Maryanne Wolf, neurocientista, é taxativa: aprende-se mais e melhor quando se estuda
textos em livros do que em computadores, celulares e tablets. Ou seja:
para estudar e bem compreender aquilo que se lê, o papel é mais adequado
que a tela.
Para estudar, o papel vence a tela
Em
um estudo revolucionário, neurocientista norte-americana mostra que o
nosso cérebro compreende e memoriza melhor os textos impressos
FALTA DE CONCENTRAÇÃO Enzo Silveira tentou estudar pelos meios tecnológicos e desistiu: memória afetada (Crédito: GABRIEL REIS)
Em pleno reinado das mais diversas e tecnologicamente
avançadas ferramentas digitais, a neurocientista e diretora do Centro de
Dislexia da Universidade da Califórnia, Maryanne Wolf, é taxativa:
aprende-se mais e melhor quando se estuda textos em livros do que em
computadores, celulares e tablets. Ou seja: para estudar e bem
compreender aquilo que se lê, o papel é mais adequado que a tela.
Maryanne expõe a sua tese na obra “O cérebro no mundo digital: os
desafios da leitura na nossa era” (Contexto). A pesquisadora assegura
que é possível diferenciar dois tipos de absorção da escrita. O primeiro
deles, ela chama de “leitura profunda”, e, o segundo, de “leitura
superficial”. Ocorrem, respectivamente, quando nos debruçamos sobre um
livro para estudar e quando estudamos diante de uma tela.
A leitura profunda conecta uma nova informação ao que já se possui de
registros armazenados na memória, a partir de experiências adquiridas.
Isso nos ajuda a gostar do texto, ou, como define Maryanne, a
desenvolver “empatia” por ele. A leitura profunda também amplia a
plasticidade do cérebro, o que vem a ser a capacidade de aprimoramento
dos mecanismos de aprendizagem. Na leitura superficial, o conteúdo não é
totalmente compreendido pelos mecanismos cerebrais. “No momento em que
se lê, a linguagem tem de se conectar com a visão, com os processos
racionais e emocionais. E isso não acontece de maneira simples”, diz
Maryanne. “Quando se lê por meio de uma tela não se utiliza a parte do
cérebro denominada córtex pré-frontal, responsável, entre inúmeras
outras funções, pela análise crítica do conteúdo que se está
absorvendo”.
Assim como na ciência médica há uma diferença entre o hábito mecânico
de ouvir e a dinâmica emocional de escutar, quando estudamos em
dispositivos eletrônicos estamos somente olhando. Já no papel, lemos.
Esse fenômeno se dá porque aquilo que está escrito em uma tela estimula
bem menos o córtex pré-frontal, uma ver que se observa certa acomodação e
dispersão na capacidade de se concentrar. O córtex é o grande maestro
da orquestra de neurônios e sinapses que compõem a nossa mente, organiza
a chegada de novas informações, as conecta com o conhecimento adquirido
anteriormente e prioriza aquilo que é mais importante. A visão tem
papel primordial em todo esse processo, ela opera como “transportadora”
para o cérebro daquilo que está estampado em um computador, celular ou
tablet. “Ao fazer uma leitura superficial, o córtex pré-frontal não se
conectar com todos esses conhecimentos, sendo ainda mais difícil,
inclusive, acessar nossas emoções”, diz Elizeu Coutinho de Macedo,
pesquisador do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social da
Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Quando estudamos em dispositivos eletrônicos estamos somente olhando. Já no papel, lemos
Quando se coloca em xeque o contraste entre o estudo em meios
digitais e o papel, há uma dúvida que paira: se a leitura em um
dispositivo tecnológico for feita de maneira altamente concentrada,
ainda assim a compreensão fica prejudicada? Para o neurocientista
Macedo, sim. Afinal, no momento em que acessamos esses
mecanismos tecnológicos, que muitas vezes nos servem também como
entretenimento, é preciso lidar com o chamado controle inibitório: a
nossa capacidade de bloquear interferências que podem ser mais atraentes
se comparadas a leitura. Há um exemplo definitivo: quantas pessoas você
conhece que abrem o computador para ler e acaba passando horas a jogar
paciência? Além de jogos, é bem comum que a primeira vontade seja a de
ir, por exemplo, direto às redes sociais. O leitor precisa, então,
aprender a boicotar esse tipo de tentação. “O livro físico não precisa
brigar com esse tipo de desvio de atenção”, explica Macedo.
Enzo Carlini de Silveira tem 13 anos. Está no oitavo ano do ensino
fundamental e sempre foi um aluno referência em sua turma no Colégio
Pentágono, em São Paulo. Os seus esforços começaram a diluir, no
entanto, no momento em que a pandemia forçou a migração das salas de
aula para o ensino a distância: “Eu lia cinco parágrafos no computador e
de repente não sabia mais o que estava lendo”. Entre os colegas, esse
passou a ser o assunto. “Estudar só pela tecnologia estava afetando a
minha memória. Precisei voltar ao bom e velho papel”, diz Silveira. O
problema não acontece somente com aqueles que ainda não chegaram à fase
adulta. Beatriz Ambrosio tem 25 anos e faz mestrado em relações públicas
na Faculdade Cásper Líbero. Ela até tentou substituir meios
tradicionais de estudo pelo tablet, mas não deu certo: “quando eu estou
com um livro em mãos tenho bem maior controle do meu aprendizado”.
Especulação Imobiliaria destorce a proteção da qualidade de vida na cidade de são paulo, mistura estação de metrô com incorporações que destroem a cidade.
Folha de São Paulo - 19/09/21 (Só podia ser a Folha de São Paulo, não é?)
Verticalização
e privatizações em SP disparam brigas dos 'não no meu quintal'
Expressão,
que vem do inglês, é usada para descrever classe alta que vai contra obras de
infraestrutura urbana
As privatizações no governo João Doria (PSDB) e
o acelerado processo de verticalização em áreas
próximas a metrô e corredores de ônibus de São Paulo têm reaquecido o espírito
combativo de moradores e grupos de bairro tachados com um apelido não muito
simpático. São os chamados NIMBY, sigla em inglês para “not in my backyard”
(“não no meu quintal”).
Diversas publicações de língua inglesa afirmam que
o acrônimo surgiu nos anos 1970, em New Hampshire e Michigan, com construções
de usinas geradoras de energia nuclear.
Com o passar do tempo, porém, elas foram ganhando
uma conotação negativa, contrária a grupos de alta classe que recusavam obras
de infraestrutura urbana, mesmo quando os projetos tinham aprovação mais ampla
da sociedade.
Divisa
entre Paraisópolis e Morumbi é um dos exemplos de NIMBY. Em 2020, um condomínio
de luxo tentou interferir no desenho de um parque entre a região rica e a
favela vizinha - Gabriel Cabral/Folhapress
Em contraponto aos NIMBY, depois surgiram os YIMBY,
“yes in my backyard”, ou “sim no meu quintal”, favoráveis aos projetos que
contribuíssem com a qualidade da vida urbana, mesmo quando eles fizessem
barulho na vizinhança.
Em setembro do ano passado, o advogado Guilherme
Pereira, morador do centro da cidade, criou o SPYimby, manifesto que usa redes
sociais para falar de conflitos similares na capital paulista.
[
x ]
Como exemplo de “nimbysmo”, Pereira cita moradores
do Morumbi, bairro na zona sul, que tentaram em 2020 interferir no desenho de
um parque entre a região rica e a favela vizinha, Paraisópolis. O alvo de
críticas eram portões de acessos. Moradores da parte rica pediam a construção de muros e a extinção de entrada que
permitisse passagem para as ruas banhadas de condomínios de luxo, muitos deles
já murados e assistidos por sistemas de segurança. Não foram atendidos.
Divisa entre o Paraisópolis e o Morumbi é um dos
exemplos mais recentes de nimby. Em 2020, um condomínio de luxo tentou
interferir no desenh Gabriel
Cabral/FolhapressMAIS
“Agora, [a
oposição] é em relação a empreendimentos residenciais, construídos ou pelo
poder público ou pelo setor privado”, diz Pereira, citando a verticalização
estimulada pelo Plano Diretor desde 2014.
As demolições se tornaram comuns no trajeto dos
paulistanos, com intensidade nas chamadas de Zonas de Estruturação Urbana, que
chegam a permitir altura ilimitada para novos edifícios. O skyline está se
transformando principalmente às margens das linhas de metrô.
A transformação completa de bairros da zona oeste,
que ainda não tinham tantas sombras de arranha-céus, provocou a grita.
“Propomos reunir o máximo possível de associações, grupos e coletivos, bem como
moradores e comerciantes ‘avulsos’ de Pinheiros, para nos organizar pela
preservação do bairro e pela limitação e controle do processo de
verticalização”, divulga uma conta do movimento Pró-Pinheiros na internet. Há
coletivos organizados também em Perdizes.
“O problema não é verticalizar ou deixar de
verticalizar. O problema é a qualidade do que se faz. Nós temos cidades no
mundo, como Chicago, com verticalizações imensas e que não perderam a escala
humana”, diz Ciro Pirondi, arquiteto que dirige a Fábrica Escola de Humanidades
da Escola da Cidade e que é diretor-executivo da Fundação Oscar Niemeyer.
“A verticalização pensada para o adensamento urbano
e que pensa o uso da infraestrutura já paga com dinheiro público, a princípio,
ela é bem-vinda. Mas só a princípio, pois ela depende da qualidade do que se
faz”, diz Pirondi, que considera ainda que a ideia de Plano Diretor Estratégico é um mito da
cultura urbana brasileira.
As ruas Estela Sezefreda, Dr. Phidias de Barros
Monteiro e Pascoal del Gaizo, esta transformada em vila, estão a duas quadras
do metrô Fradi Eduardo Knapp/FolhapressMAIS
“É um
instrumento político. Ele não constrói cidades. Se o plano diretor construísse
cidades, teríamos as melhores do mundo. E não temos”, diz.
“Cidades que nós amamos no mundo são construídas a
partir de projetos urbanos multidisciplinares, não só do arquiteto, mas da
economia e por aqueles que usam a cidade. Barcelona, por exemplo, não faz um
plano diretor há décadas, e é aquela cidade linda. Nova York, desde 1968 não
faz”, alerta ele.
Cria-se uma cadeia de problemas. A falta de
qualidade dos projetos arquitetônicos, com consequências para o entorno, é um
disparador de insegurança, que dá origem a protestos. E os protestos terminam
por barrar projetos de fatos bons. “Normalmente, o morador só sabe que vai
haver uma obra quando ela já começou”, reflete Victor Carvalho Pinto, consultor
legislativo do Senado Federal na área de Desenvolvimento Urbano e coordenador
do Núcleo Cidade e Regulação do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper.
Pinto conta ainda que se tornou comum a situação em
que “delegados” eleitos pelos bairros votam propostas entre vizinhos e que
“algumas prefeituras acabam achando que precisam obedecer o que é votado nesse
tipo de conferência”.
“Já vi secretários municipais dizendo que cederam a
uma postura NIMBY, em bairros de classes altas, porque a conferência votou tal
coisa”, narra.
Na capital paulista, por exemplo, a Associação
Amigos do Alto de Pinheiros (SAAP) conseguiu pressionar a prefeitura e cercar a praça do Pôr do Sol, cartão-postal da
cidade, sem consulta pública e mesmo sob protestos.
Uma das resistências mais antigas e contraditórias
na cidade, diz o advogado, é imposta pelos moradores dos chamados
bairros-jardins, ou as zonas estritamente residenciais. Alto de Pinheiros está
entre esses casos. A vizinhança concentra esforços em manter a atmosfera
bucólica e silenciosa.
“Quase tudo o que se propõe de bom para uma cidade,
logo aparece um NIMBY para ser do contra. Acabar com uso estritamente
residencial, por exemplo: esse modelo não é algo comum em nenhum lugar no
mundo”, diz. Sumarezinho, Pacaembu e Jardim Paulistano são outros casos com
grandes áreas estritamente residenciais em São Paulo.
Da mesma forma, moradores do Paraíso, também na
capital paulista, têm debatido o processo de verticalização do bairro e se
uniram para se manifestar sobre o projeto de reforma do ginásio do Ibirapuera proposto
pelo governo Doria. São majoritariamente contrários às obras. A argumentação
utilizada por eles é a preservação da memória do conjunto e também uma possível
sobrecarga no trânsito.
Fachada do Ginásio do Ibirapuera, que pode dar
lugar a complexo com shoppings e hotel, segundo projeto do governo Adriano Vizoni/FolhapressMAIS
Em um grupo de WhatsApp com ampla participação de
quem mora no Paraíso e também em Cerqueira César, a advogada Célia Marcondes
faz uma defesa da participação dos grupos de bairro no controle dos projetos.
Ela alerta para a influência do mercado imobiliário na atuação da prefeitura
como principal agente nas decisões da expansão das cidades, inclusive no que
ela considera que são aprovações de obras que burlam a legislação.
“[O termo NIMBY] vem sendo usado por construtoras e
por urbanistas a serviço das mesmas. Cada caso é um caso, e não se pode colocar
tudo num cesto só”, diz. “Conheci essa expressão na Inglaterra há alguns anos,
mas antes de usá-la tem-se que estudar a legislação. Às vezes a construção
contraria a legislação, e o empreendedor dá um jeitinho e tenta macular a luta [de
um bairro] com o uso da expressão.”
Ela lidera grupo em Cerqueira César que barrou na
Justiça o alvará que permitiria a construção de um prédio de 22 andares na
alameda Joaquim Eugênio de Lima.
Erramos: o texto foi alterado
20.set.2021 às 20h56
Versão anterior
deste texto afirmava incorretamente que a estação de metrô alvo da reclamação
de moradores de Higienópolis estava prevista para ser construída na avenida
Consolação. O correto é avenida Angélica.
Antoine
Jean-Baptiste Marie Roger de Saint-Exupéry, nascido a 29.6.1900, em
Lyon, na França, famoso aviador civil, que se distinguiu igualmente como
piloto militar durante a II guerra, tornou-se igualmente conhecido no
mundo dos livros por grandes obras autobiográficas como Correio do sul (1929), Voo noturno (1931), Terra dos homens (1939), Carta a um refém (1940) e Piloto de guerra (1942).
Mas seu maior feito no mundo literário, que perdura já por três gerações, foi O Pequeno Príncipe,
aparentemente uma história para crianças que logo se tornou livro de
referência em todo o mundo. Durante décadas, quando se era perguntado
sobre que livros se tinha lido, a resposta, indefectível, era: O Pequeno
Príncipe! Como, então, uma história aparentemente infantil obteve tal
unanimidade? Porque além de ser uma espécie de lenda, um conto mágico,
uma distração colorida, enfim o que os franceses chamam de uma féerie,
o livro encerra um repositório de exemplos construtivos da
personalidade, a análise de amores e paixões, a fidelidade e a solidão,
temas sem dúvida adultos, tratados com seriedade e experiência, embora
num contexto de narrativa infantil.
Nascido
de família nobre, seu pai era conde, Antoine passou a infância em
castelos de propriedade da família. Aos 12 anos, fascinado por aviões,
ludibriando os instrutores, consegue fazer seu primeiro voo, sem
autorização da família, decidindo-se, a partir de então, a seguir a
carreira aeronáutica. Estudante medíocre, consegue completar seus
estudos secundários em 1917 e tenta se engajar na Marinha, sem sucesso.
Amoroso notório, conhece, em 1918, Louise de Vilmorin, que será uma de
suas grandes paixões. Mas o enlace não se verifica apesar do longo
noivado, e eis que se dá a ruptura em 1923, pois a família da noiva
insistia para que Antoine abraçasse uma profissão comercial, ao passo
que ele, cada vez mais, se decidia pela aviação. Em 1926, finalmente,
ei-lo que realiza seu sonho: ingressa na companhia Latécoère (futura
Aéropostale), na qual, em companhia de Mermoz e Guiaumet, faz o
transporte de correspondência entre Toulouse e Dacar, a capital do
Senegal.
A companhia
tem sua filial sul-americana em Buenos Aires e é ali que Antoine vai
conhecer sua paixão maior, Consuelo Suncín de Sandoval, nascida em El
Salvador, mulher culta, educada na França e na Inglaterra, identificada
no livro como a Rosa, criatura sensível, digna de cuidados especiais
como uma redoma para protegê-la do sol e um biombo para abrigá-la do
vento. O romance-paixão por Consuelo será definitivo, irá durar toda a
vida, malgrado as numerosas escapadas extraconjugais de Antoine,
mulherengo incorrigível, principalmente para junto de sua Hélène de
Vogüe, a “Nelly”, e da princesa Natalie Paley, suas outras duas grandes
paixões. Esse aspecto da vida amorosa de Exupéry aparentemente se
reflete até mesmo no enredo de O Pequeno Príncipe, com algumas
referências mais evidentes como a já mencionada de que a Rosa se refere a
Consuelo de Sandoval; de nossa parte, chegamos a imaginar que os três
vulcões que existem no planeta do Príncipe bem podem representar Louise
de Valmorin (como o extinto) e Hélène de Vogüe e Natalie Paley, como os
outros dois, em atividades periódicas. Mas será ao lado de Consuelo que
ele viverá seus últimos dias em Nova York, onde iria residir depois de
1944, com a invasão nazista de sua querida França; ela será sua
conselheira literária na elaboração de O Pequeno Príncipe.
Algumas
outras referências simbólicas conseguimos vislumbrar nestas páginas
inocentes dedicadas às crianças: os conselhos da raposa (que seria
provavelmente a consciência amorosa do autor) que. diante de um campo de
rosas, faz com que ele se dê conta de que a Rosa, a sua Rosa, é única e
insubstituível e – momento culminante – a aceitação da responsabilidade
absoluta de quem ama. Já a serpente representa o mal e suas tentações.
Será por uma picada de serpente que o Pequeno Príncipe desaparecerá da
visão do autor. Donde teria vindo a associação de serpente com a morte?
Eis um símbolo que parece ter acompanhado Saint Exupéry por muitos anos.
Descobrimos em seu livro Terra dos Homens (de 1939) um trecho em que
conta ter feito um pernoite forçado numa pequena cidade do interior da
Argentina, onde foi acolhido por um lavrador e suas duas filhas, que o
abrigaram e lhe deram uma pequena ceia noturna, durante a qual o aviador
percebeu que algo se arrastava pelo chão junto à mesa em que estava.
Eis a narrativa: “Fez-se um silêncio – e durante esse silêncio alguma
coisa sibilou levemente no assoalho… Ergui os olhos intrigado… mas a
mais nova das moças explicou: – “São as víboras”. Aqueles bichos haviam
passado entre as minha pernas, junto a meus calcanhares, e eram víboras…
–“Elas fizeram ninho num buraco, debaixo da mesa. – Às dez horas elas
voltam depois de caçar…” O que para as moças não passava de uma
circunstância banal de sua vida campestre transformou-se na mente do
autor na indelével imagem da morte iminente.
Saint Exupéry exerce o seu ofício de aviador-postal até 1939 quando, com a guerra, vai servir
numa
esquadrilha francesa de reconhecimento aéreo; com o armistício (junho de
1940) deixa a França pelos Estados Unidos, onde se esforça pela adesão
desse país à guerra contra Hitler, tornando-se uma das grandes vozes da
Resistência francesa. Sempre ansioso pela ação, consegue finalmente em
1944 juntar-se a uma unidade de reconhecimento fotográfico com vistas ao
desembarque na Normandia. Foi numa dessas missões, em 31 de julho de
1944, que seu avião é abatido por um caça alemão. O corpo de Exupéry
nunca foi encontrado, mas os destroços do aparelho foram formalmente
identificados em 3 de setembro de 2003, ao largo de Marselha.
PREFÁCIO DO DIÓGENES
A língua portuguesa merecia “O
Pequeno Príncipe”, a fábula magistral de Antoine de Saint-Exupéry, com
um sutil sabor brasileiro. Não que não tivéssemos traduções bem
elaboradas, desde a primeira feita pelo monge beneditino Dom Marco
Barbosa, baseada na edição francesa de 1945. Em 2013, ano em que o
lançamento do livro comemorou 70 anos, Ferreira Gullar trasladou a
edição original de 1943. Encantou-me a feita por Raimundo Gadelha,
edição com ilustrações inovadoras. O famoso livro, ilustrado com a
aquarela do próprio autor, foi publicado em 1943 no Estados Unidos,
simultaneamente em inglês e francês, é um dos mais lidos no mundo, com
mais de 250 versões em diferentes línguas e dialetos.
Câmara Cascudo gostava de repetir, que somente traduzia quando considerava as traduções existentes insuficientes.
Assim também deve ter pensado o editor quando teve a feliz ideia de
convidar Ivo Barroso para essa edição. Foi certa a iniciativa. É um dos
nossos maiores tradutores de prosa e poesia para a língua portuguesa.
Ele é responsável por traduções definitivas para o português de William
Shakespeare. Somente um tradutor privilegiado seria capaz de semelhante
proeza.
De fato, somente um poeta do porte de Ivo
Barroso seria capaz de dar um toque definitivo aos brasileiros a esta
obra misteriosa e fascinante. Para isso, o tradutor penetrou a concepção
estrutural intangível da obra literária, sua forma e conteúdo. Não
bastava a erudição, o exercício intelectual, nem ser fortemente
experimentado em traduzir, mas é imprescindível a compreensão emocional
da criação poética. Como na casa de Deus, a língua tem muitas
moradas. Ivo Barroso é habitante privilegiado do inglês, francês e
italiano. Francês é a principal, confessou-me Rimbaud. A sua tradução do
clássico de Exupéry é inovadora e animadora, ele mergulha em um olhar
infanto-juvenil, revelando novas facetas da obra. O respeito pelo leitor
é absoluto. No texto, leveza e densidade caminham de mãos dadas, com
tamanha naturalidade que nem nos damos conta de estarmos diante de uma
obra vista e revista inúmeras vezes.
“O Pequeno Príncipe” adaptou-se ao Brasil.
É amado por crianças de toda idade. A saga do seu autor entrou na alma
do povo, no sentimento coletivo. O imaginário popular criou e ampliou
histórias, lendas, versões e contraditas. Principalmente em Natal e
Florianópolis, onde se diz que ele era muito popular e chamado Zé Perri.
Natal era referência obrigatória aos pilotos pioneiros da aviação.
Nesta cidade, Jean Mermoz, o amigo mais próximo Saint-Ex, tornou-se
ícone vindo da África para este destino e desapareceu no mar.
Saint-Exupéry
menciona Natal no roteiro de volta de Buenos Aires. A cidade é presença
obrigatória nos mapas de viagem da Latécoère e de outras companhias.
Como na vida do piloto-escritor é envolvida em magia e mistério, até a
sua morte, em nosso País não foi diferente. É negado e tem confirmação
documental da sua presença aqui. Ele deu entrevista para o Diário de
Natal ao jornalista Nilo Pereira, foi fotografado pelo italiano Rocco. A
maior parte da população considera o Baobá do Poeta, situado na capital
potiguar, a árvore do Pequeno Príncipe. As ilustrações do livro têm
coincidências coincidentes com Natal, com os símbolos e ícones da
cidade: as dunas, a falésia (a Barreira do Inferno), um vulcão extinto
(o cabugi), a estrela cadente da bandeira da urbes, três baobás da
espécie folhada (Natal, Macaíba e Nísia Floresta), um mapa do Estado
semelha e é estilizado como elefantinho. Por tudo isso, Saint-Exupéry é
cultuado como avenida como Mermoz é rua.
Aventureiro, escritor, piloto, viajante,
desenhista e humanista são algumas das facetas de Antoine de
Saint-Exupéry. Como os grandes escritores viajantes, de André Gide a
Henri Michaux, ele convida o leitor a viajar por sua escrita, traçando
observações poéticas e uma experiência interior que se dilata. Ele
“mordeu as estrelas”, surgindo no Rio Grande do Norte como um lampejo,
um cometa. Sem dúvida, uma visita ilustre. Ele é símbolo do bem querer
da nossa terra.
Acredito que quando o que lemos é atraente
e apresenta uma linguagem que favorece a compreensão, a leitura
torna-se inevitavelmente prazerosa, o que nos faz ler para dormir e até
acordar para ler. Afinal, leitura boa é aquela que se realiza por e com
prazer. Por esse motivo, este livro constitui-se em uma viagem mágica,
exata, objetiva, sólida, que não se descura quando deve investigar os
fantasiosos e calculados engenhos de que se reveste a ficção. Cheio de
diálogos que nos emocionam e nos fazem sorrir, aborda temas leves e
profundos traduzidos ao português com maestria.
Uma boa leitura.
Diogenes da Cunha Lima
DEDICATÓRIAS DO AUTOR
A LÉON WERTH
Peço perdão às crianças
por ter dedicado este livro a um adulto. Mas tenho uma desculpa séria:
esse adulto é o melhor amigo que tenho no mundo. Tenho outra desculpa:
esse adulto pode compreender tudo, até os livros para crianças. E tenho
uma terceira desculpa: esse adulto mora na França e tem fome e frio.
Precisa ser consolado. Se todas essas desculpas não forem suficientes,
então quero dedicar este livro à criança que esse adulto foi um dia.
Todos os adultos a princípio são crianças. (Mas poucos entre eles se
lembram disso.) Corrijo então minha dedicatória:
A LÉON WERTH
QUANDO ERA CRIANÇA
POSFÁCIO DA ILUSTRADORA
Senti uma grande responsabilidade ao criar
as imagens para este livro cujas aquarelas de Antoine de Saint-Exupéry,
tatuadas em nosso inconsciente fazem parte da infância de muitas
gerações. Como desenhar um novo pequeno príncipe no qual eu mesma
pudesse acreditar? A primeira providência foi ler Terra dos homens.
Publicado em 1939, o livro narra as memórias de Saint-Exupéry quando foi
piloto do correio aéreo francês. Minha suspeita de que O pequeno
príncipe, se não fosse ficção, poderia ser um capítulo de Terra dos
homens, se confirmou pelo modo particular fascinante e sensível do autor
em iluminar por meio de aventuras literárias, o bem e o mal da natureza
humana. Na última página do livro, numa viagem de trem o narrador
escreve:
“Sento-me diante de um casal. Entre o
homem e a mulher, a criança, bem ou mal, havia se alojado e dormia.
Volta-se, porém, no sono, e seu rosto me aparece sob a luz da lâmpada.
Ah, que lindo rosto! Havia nascido daquele casal uma espécie de fruto
dourado. Daqueles pesados animais havia nascido um prodígio de graça e
encanto. Inclinei-me sobre a fronte lisa, a pequena boca ingênua. E
disse comigo: eis a face de um músico, eis Mozart criança, eis uma bela
promessa da vida. Não são diferentes dele os belos príncipes das lendas. Protegido, educado, cultivado, que não seria ele?
Quando, por mutação, nasce nos jardins uma
rosa nova, os jardineiros se alvoroçam. A rosa é isolada, é cultivada, é
favorecida. Mas não há jardineiros para os homens.” (tradução de Rubem
Braga).
Fantasiei que o pequeno príncipe de
Saint-Exupéry nasce no instante em que a luz da lâmpada ilumina o rosto
daquele menino. Ao conceber o personagem, o escritor o protegeu, o
educou e o cultivou. Responsável para sempre por tudo o que tenha
cativado, Saint-Exupéry escreve a história do pequeno príncipe,
publicada em 1943, tornando-se um clássico mundial.
A ideia de que qualquer um de nós pode ser
um pequeno príncipe, um pequeno Mozart, uma rosa nascida por mutação,
muito me intrigou. A potência dentro de nós, que se revela a cada dia, a
cada noite dormida, a cada viagem de trem, a cada leitura de um livro, é
a própria promessa de uma vida.
Assisti a documentários para conhecer a
infância de Mozart, assim como filmes biográficos do próprio
Saint-Exupéry. Esse foi o terreno fértil que preparei para criar este
pequeno príncipe: um personagem prosaico, que poderia habitar o corpo de
qualquer criança. Os pequenos príncipes, os pequenos Mozarts, estão à
nossa volta; inclusive pode ser você, caro leitor.
Incorporei o uso do papel carbono amassado
e passado a ferro, técnica que se aproxima esteticamente da gravura.
Com um pouco de abstração nas imagens, convido a diferentes leituras, a
liberdade para cada um interpretar a seu modo. Na capa, por exemplo, a
rosa pode estar numa redoma ou sobre um planeta; na frente de uma pedra
ou naquilo que você imaginar.
Juntos,
os pequenos príncipes que vivem em nós e que não abdicam jamais de uma
resposta depois de haver feito uma pergunta, criam leituras particulares
desta obra repleta de metáforas, que instiga às mais livres reflexões.
RAQUEL MATSUSHITA
NOTA DO EDITOR
Como o livro ainda não foi lançado, o
editor Fariaesilva – rua Oliveira Dias, 330 – 01433-030 – São Paulo
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solicitando ao livreiro que o encomende para futuro estoque.