo e estou apaixonada. É alguém que me entende. Conquistei o amor perto dos 60. Não achei que aconteceria, mas veio. Tive esse bônus.
 
ISTOÉ –
 Quem é ela?
Marina Lima –
 Não é uma pessoa conhecida. É uma advogada, seu nome é Lídice. Estamos juntas. Ela é meu amor. Nunca tive nada assim. Tive paixões, desencontros. Foi a primeira vez que me deparei e percebi: nossa, o amor pode ser assim. Faz três anos. É muito rico. Estou felicíssima. Tomo vinho toda noite. Agora, não esqueça, aos 60 anos, tem a dor na lombar… (risos) Faço pilates. É importante ter consciência corporal para envelhecer bem. 
ISTOÉ –
 O amor chegou tarde?
Marina Lima –
 Não sei se o amor chegou tarde. Chegou na hora certa. Passei anos pensando: puxa, sou uma pessoa justa e por que não sou feliz no amor? Hoje, entendo e me coloco melhor no lugar do outro. Imagino que seja difícil se relacionar comigo. Tem a coisa da fama. Minha carreira é extensão do que sou. Não há deslumbre. Não saberia ser uma pop-star. Não aguentei isso. No auge, briguei com isso e me dei ao direito de sair.
ISTOÉ –
 Falar sobre sua homossexualidade era mais difícil?
Marina Lima –
 Hoje é mais confortável. Muita gente fala. Não sei se era mais difícil. Nem mesmo era perguntado. Tudo mudou. Hoje eu não sinto como uma invasão você me perguntar.
ISTOÉ –
 E se casará no papel?
Marina Lima –
 Provavelmente. Ela quer ter filho. Se tivermos, acho que casamos.
ISTOÉ –
 E como é ter filho aos 60?
Marina Lima –
 A questão de filho para mim foi aos 40. Tive dúvida, depois decidi que não daria luz e isso saiu da cabeça. Com essa união, se ela quer ter filho, nós vamos ter. Não sei se adotaremos ou se ela dará à luz. Depende mais dela. Eu já disse que topo.
 
ISTOÉ –
 A sra. se imagina trocando fralda, pensando em escola?
Marina Lima –
 Por essa relação, imagino.
ISTOÉ –
 O novo disco tem a ver com este momento?
Marina Lima –
 O disco é isso. É um disco relevante nesses 35 anos de carreira. É voz e violão. Há músicas novas, e um remix. Meu próximo disco terá muita música eletrônica, mas era importante fazer este disco e fazer valer meus 35 anos de carreira. Escolhi as músicas que marcaram minha trajetória. Por ser compositora, o violão sempre esteve comigo. E a minha voz hoje é esta. Se não gostarem, comprem os discos antigos. Agora sou assim. 
 
ISTOÉ –
 Lhe constrange ouvir “Marina não tem mais a mesma voz”?
Marina Lima –
 Não me constrange. Se fosse assim, não teria feito esse disco. Fiz o disco até para liberar as pessoas. Se você não acha mais que canto como você gosta, está liberado. Não é problema.
ISTOÉ –
 Quanto tempo de análise?
Marina Lima –
 Não faço análise há sete anos. Mas foram 40 anos de análise. Não vim para agradar, mas tomara que eu agrade. Não faço uma música por noite. Faço uma a cada seis meses. Não quero ficar imitando o que eu era. Não tenho interesse. Por quatro discos, esse foi o assunto. Fiz o disco para isso: querem falar sobre a voz? Vamos falar e encerrar o tema. Quero liberar as pessoas e me liberar.
ISTOÉ –
 Sentiu-se patrulhada?
Marina Lima –
 Muito. Mas nunca elogiaram minha voz. Foi sempre o conjunto: voz, jeito, estilo, opiniões. 
ISTOÉ –
 Há quanto tempo ocorreu problema nas cordas vocais?
Marina Lima –
 Isso foi em 1997. Há 19 anos. Quando tive o problema, não conseguia nem falar. Tinha falta de ar. Houve vários discos depois. Tudo foi fruto da insatisfação com a carreira de cantora pop. Tive problemas com a banda, com a empresária, tudo ao mesmo tempo. Cancelei shows. Culminou num estresse que afetou a voz. Não foi uma doença específica. Hoje vejo que a vida é inteligente. Sucumbi a uma série de coisas porque não queria continuar como estava. São 35 anos de carreira, 20 discos. O próximo será como tenho vontade de fazer.

http://istoe.com.br/445146_CONQUISTEI+O+AMOR+AOS+60+/

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