segunda-feira, 1 de novembro de 2021

 

OS PREFÁCIOS DO PEQUENO PRÍNCIPE

POSFÁCIO PARA AS PESSOAS GRANDES

Antoine Jean-Baptiste Marie Roger de Saint-Exupéry, nascido a 29.6.1900, em Lyon, na França, famoso aviador civil, que se distinguiu igualmente como piloto militar durante a II guerra, tornou-se igualmente conhecido no mundo dos livros por grandes obras autobiográficas como Correio do sul (1929), Voo noturno (1931), Terra dos homens (1939), Carta a um refém (1940) e Piloto de guerra (1942).

Mas seu maior feito no mundo literário, que perdura já por três gerações, foi O Pequeno Príncipe, aparentemente uma história para crianças que logo se tornou livro de referência em todo o mundo. Durante décadas, quando se era perguntado sobre que livros se tinha lido, a resposta, indefectível, era: O Pequeno Príncipe! Como, então, uma história aparentemente infantil obteve tal unanimidade? Porque além de ser uma espécie de lenda, um conto mágico, uma distração colorida, enfim o que os franceses chamam de uma féerie, o livro encerra um repositório de exemplos construtivos da personalidade, a análise de amores e paixões, a fidelidade e a solidão, temas sem dúvida adultos, tratados com seriedade e experiência, embora num contexto de narrativa infantil.

Nascido de família nobre, seu pai era conde, Antoine passou a infância em castelos de propriedade da família. Aos 12 anos, fascinado por aviões, ludibriando os instrutores, consegue fazer seu primeiro voo, sem autorização da família, decidindo-se, a partir de então, a seguir a carreira aeronáutica. Estudante medíocre, consegue completar seus estudos secundários em 1917 e tenta se engajar na Marinha, sem sucesso. Amoroso notório, conhece, em 1918, Louise de Vilmorin, que será uma de suas grandes paixões. Mas o enlace não se verifica apesar do longo noivado, e eis que se dá a ruptura em 1923, pois a família da noiva insistia para que Antoine abraçasse uma profissão comercial, ao passo que ele, cada vez mais, se decidia pela aviação. Em 1926, finalmente, ei-lo que realiza seu sonho: ingressa na companhia Latécoère (futura Aéropostale), na qual, em companhia de Mermoz e Guiaumet, faz o transporte de correspondência entre Toulouse e Dacar, a capital do Senegal.

A companhia tem sua filial sul-americana em Buenos Aires e é ali que Antoine vai conhecer sua paixão maior, Consuelo Suncín de Sandoval, nascida em El Salvador, mulher culta, educada na França e na Inglaterra, identificada no livro como a Rosa, criatura sensível, digna de cuidados especiais como uma redoma para protegê-la do sol e um biombo para abrigá-la do vento. O romance-paixão por Consuelo será definitivo, irá durar toda a vida, malgrado as numerosas escapadas extraconjugais de Antoine, mulherengo incorrigível, principalmente para junto de sua Hélène de Vogüe, a “Nelly”, e da princesa Natalie Paley, suas outras duas grandes paixões. Esse aspecto da vida amorosa de Exupéry aparentemente se reflete até mesmo no enredo de O Pequeno Príncipe, com algumas referências mais evidentes como a já mencionada de que a Rosa se refere a Consuelo de Sandoval; de nossa parte, chegamos a imaginar que os três vulcões que existem no planeta do Príncipe bem podem representar Louise de Valmorin (como o extinto) e Hélène de Vogüe e Natalie Paley, como os outros dois, em atividades periódicas. Mas será ao lado de Consuelo que ele viverá seus últimos dias em Nova York, onde iria residir depois de 1944, com a invasão nazista de sua querida França; ela será sua conselheira literária na elaboração de O Pequeno Príncipe.    

Algumas outras referências simbólicas conseguimos vislumbrar nestas páginas inocentes dedicadas às crianças: os conselhos da raposa (que seria provavelmente a consciência amorosa do autor) que. diante de um campo de rosas, faz com que ele se dê conta de que a Rosa, a sua Rosa, é única e insubstituível e – momento culminante – a aceitação da responsabilidade absoluta de quem ama. Já a serpente representa o mal e suas tentações. Será por uma picada de serpente que o Pequeno Príncipe desaparecerá da visão do autor. Donde teria vindo a associação de serpente com a morte? Eis um símbolo que parece ter acompanhado Saint Exupéry por muitos anos. Descobrimos em seu livro Terra dos Homens (de 1939) um trecho em que conta ter feito um pernoite forçado numa pequena cidade do interior da Argentina, onde foi acolhido por um lavrador e suas duas filhas, que o abrigaram e lhe deram uma pequena ceia noturna, durante a qual o aviador percebeu que algo se arrastava pelo chão junto à mesa em que estava. Eis a narrativa: “Fez-se um silêncio – e durante esse silêncio alguma coisa sibilou levemente no assoalho… Ergui os olhos intrigado… mas a mais nova das moças explicou: – “São as víboras”. Aqueles bichos haviam passado entre as minha pernas, junto a meus calcanhares, e eram víboras… –“Elas fizeram ninho num buraco, debaixo da mesa. – Às dez horas elas voltam depois de caçar…” O que para as moças não passava de uma circunstância banal de sua vida campestre transformou-se na mente do autor na indelével imagem da morte iminente.

Saint Exupéry exerce o seu ofício de aviador-postal até 1939 quando, com a guerra, vai servir

numa esquadrilha francesa de reconhecimento aéreo; com o armistício (junho de 1940) deixa a França pelos Estados Unidos, onde se esforça pela adesão desse país à guerra contra Hitler, tornando-se uma das grandes vozes da Resistência francesa. Sempre ansioso pela ação, consegue finalmente em 1944 juntar-se a uma unidade de reconhecimento fotográfico com vistas ao desembarque na Normandia. Foi numa dessas missões, em 31 de julho de 1944, que seu avião é abatido por um caça alemão. O corpo de Exupéry nunca foi encontrado, mas os destroços do aparelho foram formalmente identificados em 3 de setembro de 2003, ao largo de Marselha.  

PREFÁCIO DO DIÓGENES

     A língua portuguesa merecia “O Pequeno Príncipe”, a fábula magistral de Antoine de Saint-Exupéry, com um sutil sabor brasileiro. Não que não tivéssemos traduções bem elaboradas, desde a primeira feita pelo monge beneditino Dom Marco Barbosa, baseada na edição francesa de 1945. Em 2013, ano em que o lançamento do livro comemorou 70 anos, Ferreira Gullar trasladou a edição original de 1943. Encantou-me a feita por Raimundo Gadelha, edição com ilustrações inovadoras. O famoso livro, ilustrado com a aquarela do próprio autor, foi publicado em 1943 no Estados Unidos, simultaneamente em inglês e francês, é um dos mais lidos no mundo, com mais de 250 versões em diferentes línguas e dialetos. 

Câmara Cascudo gostava de repetir, que somente traduzia quando considerava as traduções existentes insuficientes. Assim também deve ter pensado o editor quando teve a feliz ideia de convidar Ivo Barroso para essa edição. Foi certa a iniciativa. É um dos nossos maiores tradutores de prosa e poesia para a língua portuguesa. Ele é responsável por traduções definitivas para o português de William Shakespeare. Somente um tradutor privilegiado seria capaz de semelhante proeza.

De fato, somente um poeta do porte de Ivo Barroso seria capaz de dar um toque definitivo aos brasileiros a esta obra misteriosa e fascinante. Para isso, o tradutor penetrou a concepção estrutural intangível da obra literária, sua forma e conteúdo. Não bastava a erudição, o exercício intelectual, nem ser fortemente experimentado em traduzir, mas é imprescindível a compreensão emocional da criação poética. Como na casa de Deus, a língua tem muitas moradas.  Ivo Barroso é habitante privilegiado do inglês, francês e italiano. Francês é a principal, confessou-me Rimbaud. A sua tradução do clássico de Exupéry é inovadora e animadora, ele mergulha em um olhar infanto-juvenil, revelando novas facetas da obra. O respeito pelo leitor é absoluto. No texto, leveza e densidade caminham de mãos dadas, com tamanha naturalidade que nem nos damos conta de estarmos diante de uma obra vista e revista inúmeras vezes.

“O Pequeno Príncipe” adaptou-se ao Brasil. É amado por crianças de toda idade. A saga do seu autor entrou na alma do povo, no sentimento coletivo. O imaginário popular criou e ampliou histórias, lendas, versões e contraditas. Principalmente em Natal e Florianópolis, onde se diz que ele era muito popular e chamado Zé Perri. Natal era referência obrigatória aos pilotos pioneiros da aviação. Nesta cidade, Jean Mermoz, o amigo mais próximo Saint-Ex, tornou-se ícone vindo da África para este destino e desapareceu no mar. 

Saint-Exupéry menciona Natal no roteiro de volta de Buenos Aires. A cidade é presença obrigatória nos mapas de viagem da Latécoère e de outras companhias. Como na vida do piloto-escritor é envolvida em magia e mistério, até a sua morte, em nosso País não foi diferente. É negado e tem confirmação documental da sua presença aqui. Ele deu entrevista para o Diário de Natal ao jornalista Nilo Pereira, foi fotografado pelo italiano Rocco. A maior parte da população considera o Baobá do Poeta, situado na capital potiguar, a árvore do Pequeno Príncipe. As ilustrações do livro têm coincidências coincidentes com Natal, com os símbolos e ícones da cidade: as dunas, a falésia (a Barreira do Inferno), um vulcão extinto (o cabugi), a estrela cadente da bandeira da urbes, três baobás da espécie folhada (Natal, Macaíba e Nísia Floresta), um mapa do Estado semelha e é estilizado como elefantinho. Por tudo isso, Saint-Exupéry é cultuado como avenida como Mermoz é rua. 

Aventureiro, escritor, piloto, viajante, desenhista e humanista são algumas das facetas de Antoine de Saint-Exupéry. Como os grandes escritores viajantes, de André Gide a Henri Michaux, ele convida o leitor a viajar por sua escrita, traçando observações poéticas e uma experiência interior que se dilata. Ele “mordeu as estrelas”, surgindo no Rio Grande do Norte como um lampejo, um cometa. Sem dúvida, uma visita ilustre.  Ele é símbolo do bem querer da nossa terra.

Acredito que quando o que lemos é atraente e apresenta uma linguagem que favorece a compreensão, a leitura torna-se inevitavelmente prazerosa, o que nos faz ler para dormir e até acordar para ler. Afinal, leitura boa é aquela que se realiza por e com prazer. Por esse motivo, este livro constitui-se em uma viagem mágica, exata, objetiva, sólida, que não se descura quando deve investigar os fantasiosos e calculados engenhos de que se reveste a ficção. Cheio de diálogos que nos emocionam e nos fazem sorrir, aborda temas leves e profundos traduzidos ao português com maestria.

Uma boa leitura.

Diogenes da Cunha Lima

DEDICATÓRIAS DO AUTOR

A LÉON WERTH

              Peço perdão às crianças por ter dedicado este livro a um adulto. Mas tenho uma desculpa séria: esse adulto é o melhor amigo que tenho no mundo. Tenho outra desculpa: esse adulto pode compreender tudo, até os livros para crianças. E tenho uma terceira desculpa: esse adulto mora na França e tem fome e frio. Precisa ser consolado. Se todas essas desculpas não forem suficientes, então quero dedicar este livro à criança que esse adulto foi um dia. Todos os adultos a princípio são crianças. (Mas poucos entre eles se lembram disso.) Corrijo então minha dedicatória:

A LÉON WERTH

QUANDO ERA CRIANÇA


POSFÁCIO DA ILUSTRADORA

Senti uma grande responsabilidade ao criar as imagens para este livro cujas aquarelas de Antoine de Saint-Exupéry, tatuadas em nosso inconsciente fazem parte da infância de muitas gerações. Como desenhar um novo pequeno príncipe no qual eu mesma pudesse acreditar?
A primeira providência foi ler Terra dos homens. Publicado em 1939, o livro narra as memórias de Saint-Exupéry quando foi piloto do correio aéreo francês. Minha suspeita de que O pequeno príncipe, se não fosse ficção, poderia ser um capítulo de Terra dos homens, se confirmou pelo modo particular fascinante e sensível do autor em iluminar por meio de aventuras literárias, o bem e o mal da natureza humana. Na última página do livro, numa viagem de trem o narrador escreve:

“Sento-me diante de um casal. Entre o homem e a mulher, a criança, bem ou mal, havia se alojado e dormia. Volta-se, porém, no sono, e seu rosto me aparece sob a luz da lâmpada. Ah, que lindo rosto! Havia nascido daquele casal uma espécie de fruto dourado. Daqueles pesados animais havia ­nascido um prodígio de graça e encanto. Inclinei-me sobre a fronte lisa, a pequena boca ingênua. E disse comigo: eis a face de um músico, eis Mozart criança, eis uma bela promessa da vida. Não são diferentes dele os belos príncipes das lendas. Protegido, educado, cultivado, que não seria ele?

Quando, por mutação, nasce nos jardins uma rosa nova, os jardineiros se alvoroçam. A rosa é isolada, é cultivada, é favorecida. Mas não há jardinei­ros para os homens.” (tradução de Rubem Braga). 

Fantasiei que o pequeno príncipe de Saint-Exupéry nasce no instante em que a luz da lâmpada ilumina o rosto daquele menino. Ao conceber o perso­nagem, o escritor o protegeu, o educou e o cultivou. Responsável para sempre por tudo o que tenha cativado, Saint-Exupéry escreve a história do pequeno príncipe, publicada em 1943, tornando-se um clássico mundial. 

A ideia de que qualquer um de nós pode ser um pequeno príncipe, um pe­queno Mozart, uma rosa nascida por mutação, muito me intrigou. A potência dentro de nós, que se revela a cada dia, a cada noite dormida, a cada viagem de trem, a cada leitura de um livro, é a própria promessa de uma vida. 

Assisti a documentários para conhecer a infância de Mozart, assim como filmes biográficos do próprio Saint-Exupéry. Esse foi o terreno fértil que pre­parei para criar este pequeno príncipe: um personagem prosaico, que poderia habitar o corpo de qualquer criança. Os pequenos príncipes, os pequenos Mozarts, estão à nossa volta; inclusive pode ser você, caro leitor. 

Incorporei o uso do papel carbono amassado e passado a ferro, técnica que se aproxima esteticamente da gravura. Com um pouco de abstração nas imagens, convido a diferentes leituras, a liberdade para cada um interpretar a seu modo. Na capa, por exemplo, a rosa pode estar numa redoma ou sobre um planeta; na frente de uma pedra ou naquilo que você imaginar. 

Juntos, os pequenos príncipes que vivem em nós e que não abdicam jamais de uma resposta depois de haver feito uma pergunta, criam leituras particulares desta obra repleta de metáforas, que instiga às mais livres reflexões. 

RAQUEL MATSUSHITA

NOTA DO EDITOR

Como o livro ainda não foi lançado, o editor Fariaesilva – rua Oliveira Dias, 330 – 01433-030 – São Paulo informa ser possível adquiri-lo em qualquer plataforma eletrônica (Amazon, Mercado Livre w Estante Virtual) e mesmo nas livrarias mediante solicitando ao livreiro que o encomende para futuro estoque. 

 

https://gavetadoivo.wordpress.com/2021/09/10/os-prefacios-do-pequeno-principe/

Ivo Barroso, tradutor, faleceu em 05/10/2021 aos 91 anos.

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